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O TCESP e as fundações de apoio: violações e inconstitucionalidades ao julgar contas de entidades privadas sem base legal

A solução para a crise atual, seja qual for sua natureza, provavelmente está ligada ao investimento em ciência e tecnologia.

4/9/2023

É importante ressaltar que a Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I) desempenham um papel fundamental no progresso de qualquer país. A geração de riqueza, empregos, renda, bem como o aumento da produtividade e do valor agregado de bens e serviços, estão diretamente ligados ao fortalecimento das atividades de pesquisa e inovação em um país. A ascensão dos países conhecidos como os tigres asiáticos não deixam dúvidas sobre essa estratégia.

Em nosso País e como revelou o documento “Estratégia Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação – 2016 - 2022 – MCTIC”, grande parte da pesquisa no Brasil é conduzida em universidades, especialmente nas instituições públicas. Isso implica que os docentes têm uma participação significativa na produção científica nacional. Em 2014, o país contava com quase 84 mil docentes lecionando em universidades públicas e privadas. Cerca de 60% destes professores estavam vinculados a instituições federais, 27% a instituições estaduais e 13% a instituições particulares. A área das Ciências da Saúde possui o maior número de docentes, e o estado de São Paulo tem a maior concentração, com mais de um quarto dos professores do país.

Portanto, a solução para a crise atual, seja qual for sua natureza, provavelmente está ligada ao investimento em ciência e tecnologia, como bem destaca Luiz Davidovich, físico brasileiro e professor do Instituto de Física da Universidade Federal do Rio de Janeiro: "O Brasil está ficando para trás em comparação com outros países em desenvolvimento, como China, Índia, África do Sul e Rússia, que estão investindo em pesquisa mesmo durante crises".

Nesse contexto, é importante relembrar que as grandes descobertas e avanços realizados por empresas e organizações privas com a OpenAI Incorporated que criou o ChatGPT, entre outras, e os impactos de seus trabalhos na economia e na vida das pessoas em escala global, levando-nos a refletir sobre a profética frase de do Professor Lord Rutherford - Prêmio Nobel de Química em 1908:

A ciência está destinada a desempenhar um papel cada vez mais preponderante na produção industrial. E as nações que deixarem de entender essa lição hão inevitavelmente de ser relegadas à posição de nações escravas: cortadoras de lenha e carregadoras de água para os povos mais esclarecidos”.

Por outro lado, o procedimento arbitrário imposto pelo Tribunal de Contas do Estado de São Paulo – TCESP às Fundações de Apoio indica que seus membros desconhecem essa realidade mundial. Com efeito, as Fundações de Apoio desempenham um papel crucial ao viabilizar, efetuando o gerenciamento administrativo e financeiro dos projetos de pesquisa, ensino e inovação originados nas universidades públicas. Elas atuam, enquanto entidades privadas, como intermediárias, facilitando colaborações com o setor privado, angariando recursos, administrando fundos, contratando pessoal e providenciando a infraestrutura necessária. Isso permite que os pesquisadores concentrem seus esforços na produção de conhecimento e avanços científicos, cabendo, ainda, registrar que essas entidades desempenham suas atividades fundamentadas no o Art. 1º da lei 8.958, de 20/12/1994 e o Art. 2º, VII, da lei 10.973, de 02/12/2004, e no Estado de São Paulo pelo decreto 62.817/27.

O TCE-SP é o único Tribunal de Contas do Brasil que atua na inconstitucionalidade ao julgar contas de entidades privadas.

Importante registrar que a regulamentação das cortes de contas encontra-se estabelecida na Constituição Federal, sobretudo nos artigos 70 a 75, e no que tange ao âmbito  do controle externo, a legislação federal é explícita ao estabelecer que este se aplica aos órgãos e entidades da administração direta e indireta da União, Estados, Distrito Federal e Municípios.

O Supremo Tribunal Federal – STF possui jurisprudência sedimentada desde a promulgação da Carta da República no sentido de que a submissão dos Estados, Distrito Federal e Municípios é compulsória ao modelo federal de fiscalização. Nesse mesmo sentido estabelece a Lei Orgânica do TCESP, consubstanciada na Lei Complementar 709/93, que, no artigo 1º, confere à corte de contas a competência para fiscalizar a julgar as contas dos órgãos e entidades do ESTADO e dos seus MUNICÍPIOS.

É fundamental ressaltar que o processo legislativo é regulado pelo Artigo 59 da Constituição Federal, que engloba a elaboração de emendas à Constituição, leis complementares, leis ordinárias, leis delegadas, medidas provisórias, decretos legislativos e resoluções, e que foi regulamentado pela Lei Complementar 95/98. É no Art. 7º dessa Lei que encontramos a seguinte diretiva para a elaboração das leis no Brasil: "O PRIMEIRO ARTIGO DO TEXTO INDICARÁ O OBJETO DA LEI E O RESPECTIVO ÂMBITO DE APLICAÇÃO".

Pois bem, esse dispositivo legal indica claramente que a Lei Orgânica do TCE-SP não se aplica às entidades privadas, revelando o cenário de que, ao longo das últimas três décadas e meia, o TCE-SP tem analisando e julgado as contas das fundações privadas sem uma base legal, prejudicando o desenvolvimento da política de Ciência, Tecnologia e Inovação (C, T & I) do Estado mais importante do Brasil, ao impor um regime de direito público sobre essas entidades.

Urgentemente, o TCESP precisa se harmonizar com as competências estabelecidas pela Constituição Federal, as quais não podem serem reduzidas ou ampliadas pelos Estados e  tampouco pela próprias Cortes de Contas. Simultaneamente, as Fundações de Apoio devem operar com liberdade de iniciativa, em estreita colaboração com os pesquisadores, adotando práticas transparentes e prestação de contas responsável às universidades e ao Ministério Público que é o órgão constitucionalmente encarregado de fiscalizá-las.

Por outro lado, interpretando outras leis vigentes, podemos concluir que o procedimento do TCE-SP ao exigir informação ou cumprimento de obrigação, inclusive o dever de fazer ou de não fazer, sem expresso amparo legal, caracteriza-se crime de abuso de autoridade, como indica o Artigo 33 da lei 13.869, de 5 de Setembro de 2019, agravado pelo fato de praticar ato de ofício contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal, também configura de crime de prevaricação, à luz do Artigo 319 do Código Penal.

Em última análise, o objetivo primordial deve ser fortalecer a produção científica e inovadora, enquanto se respeitam os princípios de responsabilidade e transparência na gestão dos recursos públicos. Somente por meio da compreensão dos eminentes conselheiros do TCE-SP de que esse órgão precisa se harmonizar com o modelo federal de fiscalização, libertando as Fundações de Apoio. Isso pode ocorrer de forma espontânea por meio de um ato administrativo ou, caso necessário, não restará alternativa senão recorrer ao Poder Judiciário, visando ao benefício de toda a sociedade, pois, inimaginável um órgão técnico-administrativo em plano terceiro milênio, permanecer atuando à margem da constituição e cometendo os crimes de abuso de autoridade e prevaricação. Com a palavra o Senhor Procurador Geral de Justiça do Estado de São Paulo.

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