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NLLC: "Ergofobia" e fiscalização dos contratos NLLC

Inspirada na “ergofobia”, metáfora do pecado capital da preguiça, é que a lei 14.201/21 conjugada com as alterações da lei federal 9.784/21 e com a lei de improbidade criou mecanismos de combate à desídia no serviço público.

5/9/2023

A “Ergofobia”, rigorosamente, é uma patologia caracterizada pelo medo de situações relacionadas ao trabalho. Metaforicamente, porém, é aquele procedimento abominável e comum em repartições públicas de “informarem” _ seja qual for o assunto _ que não seria da competência daquele servidor público mas de outro servidor noutro setor; este, por sua vez; também não é o competente e assim sucessivamente até o dia do apocalipse. 

A anedota do mau servidor adquire contornos nazistas quando se tem notícia de servidores do específico setor em omissão escancarada de seus deveres. Servidores da assistência social que dão as costas a idosos para suposta economia de dinheiro público ou servidores da saúde que alegam incompetência para decidir em contratos de manutenção da vida por equipamentos médicos superam imagens dos campos de concentração. 

A “banalização do mal” descrita por Hanna Arendt parece sobreviver mesmo em Estados Democráticos. Desta forma, a “banalização do mal” brota novamente como tiririca numa terra que aparentava estar livre dessa praga. 

Por conta de “argumentos” tais como “sempre foi assim”, ou “não é comigo” é que a legislação foi reformada no sentido de imputar maior responsabilidade no âmbito da escória do serviço do serviço público. Uma minoria, diga-se, mas uma minoria com potencial para arruinar todo o serviço público senão gerações de uma nação. 

Os sintomas desta doença corporativa são de fácil detecção: recusa em formalizar qualquer pedido e preferência pela informalidade típica dos corruptos enrustidos. Outro sintoma é passar os dias procurando culpados por todos os males da humanidade. Acessos de ira e gritos também são comuns já que os irados e os preguiçosos estão no mesmo círculo do inferno descrito por Dante Alighieri. 

Vale lembrar que a lei 9.784/99 é utilizada na imensa maioria dos grotões e acanhadas urbes de civilidade reduzida onde os descalabros são bem mais frequentes.  

A lei federal 9.784/99 (aplicável aos Estados e Municípios nos termos da Súmula 633 do C. STJ), já tinha previsão no sentido da obviedade ululante do dever de decidir. Assim: 

“CAPÍTULO XI 
DO DEVER DE DECIDIR 

Art. 48. A Administração tem o dever de explicitamente emitir decisão nos processos administrativos e sobre solicitações ou reclamações, em matéria de sua competência.” (grifos nossos). 

A regra, porém, nunca foi o suficiente para fulminar hábitos arraigados desde o Brasil Colônia com a confusão entre público e privado descrita por Sergio Buarque de Holanda em sua obra “Raízes do Brasil”. Apenas temas do interesse pessoal do “ergofóbico” são tratados como temas de sua competência. O resto “não é comigo”. 

Para tentar exterminar esse mal imemorial a lei 14.210/21 alterando a lei 9.784/99 prevê a decisão coordenada:  

“Art. 49-A. No âmbito da Administração Pública federal, as decisões administrativas que exijam a participação de 3 (três) ou mais setores, órgãos ou entidades poderão ser tomadas mediante decisão coordenada, sempre que:(Incluído pela lei 14.210, de 21) 

I - for justificável pela relevância da matéria; e (Incluído pela lei  14.210, de 21) 

II - houver discordância que prejudique a celeridade do processo administrativo decisório. (Incluído pela lei 14.210, de 21)” 

Portanto, uma das formas de dar fim ao “jogo de empurra” é a possibilidade de “decisão coordenada”, versão do Direito Administrativo da figura materna que “junta as crianças” que ficam botando a culpa entre si para uma espécie de acareação que retoma lições da infância. 

Claro que bem utilizada será uma aplicação do conceito de “sinergia” comum no setor privado quando a junção de competência é bem mais do que uma simples soma, mas uma multiplicação do potencial de gestão. 

