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A natureza jurídica da contribuição para o Senar, conforme o entendimento do STF e do Carf

O precedente do Carf é relevante para que se inicie uma mudança no entendimento do órgão administrativo, aplicando-se o entendimento do STF.

3/9/2023

Com o julgamento no STF do tema 801 da repercussão geral, que entendeu pela constitucionalidade da incidência da contribuição destinada ao Senar sobre a receita bruta relativa à comercialização da produção rural, acabou-se por emergir uma nova questão sobre tal contribuição: a natureza jurídica da contribuição para o Senar.

Esta questão é muito relevante, pois tem reflexo se a contribuição estaria sujeita à imunidade sobre as receitas decorrentes de exportação, prevista no art. 149, §2°, inciso I da CRFB/88; já que, se a contribuição para o Senar tiver natureza jurídica de contribuição social geral, a receita decorrente da exportação será imune; se tiver natureza jurídica de contribuição de interesse de categoria profissional ou econômica, como entende o Senar e a União, a receita decorrente de exportação não estará imune.

A discussão do Tema 801 era relativo à base de cálculo da contribuição, ou seja, a natureza jurídica da contribuição constituiu um obter dictum no julgamento.

Os ministros Dias Toffoli e Fachin externaram o entendimento de que a natureza jurídica da contribuição para o Senar é de contribuição social geral. O Senar e a União, em embargos de declaração, defendem que a natureza jurídica da contribuição é de interesse de categoria profissional ou econômica.

O Carf, ao enfrentar a questão da imunidade da receita de exportação do produtor rural em relação à incidência da contribuição ao Senar, entendeu duas vezes, nos acórdãos 2401-010.241 e 2201-010.532, que a contribuição ao Senar, na comercialização da produção rural com o mercado externo, é devida, não lhe sendo aplicável a imunidade prevista no art. 149 da Constituição da República, por possuir natureza jurídica de contribuição de interesse das categorias profissionais ou econômicas.

Todavia, apenas o acórdão 2201-010.532, com este entendimento, foi prolatado após a decisão do STF no Tema 801.

Na mais recente oportunidade de tratar do tema, o Carf, em seção de julgamento da Quarta Câmara, ao julgar o processo 11060.003427/2009-18, entendeu, fazendo menção ao obter dictum do STF, que a contribuição ao Senar tem natureza jurídica de contribuição social geral, concluindo que “a imunidade das receitas de exportação guarda respeito ao princípio do destino, de índole constitucional, e as contribuições destinadas ao SENAR incidentes sobre a receita da exportação, por força da natureza jurídica adiantada nos votos do Tema 801, devem ser excluídas da base de cálculo do lançamento.”

O ministro Dias Toffoli foi preciso ao entender que a contribuição tem natureza jurídica de contribuição social geral. Em seu voto, o ministro expôs que: “ainda nesse contexto, observe-se que o fato de as atividades realizadas pelo SENAR estarem direcionadas, em boa medida, aos trabalhadores rurais e, nesse sentido, impactarem a categoria dos empregadores rurais não transforma a contribuição em discussão em contribuição do interesse de categoria econômica. Nesse sentido, a relação entre esse tributo e seus efeitos na categoria econômica é apenas reflexa, diferente do que ocorre, por exemplo, com a antiga contribuição (compulsória) sindical patronal. Note-se que a relação entre essa antiga tributação e o interesse da categoria econômica era inequivocamente direta. Afinal, ela era destinada ao sistema sindical dos empregadores, o qual atua no interesse dos empregadores.”

No caso da contribuição social para o Senar, a finalidade é promover o desenvolvimento da aprendizagem rural, oferecendo cursos e treinamentos aos trabalhadores rurais, visando aprimorar suas habilidades e conhecimentos. Dessa forma, fica evidente que a contribuição tem um caráter social e está relacionada ao interesse público.

Ao analisarmos a natureza jurídica da contribuição social para o Senar, podemos afirmar que se trata de uma contribuição social geral, uma vez que possui uma finalidade social ampla, não vinculada exclusivamente ao interesse das categorias profissionais ou econômicas.

A contribuição ao Senar destina-se ao custeio das suas atividades de “organizar, administrar e executar em todo o território nacional o ensino da formação profissional rural e a promoção social do trabalhador rural”. Com essa destinação ampla dos recursos provenientes da contribuição, é evidente que a finalidade primordial da contribuição não consiste em proteger o interesse da categoria dos empregadores rurais, mas sim em conferir recursos especificamente para o ensino profissional e o serviço social direcionados aos trabalhadores rurais.

A primeira turma do STF já enfrentou especificamente essa questão e julgou favoravelmente ao contribuinte, todavia, a decisão não foi proferida com repercussão geral. Trata-se do julgamento do agravo interno no ARE 1.369.122. Veja-se:

DIREITO TRIBUTÁRIO. SEGUNDO AGRAVO INTERNO EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. CONTRIBUIÇÃO AO SENAR. FINALIDADE ABRANGIDA PELA ORDEM SOCIAL. DESTINAÇÃO AO CUSTEIO DE AÇÕES E SERVIÇOS PERTINENTES AO TÍTULO VIII DA CF/1988. NATUREZA DE CONTRIBUIÇÃO SOCIAL GERAL. INCIDÊNCIA QUE NÃO DEVE RECAIR SOBRE AS RECEITAS DECORRENTES DE EXPORTAÇÃO.

1. A instituição da contribuição ao SENAR se destina ao custeio das suas atividades de “organizar, administrar e executar em todo o território nacional o ensino da formação profissional rural e a promoção social do trabalhador rural”. Dessa forma, a finalidade primordial da contribuição não consiste em proteger o interesse da categoria dos empregadores rurais, mas sim em conferir recursos especificamente para o ensino profissional e o serviço social direcionados aos trabalhadores rurais, com vistas ao atendimento dos objetivos do art. 203, III, da Constituição Federal.

2. A contribuição ao SENAR deve ser enquadrada entre as contribuições sociais gerais, vez que instituída com a finalidade de custear ações e serviços pertinentes ao Título VIII da CF/1988 (“Da Ordem Social”).

3. Como consequência, por ser uma contribuição social geral, a referida incidência não deve recair sobre as receitas decorrentes de exportação, sob pena de violação direta ao art. 149, § 2º, I, da Constituição.

4. Inaplicável o art. 85, § 11, do CPC/15, uma vez que não é cabível, na hipótese, condenação em honorários advocatícios (art. 25, lei 12.016/09 e Súmula 512/STF).

5. Agravo interno a que se nega provimento. (ARE 1369122 AgR-segundo, Relator(a): ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 25/4/23, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 02-05-2023 PUBLIC 03-05-23)”

Tendo em vista a repercussão que a matéria tem tomado, é bem provável que o STF tenha que decidir pelo rito da repercussão geral.

O precedente do Carf é relevante para que se inicie uma mudança no entendimento do órgão administrativo, aplicando-se o entendimento do STF, ainda que se tratando de obter dictum no Tema  801, e do julgado específico da primeira turma no ARE 1369122.

Gustavo Leite
Advogado.

André Freitas
Sócio Administrador no escritório Martins Freitas Advogados Associados.

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