O pregão faz parte da alma licitatória. O saudoso Hely Lopes Meirelles1 em sua clássica obra “Direito Administrativo Brasileiro” já ensinava, em nota de rodapé, que a origem da própria Licitação era o pregão realizado na idade média:
“Nos Estados medievais da Europa usou-se o sistema denominado “vela e pregão” que consistia em apregoar-se a obra desejada e, enquanto ardia uma vela, os construtores interessados faziam suas ofertas. Quando se extinguia a chama, adjudicava-se a obra a quem houvesse oferecido o melhor preço”
Retomando sua origem histórica, as obras de engenharia, em regra, deverão ser feitas, obrigatoriamente, na modalidade do pregão.
Vários são os motivos jurídicos que fundamentam a opção do legislador.
A mera leitura da definição da modalidade licitatória na NLLC já indica a interpretação nesse sentido. Assim:
“Art. 6º (...)
XLI - pregão: modalidade de licitação obrigatória para aquisição de bens e serviços comuns, cujo critério de julgamento poderá ser o de menor preço ou o de maior desconto;” (grifos nossos).
A dúvida que poderia surgir seria quanto ao aspecto do que seriam “serviços comuns de engenharia”.
A própria Lei 14.133/2.021 ajuda a esclarecer:
“Art. 29. A concorrência e o pregão seguem o rito procedimental comum a que se refere o art. 17 desta Lei, adotando-se o pregão sempre que o objeto possuir padrões de desempenho e qualidade que possam ser objetivamente definidos pelo edital, por meio de especificações usuais de mercado.
Parágrafo único. O pregão não se aplica às contratações de serviços técnicos especializados de natureza predominantemente intelectual e de obras e serviços de engenharia, exceto os serviços de engenharia de que trata a alínea “a” do inciso XXI do caput do art. 6º desta Lei.” (grifos nossos).
Desta forma, o primeiro critério para a distinção entre “serviços comuns de engenharia” e “serviços incomuns de engenharia”, é a presença do elemento intelectualidade na obra a ser licitada.
Aliás, se o elemento intelectualidade for mais acentuado sequer haverá licitação em razão da singularidade do objeto. Assim, a construção do memorial da América Latina pelo renomado arquiteto Oscar Niemayer, foi feito por inexigibilidade de licitação tal e qual seria sob a égide da nova lei.
Se o elemento intelectual estiver presente em menor grau do que o exemplo anterior estaremos, provavelmente, diante da licitação de obra pela modalidade licitatória concorrência.
A definição da modalidade licitatória concorrência conjugada a uma interpretação sistemática da lei 14.133/21 ajuda a elucidar o tema. Assim:
“Art. 6º (...)
XXXVIII - concorrência: modalidade de licitação para contratação de bens e serviços especiais e de obras e serviços comuns e especiais de engenharia, cujo critério de julgamento poderá ser:
a) menor preço;
b) melhor técnica ou conteúdo artístico;
c) técnica e preço;
d) maior retorno econômico;
e) maior desconto;”
A leitura meramente gramatical poderia levar o interprete a entender que seria uma “opção” do administrador público a escolha da concorrência ou do pregão para os serviços comuns de engenharia, já que o inciso XXXVIII menciona que a concorrência seria “bens e serviços especiais e de obras e serviços comuns”.
Porém, as alíneas do próprio inciso XXXVIII e o inciso XLI do artigo 6º não podem ser ignoradas nessa interpretação.
O inciso XLI menciona o pregão como “obrigatório” para serviços (inclusive de engenharia) comuns.
As alíneas do inciso XXXVIII mencionam o preço (menor preços, maior retorno, maior desconto) e acrescentam um elemento bem distintivo do pregão: a técnica, seja como “técnica e preço”, seja como “melhor técnica”.
Então, o primeiro critério para se aferir a necessidade da concorrência é a presença do elemento “técnica” como critério seletivo da licitação. Não havendo tal elemento a conclusão só poderá ser pela obrigatoriedade do pregão.
A jurisprudência do E. TCE/SP corrobora e inspira nossa tese, ora defendida. A licitação pela modalidade pregão é mais prática, rápida e barata, devendo ser preferida por motivos de economicidade, tema objeto da vigilância da Corte de Contas.
Sob a égide da Lei 13.303/2.016 a Corte Paulista já adotava a preferência do pregão. A “lei das estatais” previa o pregão como modalidade meramente “preferencial”. Assim:
“Art. 32. Nas licitações e contratos de que trata esta Lei serão observadas as seguintes diretrizes:
(...)
IV - adoção preferencial da modalidade de licitação denominada pregão, instituída pela Lei nº 10.520, de 17 de julho de 2002 , para a aquisição de bens e serviços comuns, assim considerados aqueles cujos padrões de desempenho e qualidade possam ser objetivamente definidos pelo edital, por meio de especificações usuais no mercado;”
Assim, havia “preferência”, mas a Lei 14.133/2.021 evolui para a “obrigatoriedade” sendo de rigor sua aplicação na imensa maioria das licitações obras e serviços já que, por definição, o corriqueiro enquadra-se na categoria de “comum”.
É paradigmática e visionária a decisão da E. Corte de Contas na pena do Eminente Conselheiro Edgard Camargo Rodrigues, tendo o município de Colômbia como jurisdicionado:
“Normas de âmbito federal (Decreto nº 5.450, de 31 de maio de 2005, revogado pelo Decreto nº 10.024, de 20 de setembro de 2019) e estadual (Decreto nº 49.722, de 24 de junho de 2005) elidiram vedação até então imposta, liberando emprego da modalidade licitatória pregão para serviços de engenharia, condicionada à convergência de outros atributos intrínsecos ao objeto, notadamente sê-lo comum e padronizado, sem implicar, necessariamente, ausência de complexidade técnica, de modo a permitir descrição objetiva no edital, conforme artigo 1º e parágrafo único da Lei Federal nº 10.520/02”(TC 007777.989.21, grifos nossos).
Merece destaque o fato de que a decisão NÃO afasta a aplicação do pregão pela mera complexidade do objeto desde que seja objeto padronizado no mercado e descrição objetiva no edital. A complexidade, por si só, não afasta a regra da obrigatoriedade do pregão.
Com a nova lei de licitações, o pregão para serviços de engenharia é a regra obrigatória para a imensa maioria das obras. A utilização da modalidade concorrência deverá ser expressamente justificada pelo setor de obras diante da complexidade da obra somada à impossibilidade de descrição objetiva pela inexistência de padronização no mercado.
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1 - “Direito Administrativo Brasileiro”, 40ª edição, Editora Malheiros, pág. 298, nota de rodapé nº 98