A fase processual da execução civil é concretizada pelo direito reconhecido em sentença ou por meio do título executivo extrajudicial, considera-se o momento em que se cria a expectativa ao credor em ser reparado de seus prejuízos e recuperar os valores oriundos de uma obrigação que não foi devidamente cumprida pelo devedor.
No entanto, em que pese a resistência do credor para obter a recuperação de seus valores, por meio de execução típica e atípica, na maioria de suas tentativas, restaram infrutíferas seu direito creditório. Usualmente isso ocorre em virtude de abuso do devedor, pois o credor se depara com a ocultação de patrimônio ou até mesmo se encontra no cenário em que o devedor só possui bens que são impenhoráveis.
Não obstante as diversas formas de penhora, é de suma importância destacar que, com base na interpretação da lei, nem tudo pode ser levado à penhora em uma execução civil. Conforme pode ser observado no artigo 833 do Código de Processo Civil (CPC), há bens que são impenhoráveis. Destaca-se, neste artigo, o inciso IV do referido dispositivo legal, onde está previsto que os salários são impenhoráveis, ressalvadas as hipóteses previstas no §2º do mesmo artigo.1
No entanto, em 25.4.23, o STJ, por meio do REsp 1.874.22, em julgamento de embargos de divergência, admitiu a penhora do salário, estabelecendo a possibilidade da relativização da impenhorabilidade salarial, contanto que seja preservada a sobrevivência de forma digna para o devedor e sua família, aplicando o princípio da menor onerosidade para o devedor, conforme pode ser observado no trecho destacado: "permitindo que seja atenuada à luz de um julgamento principiológico, em que o julgador, ponderando os princípios da menor onerosidade para o devedor e da efetividade da execução para o credor, conceder a tutela jurisdicional mais adequada a cada caso, em contraponto a uma aplicação rígida, linear e inflexível do conceito de impenhorabilidade".
Diante do entendimento do STJ, iniciaram as discussões sobre o tema, existindo críticas acerca da relativização estabelecida, especialmente no que diz respeito à segurança do devedor. No entanto, ressalta-se que precisa ser averiguado com cautela se a penhora de salário irá comprometer a subsistência de forma digna do devedor e de sua família. Questiona-se até que ponto pode ser assegurado que prosseguir com uma penhora salarial não irá afetar a dignidade da pessoa humana e a proteção legal do salário. Indaga-se de quem será a responsabilidade para decidir o que pode ser considerada como a segurança do mínimo existencial de uma pessoa.
Por outro lado, se discute que a decisão de penhora salarial é correta, sob o argumento que o devedor não pode ad aeternum não satisfazer o débito do credor. A relativização da impenhorabilidade salarial também pode ser interpretada de forma positiva, visto que somente poderá ser relativizada de forma excepcional, ou seja, não será realizada antes mesmo de o credor tentar satisfazer o seu crédito por todas as formas típicas e atípicas presentes na fase de execução, além disso, não será penhorado o valor integral do salário, sendo observada com cautela a subsistência digna do devedor.
Superados os pontos da segurança ao devedor, torna-se importante destacar que o credor também precisa ter preservada sua dignidade do mínimo existencial, além da preservação dos princípios da execução.
Um dos pilares da execução civil é justamente o princípio da efetividade de execução, no intuito da satisfação do crédito. O credor dedicou tempo, valor monetário, para realizar uma prestação de serviço, realizou a venda de seu material e serviço, ou qualquer outro meio que gerou uma obrigação ao devedor em realizar um pagamento, sendo evidente que precisa ser viabilizado ao credor o seu retorno financeiro.
Deste modo, se há possibilidade de efetivar o recebimento de seu crédito por intermédio da penhora salarial do devedor, não há óbice em prosseguir com essa interpretação, desde que seja preservada a subsistência do devedor e sua família, uma vez que o juiz deve aplicar esforços para satisfação do crédito, com base no princípio da efetividade da execução.
Destarte, conclui-se que a decisão do STJ acerca da relativização é atrativa para o credor, tendo em vista que a satisfação na execução constantemente é infrutífera. No entanto, é de suma importância que seja definida de forma clara o limite da porcentagem que poderá ser penhorada, para assegurar e definir conceitualmente o mínimo existencial na vida de uma pessoa diante da penhora salarial, a fim de que a relativização da impenhorabilidade salarial concretize uma segurança jurídica para o credor, para o devedor e, por que não dizer, para o próprio magistrado, proporcionando uma decisão justa e eficaz.