O art. 178 do CPC/15, estabelece o seguinte:
“Art. 178. O Ministério Público será intimado para, no prazo de 30 (trinta) dias, intervir como fiscal da ordem jurídica nas hipóteses previstas em lei ou na Constituição Federal e nos processos que envolvam:
I - interesse público ou social;
II - interesse de incapaz;
III - litígios coletivos pela posse de terra rural ou urbana.
Parágrafo único. A participação da Fazenda Pública não configura, por si só, hipótese de intervenção do Ministério Público.”
Por sua vez, nos termos do artigo 279 do CPC/15, a nulidade processual decorrente da ausência de intimação do Ministério Público só deve ser decretada quando sua intervenção como fiscal da ordem jurídica for indispensável.
A antiga Lei de Falência (Decreto-lei 7.661/45) dispunha, em seu art. 210, que o representante do Ministério Público deveria ser ouvido em toda ação proposta pela massa ou contra esta, cabendo-lhe o dever, em qualquer fase do processo, de requerer o que for necessário aos interesses da justiça, tendo o direito, em qualquer tempo, de examinar todos os livros, papéis e atos relativos à falência e à concordata.
No projeto de lei aprovado pelo Congresso Nacional e encaminhado ao Presidente da República para sanção, que viria a se tornar a nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas (lei 11.101/05), a obrigatoriedade da intervenção ministerial estava prevista em seu art. 4º, que estabelecia o seguinte:
“Art. 4º. O representante do Ministério Público intervirá nos processos de recuperação judicial e de falência.
Parágrafo único. Além das disposições previstas nesta Lei, o representante do Ministério Público intervirá em toda ação proposta pela massa falida ou contra esta.”
Contudo, o mencionado dispositivo foi vetado pelo Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva, quando do seu primeiro mandato, com base nos seguintes fundamentos:
“O dispositivo reproduz a atual Lei de Falências – Decreto-lei 7.661, de 21 de junho de 1945, que obriga a intervenção do parquet não apenas no processo falimentar, mas também em todas as ações que envolvam a massa falida, ainda que irrelevantes, e.g. execuções fiscais, ações de cobrança, mesmo as de pequeno valor, reclamatórias trabalhistas etc., sobrecarregando a instituição e reduzindo sua importância institucional.
Importante ressaltar que no autógrafo da nova Lei de Falências enviado ao Presidente da República são previstas hipóteses, absolutamente razoáveis, de intervenção obrigatória do Ministério Público, além daquelas de natureza penal.
[...]
Pode-se destacar que o Ministério Público é intimado da decretação de falência e do deferimento do processamento da recuperação judicial, ficando claro que sua atuação ocorrerá pari passu ao andamento do feito. Ademais, o projeto de lei não afasta as disposições dos arts. 82 e 83 do Código de Processo Civil, os quais prevêem a possibilidade de o Ministério Público intervir em qualquer processo, no qual entenda haver interesse público, e, neste processo específico, requerer o que entender de direito.” (Grifou-se).
Com efeito, constata-se, a toda evidência, que se procurou alcançar solução que, ao mesmo tempo em que não sobrecarregasse a instituição com a obrigatoriedade de intervenção em ações “irrelevantes” (do ponto de vista do interesse público), garantisse a atuação do ente naquelas em que os reflexos da discussão extrapolassem a esfera dos direitos individuais das partes, assegurando-lhe requerer o que entendesse pertinente quando vislumbrada a existência de interesses maiores.
Sobre o tema, oportuno se faz transcrever o escólio do renomado professor Fábio Ulhoa Coelho:
“Pela simples comparação dos dois dispositivos (o da lei anterior e o vetado), percebe-se que uma das mais importantes alterações trazidas pela nova Lei de Falências diz respeito ao papel do Ministério Público nos feitos falimentares. Ele não atua mais em toda ação de que seja parte a massa; não mais tem o dever de se pronunciar em qualquer fase do processo. A inexistência, na lei atual, de uma previsão genérica implica que o Ministério Público só terá participação na falência ou recuperação judicial nas hipóteses especificamente apontadas na lei (por exemplo: arts. 52, V, 99, XIII, 142, § 7º, 154, § 3º etc.).” (COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à Nova Lei de Falências e de Recuperação de Empresas. Ed. Saraiva, 2ª. Edição, p. 29). (Grifou-se).
Com efeito, em razão da ausência de disposição específica na lei 11.101/05 exigindo manifestação do Ministério Público em ações envolvendo empresa em recuperação judicial, é inviável reconhecer a obrigatoriedade de sua intervenção em todas as ações em que empresas em recuperação judicial figurem como parte.
