Assistimos, nos últimos anos, grandes e admiradas empresas buscando o socorro do processo de recuperação judicial como a única forma de salvar o negócio e manter o desenvolvimento das atividades.
São muitos os fatores que levam as empresas a uma crise insustentável, que somente encontram alternativas de soerguimento com o auxílio dos credores e sob o manto do Poder Judiciário.
A própria evolução tecnológica e mudanças nos comportamentos sociais levaram grandes companhias à derrocada financeira, como ocorreu, por exemplo, com empresas de telefonia e editoras de livros e revistas. Outros fatores, como oscilações de mercado, fraudes e má gestão, envolvendo empresas gigantes dos setores têxtil, de comércio eletrônico, construção civil e diversos outros, também foram decisivos para o insucesso de inúmeros negócios.
A percepção do cidadão comum, a cada recuperação judicial noticiada, é de que há uma fragilidade oculta por trás das grandes marcas. Empresas que jamais transpassaram sinais de problemas financeiros, de uma hora para outra, anunciaram sua crise, com milhões (até bilhões) de reais envolvidos, gerando um “efeito dominó” de dificuldades a todos os seus fornecedores, empregados, debenturistas e acionistas.
Os credores em geral, por sua vez, passam a se sujeitar ao alongamento de prazos para recebimento de seus créditos, propostas de deságio e diversas outras medidas que visam atenuar o problema e possibilitar a recuperação da empresa devedora.
E como ficam os credores trabalhistas?
Muitas vezes, o soerguimento da empresa envolve a demissão de parte de seus empregados, até que a operação seja reestruturada.
Nesses casos, os valores devidos aos empregados, apurados até a data do pedido de recuperação judicial, estarão sujeitos ao processo e às diretrizes do plano aprovado, que passa a obrigar a empresa recuperanda, sob pena de, não o cumprindo, ter a falência decretada.
Como regra geral, a recuperação judicial permite (e obriga) o devedor a liquidar os créditos trabalhistas em até 12 meses ou, sendo de até 5 salários-mínimos, em até 30 dias, contados da aprovação do plano.
A partir da reforma da Lei de Recuperação Judicial ocorrida no final do ano de 2020, entretanto, esse prazo passou ser de até 36 meses, sob a condição de o devedor apresentar garantias suficientes a critério do juízo, de haver aprovação pelos credores trabalhistas e, ainda, de não haver qualquer proposta de redução nos valores devidos, condições, estas, cumulativas.
Aí surge uma questão importante: Se a exceção à regra, incluída com a reforma legislativa de 2020, trata de um prazo de pagamento maior, desde que os créditos trabalhistas sejam integralmente pagos, seria possível ao devedor propor deságio dos valores devidos para tal classe?
Essa questão não tem resposta precisa até o momento, uma vez que a lei não foi clara quanto a essas possibilidades. A jurisprudência, ainda em formação, já foi favorável a planos de recuperação judicial em que se propuseram deságios à classe trabalhista, mas essa posição não é uníssona, vez que, de um lado há a soberania da decisão democrática de uma assembleia de credores, somada à necessária preservação da empresa; de outro lado, por sua natureza alimentar, a indisponibilidade do crédito trabalhista.
A superação da crise pela empresa recuperanda, vale lembrar, está intimamente ligada com sua viabilidade econômica demonstrada e aprovada por seus credores, dentre os quais estão os empregados, que formam uma classe vital e essencial à aprovação do plano de recuperação judicial.
Com isso, considerando que a classe trabalhista é a mais sensível na cadeia de credores e, muitas vezes, a maior interessada na continuidade do negócio, devem-se ponderar todos os interesses, para que, com o menor impacto possível, como pretendeu o legislador ordinário, busque-se, na medida do possível, o pagamento integral dos trabalhadores, sem que esse fator condene a efetiva recuperação da empresa.