No aspecto específico das licitações a lei 14.210/21 previu a figura da “especificação” ou “corte epistemológico administrativo” da responsabilidade do gestor do contrato administrativo nos seguintes termos: 

“Art. 49-A 

(...) 

§ 6º Não se aplica a decisão coordenada aos processos administrativos:(Incluído pela lei 14.210, de 2021) 

I - de licitação;(Incluído pela lei 14.210, de 2021) 

II - relacionados ao poder sancionador; ou(Incluído pela lei 14.210, de 2021) 

III - em que estejam envolvidas autoridades de Poderes distintos.(Incluído pela lei 14.210, de 2021)” (grifos nossos). 

Ou seja, o jogo de empurra quanto à gestão do contrato administrativo foi fulminado de morte. Exatamente por se tratar de tema com “corte epistemológico administrativo” , ou seja, tema de uma determinada secretaria que gerencia o contrato é que não se admite na lei a “decisão coordenada”.  

Apesar da obviedade ululante, a nova lei estabelece com clareza solar que o contrato administrativo de serviços clínicos é competência da autoridade de Saúde do ente político, o contrato de serviços de engenharia da autoridade de Obras e assim sucessivamente, como determina a racionalidade mais rasteira e elementar. 

As penas e, portanto, a gestão do contrato, são da competência do setor com aderência à matéria do contrato, tal e qual o professor da disciplina é o responsável pelas notas daquela mesma disciplina! 

Assim, prevê o novo Códex Licitatório: 

“Art. 156. Serão aplicadas ao responsável pelas infrações administrativas previstas nesta lei as seguintes sanções: 

I - advertência; 

II - multa; 

III - impedimento de licitar e contratar; 

IV - declaração de inidoneidade para licitar ou contratar. 

§ 6º A sanção estabelecida no inciso IV do caput deste artigo será precedida de análise jurídica e observará as seguintes regras: 

I - quando aplicada por órgão do Poder Executivo, será de competência exclusiva de ministro de Estado, de secretário estadual ou de secretário municipal e, quando aplicada por autarquia ou fundação, será de competência exclusiva da autoridade máxima da entidade;” (grifos nossos). 

O tema fica mais relevante para as licitações e contratos administrativos, já que a referida lei foi sancionada em 30.9.21, cerca de 5 (cinco) meses após o início de vigência na NLLC que é de 01.4.21. 

Como a NLLC teve “vacatio legis opcional” de 2 (dois) anos, prorrogada por mais 8 meses, a referida alteração da “decisão coordenada” e a vedação deste tipo de decisão no caso de imposição da pena de inidoneidade, significa que a responsabilidade é da secretaria específica da matéria do contrato administrativo. 

Há possibilidade de delegação (pelo secretário da pasta) para a imposição de sanções menores (advertência, multas, suspensão) mas a responsabilidade da gestão do contrato continuará sendo do secretario (ou cargo equivalente) da pasta do tema do contrato administrativo. Se tem poder de delegar significa que tem a responsabilidade de gerir o referido contrato. 

No mesmo diapasão sobre a responsabilidade dos secretários das respectivas pastas, prevê a lei de Improbidade: 

“Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão dolosa, que enseje, efetiva e comprovadamente, perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente:

(...) 

XII - permitir, facilitar ou concorrer para que terceiro se enriqueça ilicitamente;” 

A omissão do secretário (ou autoridade equivalente) é uma forma de anuência ao enriquecimento sem causa do licitante vencedor e, portanto, a omissão é uma infração à lei de improbidade. 

Inspirada na “ergofobia”, metáfora do pecado capital da preguiça, é que a lei 14.201/21 conjugada com as alterações da lei federal 9.784/21 e com a lei de improbidade criou mecanismos de combate à desídia no serviço público. 

Resta saber se esse “corte epistemológico administrativo” será o suficiente para coibir as gestões desastrosas famosas em nosso meio político em governos de todos os matizes ideológicos. 

Laércio José Loureiro dos Santos
Laércio José Loureiro dos Santos, é mestre em Direito pela PUCSP, Procurador Municipal e autor do Livro, "Inovações da Nova Lei de Licitações", 2ª Ed. Dialética, 2.023.

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