Nesse sentido:
RECURSO ESPECIAL. EMBARGOSÀ EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. EMPRESA EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL. MINISTÉRIO PÚBLICO. INTERVENÇÃO. OBRIGATORIEDADE. AUSÊNCIA. NULIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISIDICIONAL.
NÃO VERIFICAÇÃO.
(...)
2. O propósito recursal é definir se a ausência de intervenção do Ministério Público autoriza o reconhecimento da nulidade dos atos praticados em execução de título extrajudicial onde figura como parte empresa em recuperação judicial.
3. O acórdão recorrido está devidamente fundamentado, não apresentando qualquer dos vícios apontados pela recorrente, de modo que não se pode cogitar de violação ao art. 1.022 do CPC/15.
4. De acordo com o art. 279 do CPC/15, a nulidade decorrente de ausência de intimação do Ministério Público deve ser decretada apenas quando sua intervenção como fiscal da ordem jurídica seja imprescindível.
5. A Lei de Falência e Recuperação de Empresas não exige a atuação obrigatória do Ministério Público em todas as ações em que empresas em recuperação judicial figurem como parte.
6. Hipótese concreta em que se verifica a ausência de interesse público apto a justificar a intervenção ministerial, na medida em que a ação em que a recuperanda figura como parte constitui processo marcado pela contraposição de interesses de índole predominantemente privada, versando sobre direitos disponíveis, sem repercussão relevante na ordem econômica ou social.
7. A anulação da sentença por ausência de intervenção do Ministério Público, na espécie, somente seria justificável se ficasse caracterizado efetivo prejuízo às partes, circunstância que sequer foi aventada nas manifestações que se seguiram à decisão tornada sem efeito pela Corte de origem.
RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE CONHECIDO E PROVIDO.” (REsp n. 1765288/SP, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 18/8/20, DJe de 26/08/20).
E mais:
“RECURSO ESPECIAL. PROPRIEDADE INDUSTRIAL. MARCA E TRADE DRESS. CONCORRÊNCIA DESLEAL. EMPRESA EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL. MINISTÉRIO PÚBLICO. INTERVENÇÃO. OBRIGATORIEDADE. AUSÊNCIA. NULIDADE. NÃO OCORRÊNCIA.
1. Ação ajuizada em 15/12/2010. Recurso especial interposto em 17/3/15 e atribuído ao Gabinete em 25/8/16.
2. O propósito recursal é definir se a ausência de intervenção do Ministério Público no primeiro grau de jurisdição autoriza o reconhecimento da nulidade dos atos praticados em ação onde figura como parte empresa em recuperação judicial.
3. De acordo com o art. 84 do CPC/73, a nulidade decorrente de ausência de intimação do Ministério Público para manifestação nos autos deve ser decretada quando a lei considerar obrigatória sua intervenção.
4. A Lei de Falência e Recuperação de Empresas não exige a atuação obrigatória do Ministério Público em todas as ações em que empresas em recuperação judicial figurem como parte.
5. Hipótese concreta em que se verifica a ausência de interesse público apto a justificar a intervenção ministerial, na medida em que a ação em que a recuperanda figura como parte constitui processo marcado pela contraposição de interesses de índole predominantemente privada, versando sobre direitos disponíveis, sem repercussão relevante na ordem econômica ou social.
6. A anulação da sentença por ausência de intervenção do Ministério Público, na espécie, somente seria justificável se ficasse caracterizado efetivo prejuízo às partes, circunstância que sequer foi aventada por elas nas manifestações que se seguiram à decisão tornada sem efeito pela Corte de origem.
7. Recurso especial provido.”
(REsp n. 1.536.550/RJ, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 8/5/18, DJe de 11/5/18).
No precedente acima transcrito, consta no voto condutor que “é interessante consignar que o próprio art. 4º, caso estive em vigor, não constituiria dispositivo legal apto a ensejar o reconhecimento da necessidade de atuação do MP na espécie, na medida em que não previa sua intervenção em ações proposta pela recuperanda ou contra ela – hipótese dos autos –, exigindo sua participação tão somente no curso do próprio processo de recuperação judicial”.
Vê-se, portanto, que a lei 11.101/05 apenas exige a intervenção do Ministério Público nos seguintes dispositivos:
“Art. 22. Ao administrador judicial compete, sob a fiscalização do juiz e do Comitê, além de outros deveres que esta Lei lhe impõe:
(...)
§ 4º Se o relatório de que trata a alínea e do inciso III do caput deste artigo apontar responsabilidade penal de qualquer dos envolvidos, o Ministério Público será intimado para tomar conhecimento de seu teor.”
“Art. 45. Nas deliberações sobre o plano de recuperação judicial, todas as classes de credores referidas no art. 41 desta Lei deverão aprovar a proposta.
(...)
