Migalhas de Peso

As varas empresariais em SP e o atendimento de seus objetivos no âmbito da propriedade industrial

Os resultados com a especialização em propriedade industrial da primeira instância do Poder Judiciário paulista.

24/8/2023

A maneira, o tempo e o custo com que são resolvidos litígios empresariais são fatores certamente determinantes para que players do mercado internacional decidam ou não investirem em um país. Tanto é assim que o relatório “Doing Business”1, do World Bank Group, considera tais elementos para a classificação das economias dos países. De tal maneira, a especialização do Poder Judiciário, inclusive no âmbito empresarial, é uma necessidade que extrapola as necessidades dos operadores do Direito, visto que é um benefício para a própria sociedade brasileira.

Precisamente por isso que com a promulgação da Lei de Falências e Recuperação Judicial, em 2005, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (“TJ/SP”) criou as primeiras varas especializadas, as 1ª, 2ª e 3ª Varas de Falências e Recuperações Judiciais, com competência para processar, julgar e executar os feitos relativos à falência, recuperação judicial e extrajudicial, principais, acessórios e seus incidentes2.

Dando continuidade ao processo de especialização, foram criadas, em 2011, as 1ª e 2ª Câmaras Reservadas de Direito Empresarial, formando o “Grupo de Câmaras Reservadas de Direito Empresarial”3 e, apenas em 2016, inclusive com respaldo em estudo jurimétrico4, foram criadas as 1ª, 2ª e 3ª Varas Empresariais e de Conflitos Relacionados à Arbitragem da Comarca da Capital5, com competência para as ações principais, acessórias e conexas, relativas à matéria prevista no Livro II, Parte Especial, do Código Civil (arts. 966 a 1.195) e na lei 6.404/76 (sociedades anônimas), bem como para Propriedade Industrial e concorrência desleal, tratadas na lei 9.279/96, para franquia (Lei 8.955/94) e para as ações decorrentes da Lei de Arbitragem (Lei 9.307/96)6, cessando, em relação às últimas, a competência das 1ª, 2ª e 3ª Varas de Falências e Recuperações Judiciais com relação a tais matérias. 

Diante do sucesso das especializações adotadas, em 2019, o TJ/SP criou e implementou as 1ª e 2ª Varas Regionais Empresariais e de Conflitos Relacionados à Arbitragem para a 1ª Região Administrativa Judiciária (1ª RAJ)7. Já em 2022, o TJSP anunciou a criação de mais quatro novas Varas Regionais Empresariais, as quais, até o momento, não foram instaladas. 

Feitos esses primeiros esclarecimentos, necessário elucidar quais seriam os objetivos almejados com a criação dessas Varas e Câmaras especializadas. Nos parece claro que seriam três os principais objetivos da especialização judiciária, quais sejam: (i) a melhoria na qualidade das decisões, ou seja, decisões mais bem fundamentadas e mais assertivas, uma vez que o julgador conheceria a fundo a matéria ali tratada; (ii) por consequência, a melhora na previsibilidade dos julgamentos e uniformização da jurisprudência; e (iii) também a celeridade processual, consubstanciado no princípio constitucional da duração razoável do processo, na medida em que o magistrado especializado é capaz de solucionar a causa em menor tempo se comparado a um magistrado que julga litígios de diversos temas.

Assim, com o intuito de verificar se os objetivos pretendidos estão sendo alcançados nos processos envolvendo questões relacionadas a Propriedade Industrial, é necessário analisar (i) o tempo de tramitação médio desses processos, (ii) a qualidade das decisões e (iii) se, de fato, há uma maior previsibilidade nos julgamentos.

Em recente evento realizado pela Fundação Getúlio Vargas de São Paulo8, foi apresentado o levantamento realizado pela Mestre Ana Paula Ribeiro Nani9, por meio do qual é possível perceber que, considerando as quatro Varas Empresariais do TJ/SP, os processos relacionados à Propriedade Industrial e proteção de dados possuem a segunda maior quantidade de processos, cerca 1.938, ocupando 23% da agenda dos julgadores, ficando atrás apenas de processos relacionados à temas societários, os quais possuem 3.076 processos, o que corresponde a 37% da agenda. 

Além disso, a partir do referido levantamento, verificamos que assuntos relacionados à marca e à Propriedade Industrial ficam em segundo e quinto lugar, respectivamente, no ranking de assuntos com mais quantidade de processos, nas 1ª e 2ª Varas Empresariais e de Conflitos Relacionados à Arbitragem da Comarca da Capital. 

Dessa forma, considerando o volume, a complexidade e a relevância dos processos envolvendo Propriedade Industrial nas Varas Empresariais do TJ/SP, podemos dizer que houve melhora, mesmo que leve, no tempo médio desses processos que, segundo o levantamento, atualmente é de 294,2 dias, do ajuizamento da ação até a prolação da sentença. 

