A Advocacia Pública está presente na Constituição da República Federativa do Brasil como uma das instituições que possuem como objetivo oferecer a todos o direito de acesso à justiça, de maneira que toda a sociedade tenha os seus direitos assegurados.
Junto a ela estão o Ministério Público e a Defensoria Pública.
São as funções essenciais da Justiça os “freios e os contrapesos”. A Teoria da Separação dos Poderes, conhecida, também, como Sistema de Freios e Contrapesos, foi consagrada pelo pensador francês Charles-Louis de Secondat, Baron de La Brède et de Montesquieu, na obra “O Espírito das Leis”, com base nas obras de Aristóteles (Politica) e de John Locke (Segundo Tratado do Governo Civil), no período da Revolução Francesa. É como se cada uma dessas funções, estivesse inserida num contexto que ajusta, controla, amplia e orienta a divisão dos poderes. A aplicação do sistema de freios e contrapesos conteria o abuso dos outros poderes para manter o necessário equilíbrio.
O jurista Diogo de Figueiredo Moreira Neto construiu a concepção da Advocacia em sentido amplo e a subdividiu em três categorias. A advocacia da sociedade, destinada à atuação do Ministério Público (CF, art. 127); advocacia dos hipossuficientes, confiada à atuação da Defensoria Pública (CF, art. 134) e a advocacia de Estado, relativa à representação judicial e consultoria jurídica das pessoas jurídicas de direito público, instrumentalizada pela Advocacia-Geral da União e pelas Procuradorias dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios (CF, arts 131 e 132).
Não se pode pensar em Estado Democrático de Direito sem a presença da Advocacia. Não por acaso a Advocacia teve importante papel na retomada democrática do país, retratada na importância que a Constituição Federal lhe conferiu.
O art. 133 da Carta estabelece que “o advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei”.
O Estatuto da OAB, a lei 8.906/94, traz no seu art. 2º que o advogado é indispensável à administração da justiça e que no seu ministério privado, o advogado presta serviço público e exerce função social.
E no §1º do art. 3º ressalta a presença da advocacia pública: Exercem atividade de advocacia, sujeitando-se ao regime desta lei, além do regime próprio a que se subordinem, os integrantes da Advocacia-Geral da União, da Procuradoria da Fazenda Nacional, da Defensoria Pública e das Procuradorias e Consultorias Jurídicas dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e das respectivas entidades de administração indireta e fundacional.
Todos os atributos e competências que são conferidos à Advocacia Pública determinam a importância de sua missão: seja na defesa da aplicação dos recursos necessários à boa execução das politicas públicas, seja na tarefa de satisfazer as aspirações coletivas de um Estado menos corrupto, seja na defesa da legalidade e da moralidade, seja na defesa judicial do interesse público ou no assessoramento para a construção de estratégias, ou mesmo na garantia de maior estabilidade das políticas públicas.
Nesse contexto, a importância da aprovação do Projeto de Emenda à Constituição (PEC 82), em tramitação na Câmara dos Deputados que altera os arts. 132-A e 135-A e art. 168 da Constituição Federal para reconhecer a autonomia funcional, administrativa e financeira às Advocacia-Geral da União, Procuradoria-Geral Federal, Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, Procuradoria Geral do Banco Central, Procuradorias Estaduais, do Distrito Federal e dos Municípios, além das Procuradorias junto às respectivas autarquias.
Na justificativa do Projeto de Lei, de autoria inicial do hoje Ministro da Justiça e Segurança Pública Flavio Dino, ficou consignado que “a aprovação da nova redação à Seção II do Capítulo das Funções Essenciais à Justiça mostra-se um avanço para o controle prévio da regularidade dos atos administrativos. Por outro lado, a atribuição de autonomia às entidades das esferas estaduais e municipais deriva do Princípio da Simetria”.
Ressaltou ainda que a proposta visa garantir “melhores condições institucionais para que os membros da Advocacia de Estado exerçam suas funções em favor da sociedade”.
Importante transcrever trecho do Parecer da lavra do Deputado Lelo Coimbra, que foi o Relator da PEC/82 e votou pela sua aprovação, quando afirma: “(...) Sendo importante conversor da linguagem política para os espaços jurídicos, por estarem mais próximas da gestão pública, as carreiras da Advocacia Pública também não podem servir de mera instância executora de comandos do Ministério Público, da Defensoria Pública ou demais órgãos de controle externo. Daí porque a inviolabilidade e independência, asseguradas pelo melhor reforço institucional, servem, inclusive, para proteger as inovações defensáveis juridicamente. Evidentemente que, constituindo-se no corpo de advocacia à disposição do Estado e de seus administradores, é instada por essas autoridades a atuar para a implantação, manutenção, garantia, defesa ou mesmo conformação jurídica das políticas públicas legitimamente propostas pelos Poderes constituídos. Contudo, a Advocacia Pública possui também instrumental próprio, derivado de sua competência constitucional, para agir de per si na defesa do patrimônio e interesses públicos. Esse nada modesto espectro de atribuições faz da Advocacia Pública a responsável primeira pela legalidade dos atos e negócios da Administração. É, portanto, um serviço que merece condições orgânicas e gerenciais autônomas no mesmo nível assegurado às demais funções essenciais à Justiça, como forma de equilibrar e racionalizar o sistema jurídico do País e, desse modo, reduzir o custo Brasil. A missão da Advocacia Pública, para ser exercida na extensão e dimensão que lhe confere a Constituição, exige que a sua instituição seja complementada com o atributo próprio às funções essenciais à Justiça e que ainda lhe falta: a necessária autonomia”.
A autonomia trará aos advogados públicos o fortalecimento de suas Procuradorias, a possibilidade de exercer a sua função social de forma proativa, bem como exercer aconselhamento que permita ao Poder Público eliminar os desvios de conduta e a manipulação do sistema, que permitem desvios que lesam os cofres públicos.
Essa mudança de perspectiva fará com que se desenvolva uma verdadeira advocacia pública de Estado, onde seus protagonistas desvincular-se-ão da sombra de serem vistos como Advogados de Governo e poderão exercer suas funções de forma plena e devolver à sociedade um Estado altivo, que tenha como única preocupação a obediência aos ditames da legalidade e da moralidade.
Cabe a essa mesma sociedade, num momento em que as luzes da democracia repousam em serenas nuvens, apoiar a PEC/82, como reconhecimento de que a Advocacia Pública, função essencial da justiça, necessita desse empoderamento, que somente chegará com a aprovação da autonomia.
Afinal, a quem interessa a (não) aprovação da autonomia da Advocacia Pública?
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1 Moreira Neto, Diogo de Figueiredo Curso de direito administrativo: parte introdutória, parte geral e parte especial. 16. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro. Forense, 2014.
2 WOLKMER, Antonio Carlos (Org.). Introdução à história do pensamento político. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.
3 Proposta de Emenda à Constituição nº de 2007. https://www.camara.leg.br/propostas-legislativas
4 PARECER À PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO Nº 82-A, DE 2007. https://www.camara.leg.br/propostas-legislativas