§ 4º As deliberações no formato previsto neste artigo serão fiscalizadas pelo administrador judicial, que emitirá parecer sobre sua regularidade, com oitiva do Ministério Público, previamente à sua homologação judicial, independentemente da concessão ou não da recuperação judicial.”
“Art. 52. Estando em termos a documentação exigida no art. 51 desta Lei, o juiz deferirá o processamento da recuperação judicial e, no mesmo ato:
(...)
V - ordenará a intimação eletrônica do Ministério Público e das Fazendas Públicas federal e de todos os Estados, Distrito Federal e Municípios em que o devedor tiver estabelecimento, a fim de que tomem conhecimento da recuperação judicial e informem eventuais créditos perante o devedor, para divulgação aos demais interessados.”
“Art. 58. Cumpridas as exigências desta Lei, o juiz concederá a recuperação judicial do devedor cujo plano não tenha sofrido objeção de credor nos termos do art. 55 desta Lei ou tenha sido aprovado pela assembleia-geral de credores na forma dos arts. 45 ou 56-A desta Lei.
(..)
§ 3º Da decisão que conceder a recuperação judicial serão intimados eletronicamente o Ministério Público e as Fazendas Públicas federal e de todos os Estados, Distrito Federal e Municípios em que o devedor tiver estabelecimento.”
“Art. 99. A sentença que decretar a falência do devedor, dentre outras determinações:
(...)
XIII - ordenará a intimação eletrônica, nos termos da legislação vigente e respeitadas as prerrogativas funcionais, respectivamente, do Ministério Público e das Fazendas Públicas federal e de todos os Estados, Distrito Federal e Municípios em que o devedor tiver estabelecimento, para que tomem conhecimento da falência.”
“Art. 114-A. Se não forem encontrados bens para serem arrecadados, ou se os arrecadados forem insuficientes para as despesas do processo, o administrador judicial informará imediatamente esse fato ao juiz, que, ouvido o representante do Ministério Público, fixará, por meio de edital, o prazo de 10 (dez) dias para os interessados se manifestarem.”
“Art. 142. A alienação de bens dar-se-á por uma das seguintes modalidades:
(...)
§ 7º Em qualquer modalidade de alienação, o Ministério Público e as Fazendas Públicas serão intimados por meio eletrônico, nos termos da legislação vigente e respeitadas as respectivas prerrogativas funcionais, sob pena de nulidade.”
Art. 154. Concluída a realização de todo o ativo, e distribuído o produto entre os credores, o administrador judicial apresentará suas contas ao juiz no prazo de 30 (trinta) dias.
(...)
§ 3º Decorrido o prazo do aviso e realizadas as diligências necessárias à apuração dos fatos, o juiz intimará o Ministério Público para manifestar-se no prazo de 5 (cinco) dias, findo o qual o administrador judicial será ouvido se houver impugnação ou parecer contrário do Ministério Público.”
“Art. 159. Configurada qualquer das hipóteses do art. 158 desta Lei, o falido poderá requerer ao juízo da falência que suas obrigações sejam declaradas extintas por sentença.
(...)
§ 1º A secretaria do juízo fará publicar imediatamente informação sobre a apresentação do requerimento a que se refere este artigo, e, no prazo comum de 5 (cinco) dias, qualquer credor, o administrador judicial e o Ministério Público poderão manifestar-se exclusivamente para apontar inconsistências formais e objetivas.”
“Art. 167-A. Este Capítulo disciplina a insolvência transnacional, com o objetivo de proporcionar mecanismos efetivos para:
(...)
§ 5º O Ministério Público intervirá nos processos de que trata este Capítulo.”
“Art. 187. Intimado da sentença que decreta a falência ou concede a recuperação judicial, o Ministério Público, verificando a ocorrência de qualquer crime previsto nesta Lei, promoverá imediatamente a competente ação penal ou, se entender necessário, requisitará a abertura de inquérito policial.
§ 1º O prazo para oferecimento da denúncia regula-se pelo art. 46 do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de Processo Penal, salvo se o Ministério Público, estando o réu solto ou afiançado, decidir aguardar a apresentação da exposição circunstanciada de que trata o art. 186 desta Lei, devendo, em seguida, oferecer a denúncia em 15 (quinze) dias.
§ 2º Em qualquer fase processual, surgindo indícios da prática dos crimes previstos nesta Lei, o juiz da falência ou da recuperação judicial ou da recuperação extrajudicial cientificará o Ministério Público.”
Com efeito, fora dessas hipóteses previstas na lei 11.101/05, a intervenção do Ministério Público não é obrigatória.
Em suma: doutrina e jurisprudência (do STJ) convergem no sentido de não caber a intervenção do Ministério Público em todas as ações em que empresas em recuperação judicial figurem como parte.