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Concurso da Receita Federal do Brasil e a possibilidade de intervenção do Poder Judiciário: prova objetiva e discursiva

A Constituição Federal da República prevê a inafastabilidade do Poder Judiciário, logo, todos possuem direito de ação.

8/9/2023

Do Histórico de Ilegalidade na Prova objetiva:

O Secretário Especial da Receita Federal do Brasil fez publicar o edital 01/22 para realização de concurso público para provimento de 699 vagas da Carreira Tributária e Aduaneira da Receita Federal do Brasil para os cargos de Auditor-Fiscal e Analista-Tributário.

As provas objetiva e discursiva do concurso público foram aplicadas em 19/3/23 e o gabarito preliminar da prova objetiva divulgado em 21/3/23 e o espelho de correção da discursiva em 26/3/23.

Com o resultado preliminar da prova objetiva, foram evidenciadas diversas irregularidades nas questões elaboradas pela banca organizadora do certame (Fundação Getúlio Vargas-FGV), como por exemplo, questões dispondo de conteúdo que extrapola os conteúdos previstos de forma expressa no edital.

A exemplo das ilegalidades, é a análise técnica realizada pelo Ministério Público Federal por meio da Secretaria de Perícia, Pesquisa e Análise.

A partir de então, foi emitido um parecer técnico sobre as supostas ilegalidades contidas no concurso público, sendo concluído que a FGV elaborou questões com conteúdo não previsto no edital.

Conforme trecho do despacho:

Mediante os fatos narrados, o subscrevente compreende que o conteúdo do edital para a seleção aos cargos de Auditor e Analista Tributários da Receita Federal do Brasil, não alcança conhecimentos da linguagem de programação SQL e conteúdos correlatos. É o Parecer. (ANPTI/         SPPEA/PGR – 595/2023)

Das ilegalidades existentes no concurso da Receita Federal - Prova Objetiva e Discursiva:

 Conforme demonstrado no início deste texto, a comissão organizadora do concurso público desde a prova objetiva não está cumprindo com a legalidade, descumprindo com as normas previstas no edital que regula o concurso e dos princípios constitucionais.

É de conhecimento notório que, a legalidade é um dos princípios mais importantes que norteia a administração pública e quando estamos falando de concurso público, o edital é a lei que regula o seu andamento e faz obrigações entre as partes.

Em concursos públicos, a administração pública direta e indireta em conjunto com a banca organizadora estão vinculadas aos estrito cumprimento legal.

Ocorre que, no concurso da Receita Federal, logo na prova objetiva, a banca apresentou questões exigindo conteúdo além do previsto no edital, ofendendo à legalidade e ao princípio da vinculação ao edital, quebrando a confiança legítima depositada pelos candidatos na administração.

Na prova discursiva a problemática foi ainda mais gravosa, caracterizando erro grosseiro e ilegal.

Explico: com a divulgação do espelho de correção da prova discursiva, a comissão FGV, exigiu dos candidatos critérios de correção com abordagens amplas, longe daquilo que a questão estava solicitando do candidato.

No espelho, foram apontadas duas exigências de respostas para os itens (A, B, C e D), sendo apresentado como resposta e fundamentação correta assunto que não foi solicitado de forma específica pelos enunciados sucintos e objetivos.

Critérios ainda, contrários aos objetivos cristalinos apresentados no edital (item 9.7.5 - edital 01/22, que informou, inclusive, que o candidato não poderia apresentar respostas amplas, podendo sua nota ser prejudicada por isso.

Ou seja, por uma análise lógica, o candidato deveria ser objetivo ao responder às questões, observando o solicitado em cada item.

Em resumo, a  banca exigiu dos candidatos considerações além das questionadas pelos itens de cada questão apresentada nas provas discursivas dos Cargos de Analista-Tributário e Auditor-Tributário, deixando de apresentar a pontuação devida aos candidatos, sendo muitos eliminados de forma injusta porque os pontos foram distribuídos em decorrência de critérios aleatórios e subjetivos estabelecidos pela banca.

Da possibilidade de intervenção do Poder Judiciário no contexto de ilegalidade em concursos públicos:

Quando falamos em concursos públicos, o Poder Judiciário possui uma atuação limitada, tendo em vista que, os tribunais superiores de justiça, possuem o entendimento pacífico no sentido de que os atos administrativos realizados pela comissão organizadora apenas podem ser avaliados pelo judiciário em casos excepcionais para aferir a legalidade e inconstitucionalidade.

A Suprema Corte quanto ao mérito administrativo e discricionariedade, no julgamento do RE 632.853/15, fixou a seguinte tese:

Não compete ao Poder Judiciário substituir a banca examinadora para reexaminar o conteúdo das questões e os critérios de correção utilizados, salvo ocorrência de ilegalidade ou de inconstitucionalidade. [Tese definida no RE 632.853, rel. min. Gilmar Mendes, P, j. 23-4-2015, DJE 125 de 29-6-15, Tema 485.]

Apesar desse entendimento, ainda que a administração esteja vinculada a conveniência e oportunidade, elas não são a regras absolutas e não podem ser superiores às acepções constitucionais.

As ilegalidades podem ser encontradas em diversos contextos, em concursos públicos, tanto nas provas objetivas ou discursivas, ainda que a administração pública e a banca examinadora possuam a discricionariedade sobre os atos administrativos, estas ações não podem ser contrárias aos princípios constitucionais.

Nesta linha, o artigo 37, da Constituição Federal dispõe que são princípios da administração pública a (legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência), além daqueles que estão implícitos e explícitos nos demais segmentos do ordenamento jurídico e devem ser observados como a (razoabilidade e proporcionalidade), por exemplo.

O descumprimento de qualquer ato como exemplo: “critérios de correções irregulares - subjetividade, ausência de pontuação correta, enunciados mal formulados, exigência de conteúdo não previsto no edital, duplicidade interpretativas, erro gramatical e dos padrões estabelecidos pela Língua Portuguesa, exigências aleatórias e ausência de fundamentação”, são considerados atos que violam a legalidade e são passíveis de apreciação pelo Judiciário.

Da conclusão:

Conclui-se que, a Constituição Federal da República prevê a inafastabilidade do Poder Judiciário, logo, todos possuem direito de ação.

No mundo dos concursos públicos, os candidatos não podem ser prejudicados por atos administrativos que ofendem à legalidade e à constitucionalidade.

Dessa forma, diante de atos irregulares em concursos públicos, os indivíduos possuem aparatos processuais e materiais para buscarem a efetivação de seus direitos.

Em ações judiciais que demandam dilação probatória como anulação de atos administrativos (questões objetivas e discursivas) é mais viável a apresentação de ação ordinária para cognição do julgador.

Gabrielle Ferreira Fernandes
Advogada associada ao Escritório Vieira Advocacia, pós-graduada em planejamento tributário e pós-graduanda em Direito Público.

Lindson Rafael Silva
Advogado, diretor do VIA Advocacia, especialista em concursos públicos, professor da Escola Superior de Advocacia.

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