Migalhas de Peso

Estratégia na execução de alimentos: Cumulação de ritos

A defesa da viabilidade da cumulação de ritos, agora respaldada pelo STJ, zela pela efetividade da prestação jurisdicional, permitindo a cumulação da coerção pessoal e coerção patrimonial.

29/8/2023

Este breve artigo tem como objetivo abordar um tema muito relevante para profissionais e interessados pelo Direito das Famílias: a possibilidade, ou não, de cumulação de ritos (procedimentos) na execução de alimentos.

Primeiramente, é importante ressaltar que a execução de alimentos (ou cumprimento de sentença) pode seguir duas maneiras (meios). 

A primeira possibilidade é a execução pela expropriação patrimonial, na qual busca-se o pagamento dos alimentos pretéritos por meio do ataque ao patrimônio do devedor; trata-se de uma modalidade de execução direta (ou por sub-rogação).

Por outro lado, a segunda maneira é a execução pelo rito da prisão, que busca o pagamento dos três últimos meses anteriores à propositura da demanda, bem como aqueles que se vencerem durante seu curso; trata-se de execução indireta ou por meio de coerção pessoal

É fato que ambas as medidas visam tão somente um mesmo fim: garantir que o devedor de alimentos pague com o valor devido reconhecido em um título executivo. Com observância às determinações contidas nas decisões judiciais, vê-se que não é facilmente aceita a cumulação dos ritos, o que gera uma reutilização do Poder Judiciário e, em muitas oportunidades, a ineficácia da tutela jurisdicional.

A questão jurídica controversa diz respeito, então, à possibilidade ou não de cumulação dos ritos, sendo certo que há duas posições sobre o assunto: a que autoriza a cumulação, e a que veda a utilização conjunta dos meios de coercitivos.

A primeira, defende que há flexibilidade procedimental, com a incidência de princípios como economia, celeridade e efetividade, bem como que a medida visa prestigiar o alimentando, devendo ser-lhe facultado cumular ou não os ritos. A segunda, baseia-se no fato de que a cumulação poderá causar tumulto processual, e se pauta em expressa vedação contida no art. 780 do CPC, considerando a diversidade procedimental.

O STJ, ao julgar o RE 1.930.593/MG1, em agosto de 2022, entendeu pela possibilidade da cumulação de técnicas executivas: coerção pessoal (prisão) e coerção patrimonial (penhora), desde que não haja prejuízo ao devedor e não ocorra tumulto processual.

Este julgado, ainda que sem força vinculante, inova dentro do Direito das Famílias no sentido de que traz nova perspectiva para aqueles que, a depender do Tribunal de atuação – uma vez que, dependendo do Estado da Federação, a cumulação dos ritos já era aceita –, poderão se utilizar do entendimento da 4ª turma do STJ para fazer valer a possibilidade de que ocorra a cumulação de ritos.

Cada caso precisa ser analisado pelo magistrado responsável, uma vez que suas particularidades devem ser consideradas para beneficiar não apenas o exequente, mas também garantir a efetividade das medidas de forma justa ao devedor. Este não deve ser submetido a cobranças vexatórias e tampouco incorrer em prejuízo, seja em relação aos valores ou ao exercício legítimo da defesa diante da possibilidade de tumulto processual.

Além disso, o mencionado entendimento traz uma sugestão relevante: recomenda que o credor/exequente detalhe em um tópico próprio sua preferência procedimental e que, ao ser redigido o mandado de citação/intimação pelo Judiciário, inclua as diversas consequências relacionadas a cada medida.

Para fundamentar seu voto, o eminente relator ministro Salomão argumentou que, na realidade, não se pode presumir o prejuízo nem pressupor que ocorrerá tumulto nos autos devido à cumulação. Ele enfatizou a necessidade de uma ampla utilização de técnicas para concretizar as normas fundamentais, considerando que o novo diploma processual adotou a flexibilização procedimental.

