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MiCAR: principais aspectos da regulamentação de criptoativos na UE

Recentemente, a União Europeia adotou a MiCAR (Regulamentação dos Mercados de Criptoativos), uma medida significativa que visa estabelecer um quadro regulatório abrangente para o mercado de criptoativos.

29/8/2023

Contexto

Em Abril, o Parlamento Europeu aprovou a MiCAR (Regulamentação dos Mercados de Criptoativos), que estabelecerá uma estrutura regulatória para o mercado de criptoativos europeu¹. Essa reguamentacao visa criar um ambiente mais seguro e transparente para investidores, consumidores e empresas que operam no setor de criptoativos na Europa.

A MiCAR surge em um momento crucial, onde o crescimento exponencial dos criptoativos e a diversidade de produtos financeiros associados a eles têm levantado preocupações sobre a proteção do consumidor, a integridade do mercado e os riscos potenciais para a estabilidade financeira. Com a adoção desta regulamentação, a União Europeia busca estabelecer padrões claros e uniformes para todos os estados membros, evitando assim a fragmentação regulatória e garantindo um campo de atuação equilibrado.

Antes da implementação da MiCAR, foi realizado um "Impact Assessment" (Avaliação de Impacto) pelo Parlamento Europeu e outras entidades relevantes². Esta avaliação é uma ferramenta essencial no processo de formulação de políticas, pois permite aos legisladores entender as possíveis consequências e implicações de uma proposta regulatória antes de sua adoção.

O "Impact Assessment" analisou uma série de cenários e considerou diferentes perspectivas, incluindo as de investidores, consumidores, empresas de tecnologia financeira e autoridades reguladoras. O objetivo era identificar os possíveis benefícios, riscos e desafios associados à regulamentação dos mercados de criptoativos e determinar a melhor abordagem para alcançar os objetivos desejados³.

Dentre os pontos abordados na avaliação, estavam questões como a proteção do consumidor, a integridade do mercado, a prevenção de atividades ilícitas e a promoção da inovação tecnológica. Também foram considerados os impactos econômicos, sociais e ambientais da regulamentação4.

Dessa forma, após uma análise aprofundada e considerando os resultados do "Impact Assessment", foi proposta a MiCA (Regulamentação dos Mercados de Criptoativos). Inicialmente, a regulamentação foi referida como "MiCA" porque ainda não havia sido aprovada e estava em sua fase de proposta. Durante esse período, a MiCA passou por várias revisões, debates e consultas públicas, permitindo que stakeholders e especialistas do setor dessem seus feedbacks e contribuições5.

A nomenclatura "MiCA" foi adotada como uma abreviação provisória, refletindo sua natureza de proposta e o fato de que ainda estava sujeita a alterações e ajustes. Durante o processo de revisão, muitos aspectos da proposta original foram debatidos, incluindo questões relacionadas à proteção do consumidor, supervisão de provedores de serviços de criptoativos, e medidas para prevenir a lavagem de dinheiro e o financiamento do terrorismo.

Após um extenso processo de revisão e consulta, a MiCA foi finalmente apresentada para aprovação. Uma vez aprovada, a nomenclatura "MiCAR" (Regulamentação dos Mercados de Criptoativos) foi adotada oficialmente, sinalizando sua transição de uma proposta para uma regulamentação formalmente reconhecida pela União Europeia.

Escopo da Regulação

O escopo da MiCAR, estabelecido no Artigo 2, delineia claramente as entidades e atividades no universo dos criptoativos que estão sob a alçada desta regulamentação. Ao analisar o texto, percebe-se uma tentativa deliberada de criar um equilíbrio entre a proteção do mercado e dos investidores e a promoção da inovação no setor6.

O parágrafo 1 do Artigo 2 estende a aplicabilidade da MiCAR a pessoas naturais e jurídicas, bem como a outras empresas que operam no espaço de criptoativos. Isso sugere uma abordagem inclusiva, onde não apenas grandes corporações, mas também indivíduos e startups que atuam no setor, estão sujeitos à regulamentação. A menção a atividades como emissão, oferta ao público e admissão à negociação de criptoativos, bem como a prestação de serviços relacionados, indica uma tentativa de abranger todos os aspectos cruciais do ecossistema de criptoativos7.

Por outro lado, o parágrafo 3 introduz uma exclusão notável, especificamente para criptoativos que são únicos e não fungíveis. Esta é claramente uma referência aos Tokens Não Fungíveis (NFTs). Ao excluir NFTs, a MiCAR reconhece a natureza distinta e única destes ativos em comparação com outros criptoativos. Isso pode ser interpretado como um reconhecimento de que os NFTs apresentam desafios e riscos diferentes e, portanto, podem necessitar de uma abordagem regulatória distinta no futuro8.

Portanto, o Artigo 2 da MiCAR reflete uma abordagem ponderada e bem pensada para a regulamentação dos criptoativos. Ao estabelecer claramente seu escopo, a MiCAR busca garantir a integridade do mercado e a proteção dos investidores, ao mesmo tempo em que deixa espaço para a inovação e o crescimento contínuo do setor.

Classificação de criptoativos e serviços

A MiCAR introduz classificações específicas que são fundamentais para entender o escopo e a aplicação da regulamentação. Estas classificações garantem que cada tipo de ativo e entidade seja tratado de acordo com suas características e riscos específicos.

Os Asset-Referenced Tokens, conhecidos como ARTs, são tokens que têm um valor atrelado a um ou mais ativos, moedas ou índices de referência. Eles são projetados para manter um valor estável e são frequentemente comparados às stablecoins. No entanto, a definição de ARTs é mais ampla e pode abranger uma variedade de tokens atrelados a diferentes tipos de referências9.