Com relação à qualidade das decisões e previsibilidade dos julgamentos, utilizaremos o mesmo trabalho anteriormente citado que, apesar de não tratar apenas de processos relacionados à Propriedade Industrial, reuniu esses dados através da realização de entrevistas, coletando as percepções dos advogados, magistrados e servidores que atuam nas Varas Empresariais do TJSP. 

A maioria dos advogados, todos entrevistados por meio de survey, indicaram que houve melhora na qualidade e na previsibilidade das decisões, bem como no acesso aos magistrados. Por outro lado, sinalizam que ainda há morosidade no trâmite processual e o “engessamento” do entendimento em matéria empresarial.

Ainda, quando questionados a respeito do aprimoramento da prestação jurisdicional em matéria empresarial, mais da metade dos advogados entrevistados apontaram que “aprimorou muito”.

No mesmo sentido, todos os magistrados entrevistados afirmaram que a especialização das Varas em matéria empresarial aprimorou, em termos gerais, a prestação jurisdicional nesta matéria. Em relação aos pontos positivos, os magistrados destacaram a qualidade técnica, a segurança jurídica, a celeridade, a previsibilidade e uniformização dos julgamentos.

Os magistrados, por sua vez, apontam como pontos negativos o aumento na quantidade de processos destinados às Varas Empresariais, sem que haja a ampliação na estrutura interna do tribunal, bem como a falta de qualificação dos profissionais e a falta de incentivos por parte do Tribunal para especializar seus servidores na matéria empresarial.

Com base nos dados apresentados no levantamento realizado na tese de mestrado, concluímos que, no âmbito da Propriedade Industrial, as Varas Empresariais do TJ/SP estão atingindo, de maneira geral, os objetivos pretendidos. Isso porque, houve melhora, mesmo que tímida, em relação ao tempo médio de tramitação dos processos, que atualmente é de 294,2 dias, mas essa melhora está aquém das expectativas e, na percepção dos advogados atuantes das referidas Varas, houve, também, melhora considerável na qualidade da prestação jurisdicional, além de ter sido constatada uma leve melhora na previsibilidade dos julgamentos.

_____________

1 Disponível em: https://archive.doingbusiness.org/content/dam/doingBusiness/country/b/brazil/BRA.pdf.  Acesso em 12/08/2023.

2 Disponível em: https://www2.oabsp.org.br/asp/clipping_jur/ClippingJurDetalhe.asp?id_noticias=16623&AnoMes=20053. Acesso em 04/08/2023.

3 Disponível em: https://www2.oabsp.org.br/asp/clipping_jur/ClippingJurDetalhe.asp?id_noticias=21494. Acesso em 04/08/2023.

4 Disponível em: https://enajus.org.br/2018/assets/sessoes/035_EnAjus.pdf?cache=false. Acesso em 04/08/2023.

5 Atualmente, apenas a 1ª e a 2ª Varas Empresariais foram implementadas.

6 Disponível em: https://www.tjsp.jus.br/Especialidade/Especialidade/FalenciasRecuperacoesJudiciaisConflitos. Acesso em 04/08/2023.

7 Disponível em: https://www.tjsp.jus.br/Especialidade/Especialidade/FalenciasRecuperacoesJudiciaisConflitos. Acesso em 04/08/2023.

8 Disponível em: https://www.tjsp.jus.br/Noticias/Noticia?codigoNoticia=93372. Acesso em 14.08.2023.

9 Disponível em: https://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/bitstream/handle/10438/33641/DissertacaoMestradoFGV_AnaPaulaNani-vFAPESP.pdf?sequence=5&isAllowed=y. Acesso em 07/08/2023.

Gabriel Leonardos
Advogado, sócio do escritório Kasznar Leonardos | Propriedade Intelectual, Mestre em Direito (USP), LLM (Munique), MBA (FGV) e atual presidente da Associação Brasileira da Propriedade Intelectual - ABPI.

Lucas Ribeiro Vieira Rezende
Advogado do escritório Kasznar Leonardos | Propriedade Intelectual, com atuação em Contencioso Cível e Propriedade Intelectual. Graduado em Direito pela PUC/SP. Especialista em Direito e Economia. Mestrando e pós-graduando em Direito Processual Civil na PUC/SP.

Verônica Borda
Advogada do escritório Kasznar Leonardos. Graduada em Direito pelo Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais do Rio de Janeiro. Pós-graduada em Direito Processual Civil pela Escola de Magistratura do Estado do Rio de Janeiro e em Direito da Propriedade Intelectual pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

Veja mais no portal
cadastre-se, comente, saiba mais

Artigos Mais Lidos

Afinal, quando serão pagos os precatórios Federais em 2025?

19/12/2024

Discriminação nos planos de saúde: A recusa abusiva de adesão de pessoas com TEA

19/12/2024

Planejamento sucessório e holding patrimonial: Cláusulas restritivas societárias

20/12/2024

Decisão importante do TST sobre a responsabilidade de sócios em S.A. de capital fechado

20/12/2024

As perspectivas para o agronegócio brasileiro em 2025

20/12/2024