A cumulação dos ritos, já amplamente defendida pela doutrina especializada, busca especialmente a efetividade da prestação jurisdicional e a economia processual, tendo um impacto direto não apenas no Poder Judiciário, mas também nos exequentes/alimentandos. Estes últimos buscam diariamente o cumprimento da obrigação e, em determinadas situações, encontram-se à mercê de decisões que, devido ao grande número de processos distribuídos diariamente e à lacuna nos Tribunais, se tornam demoradas, resultando frequentemente na não realização do objetivo pretendido.

Não se pode negligenciar que a natureza da prestação alimentícia carrega um valor que transcende o aspecto financeiro, uma vez que tem o propósito de proteger a vida, saúde e dignidade do alimentando. A evolução doutrinária e jurisprudencial, ao chegar ao STJ, o Tribunal da Cidadania, alivia o fardo diário daqueles que, em muitos casos, são vulneráveis desde a concepção, no sentido mais amplo.

Portanto, a defesa da viabilidade da cumulação de ritos, agora respaldada pelo STJ, zela pela efetividade da prestação jurisdicional, permitindo a cumulação da coerção pessoal e coerção patrimonial, desde que o devedor não sofra prejuízo e não haja tumulto processual. É essencial realizar uma análise individualizada para a adequada aplicação do entendimento que permite a cumulação.

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1 Veja-se parte do voto do Ministro Relator Luis Felipe Salomão:

(…) A matéria em discussão não é nova e possui grande repercussão social, já tendo sido objeto de embates no âmbito do CPC/1973, divergência que se mantém em relação ao CPC/2015, conforme se constata de julgados dos Tribunais de Justiça de todo o País, inclusive interna corporis, com destaque para esse período da pandemia da covid-19, que acabou trazendo, mais fortemente, a controvérsia sobre cumulação e conversão de ritos em razão da vedação, por certo período de tempo, da prisão civil do devedor de alimentos. (…).

(…) Dessarte, em razão da flexibilidade procedimental de nosso sistema processual e da relevância do bem jurídico tutelado em questão, penso que se deve adotar um posicionamento conciliatório entre as correntes divergentes, conferindo-se concretude à opção procedimental do credor de alimentos, sem se descuidar de eventual infortúnio prático a ser sopesado no caso em concreto, trazendo adequação e efetividade à tutela jurisdicional, tendo sempre como norte a dignidade da pessoa do credor necessitado. (…)

Assim, em regra, penso que é cabível a cumulação das medidas executivas da coerção pessoal e da expropriação no âmbito do mesmo procedimento executivo, desde que não haja prejuízo ao devedor (a ser devidamente comprovado por ele) nem ocorra nenhum tumulto processual, ambos a serem avaliados pelo magistrado no caso concreto. Por outro lado, é recomendável que o credor especifique, em tópico próprio, a sua pretensão ritual em relação a eles, assim como o mandado de citação/intimação deverá prever as diferentes consequências de acordo com as diferentes prestações. A defesa do requerido, por sua vez, poderá dar-se em tópicos ou separadamente, com a justificação em relação às prestações atuais e com a impugnação ou os embargos a serem opostos às prestações pretéritas. Apenas se houver demonstração de algum prejuízo pelo devedor ou se o magistrado vislumbrar a ocorrência de tumulto processual em detrimento da prestação jurisdicional é que se determinará a cisão do feito, com o apensamento em apartado de um dos requerimentos. A delimitação do alcance de cada pedido é apta a afastar, em tese, algum embaraço processual, cindindo-se o feito diante das técnicas executivas pleiteadas de forma a permitir que a parte adversa tenha conhecimento do que e de como se defender. Tal solução atende, a um só tempo, os princípios da celeridade, da economia, da eficiência e da proporcionalidade, atendendo aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana, nos termos exigidos pelo art. 8º do CPC, prestigiando o alimentando na busca pelo recebimento do seu crédito alimentar (indispensável à sua sobrevivência), exatamente o ser vulnerável a quem o procedimento executivo visa socorrer. (…).

João Bosco Won Held Gonçalves de Freitas Filho
Professor de Direito e advogado do escritório João Bosco Filho Advogados.

Giselly Silva Caetano
Advogada e sócia do escritório João Bosco Filho Advogados.

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