Por outro lado, os E-Money Tokens (EMTs) são uma forma específica de criptoativos que representam uma reivindicação sobre o emissor. Eles são equivalentes eletrônicos de dinheiro e são atrelados a uma moeda fiduciária de forma 1:1, sendo projetados para serem usados para pagamentos e possuindo características semelhantes ao dinheiro eletrônico tradicional10.

A classificação dos ARTs (Asset-Referenced Tokens) e EMTs (E-Money Tokens) pela MiCAR tem implicações diretas e significativas para as stablecoins, que têm se tornado cada vez mais populares no mercado de criptoativos. A distinção entre ARTs e EMTs para stablecoins é crucial porque determina o conjunto de regras e regulamentações a que cada tipo de stablecoin estará sujeito. Isso pode afetar a forma como as stablecoins são emitidas, comercializadas e utilizadas na União Europeia.

Além dos criptoativos, a MiCAR também define os Crypto-Asset Service Providers (CASPs) como entidades que fornecem serviços relacionados a criptoativos. Isso pode abranger uma variedade de serviços, desde custódia e troca até aconselhamento e emissão de criptoativos. A regulamentação estabelece regras específicas para CASPs, garantindo que operem de forma transparente e segura11.

Por fim, a MiCAR também reconhece uma categoria que abrange todos os outros criptoativos que não se enquadram nas definições de ARTs ou EMTs12. Isso pode incluir criptomoedas tradicionais, tokens de utilidade e outros tipos de tokens com características e usos distintos. Ao fornecer essa clareza e certeza, a MiCAR permite que investidores, consumidores e provedores de serviços compreendam melhor seus direitos e obrigações sob a regulamentação.

Conclusão

A MiCAR representa um marco significativo na evolução do mercado de criptoativos na União Europeia. Ao estabelecer diretrizes claras e abrangentes, a regulamentação busca criar um ambiente mais seguro, transparente e inovador para todos os participantes do mercado. A inclusão de classificações específicas para diferentes tipos de criptoativos e prestadores de serviços demonstra o compromisso da UE em abordar a complexidade e a diversidade do setor.

Ao mesmo tempo, a MiCAR reconhece e valoriza a inovação, garantindo que a regulamentação não sufoque o potencial transformador dos criptoativos. A abordagem equilibrada adotada pela MiCAR, que combina proteção ao consumidor, integridade do mercado e promoção da inovação, posiciona a União Europeia como líder na governança e regulamentação do espaço de criptoativos.

Por último, a MiCAR estabelece um precedente para outras jurisdições ao redor do mundo. Ao adotar uma abordagem holística e bem fundamentada, a União Europeia não só está moldando o futuro do mercado de criptoativos dentro de suas fronteiras, mas também está estabelecendo um padrão que outros países podem considerar ao desenvolver suas próprias regulamentações. À medida que o setor de criptoativos continua a crescer e evoluir, a MiCAR será vista como um marco na jornada de integração responsável dos criptoativos no sistema financeiro global.

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1 Crypto-assets (europa.eu)

2 EUROPEAN COMMISSION - SWD(2020) 380 final - Impact Assessment - Accompanying the document Proposal for a Regulation of the European Parliament and of the Council on Markets in Crypto-assets and amending Directive (EU) 2019/1937

3 Ibid.

4 Ibid.

5 Proposal for a Regulation of the European Parliament and of the Council on Markets in Crypto-assets, and amending Directive (EU) 2019/1937

6 Regulation (Eu) 2023/1114 - Article 2 – Scope - 1.   This Regulation applies to natural and legal persons and certain other undertakings that are engaged in the issuance, offer to the public and admission to trading of crypto-assets or that provide services related to crypto-assets in the Union.

7 Ibid.

8 Regulation (Eu) 2023/1114 - Article 2 – Scope - 3.   This Regulation does not apply to crypto-assets that are unique and not fungible with other crypto-assets.

9 Regulation (Eu) 2023/1114 - Article 3 - Definitions - 1.   For the purposes of this Regulation, the following definitions apply: - (6) ‘asset-referenced token’ means a type of crypto-asset that is not an electronic money token and that purports to maintain a stable value by referencing another value or right or a combination thereof, including one or more official currencies;

10 Regulation (Eu) 2023/1114 - Article 3 - Definitions - 1.   For the purposes of this Regulation, the following definitions apply: - (7) ‘electronic money token’ or ‘e-money token’ means a type of crypto-asset that purports to maintain a stable value by referencing the value of one official currency;

11 Regulation (Eu) 2023/1114 - Article 3 - Definitions - 1.   For the purposes of this Regulation, the following definitions apply: - (16) ‘crypto-asset service’ means any of the following services and activities relating to any crypto-asset: (a) providing custody and administration of crypto-assets on behalf of clients; (b) operation of a trading platform for crypto-assets; (c) exchange of crypto-assets for funds; (d) exchange of crypto-assets for other crypto-assets; (e) execution of orders for crypto-assets on behalf of clients; (f) placing of crypto-assets; (g) reception and transmission of orders for crypto-assets on behalf of clients; (h) providing advice on crypto-assets; (i) providing portfolio management on crypto-assets; (j) providing transfer services for crypto-assets on behalf of clients;

12 Regulation (Eu) 2023/1114 – Recital (18) - This Regulation classifies crypto-assets into three types, which should be distinguished from one another and subject to different requirements depending on the risks they entail...Finally, the third type consists of crypto-assets other than asset-referenced tokens and e-money tokens, and covers a wide variety of crypto-assets, including utility tokens.

Pedro Vitor Serodio de Abreu
Mestrando em Direito Internacional e Europeu pela Universität des Saarlandes. Especialista em Direito Econômico Europeu, Comércio Exterior e Investimento. Legal Assistant na MarketVector Indexes.

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