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Caso Ângela Diniz x Doca Street: muito além da legítima defesa da honra

Toda a sociedade clama pelo fim dos casos de feminicídio, sendo necessária não só maior rigidez do Código Penal, mas também políticas públicas em prol de mudanças culturais para que, cada vez mais, a sociedade entenda que é inadmissível qualquer tipo de violência contra a mulher.

22/8/2023

Há poucos dias o STF proibiu que pudesse ser utilizada por advogados, no tribunal do júri, a teoria da “legítima defesa da honra” em casos de feminicídio, ou seja, que por exemplo um homem que assassinou a esposa ou namorada por motivo de ciúmes não pudesse ser punido por tal bárbaro crime.  

Tal decisão do Supremo é muito bem vinda, evitando assim que injustiças sejam feitas, entretanto limita-se a impedir a não punição, não sendo o advogado impedido de citar que o seu cliente cometeu o crime por estar sendo movido por ciúmes, dizendo inclusive que o crime não se justifica, não havendo a “legítima defesa da honra”, mas somente citando o motivo que levou o cliente a cometer tal crime. 

Qual a consequência disso? Em casos de “batom na cueca” nos quais há filmagens do acusado assassinando a esposa e prisão em flagrante, não havendo defesa que justifique a absolvição, o advogado pode tentar fazer com que o cliente tenha a pena reduzida. O Código Penal em seu art. 121, § 1º informa quais circunstâncias diminuem a pena do crime contra a vida, dentre elas quando o crime for cometido sob influência de violenta emoção: 

Código Penal 

Art. 121. Matar alguém: 

Caso de diminuição de pena  

§ 1º Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço.  

Ou seja, o acusado alegar que foi traído, ou que acreditava que estava sendo traído, sendo respondido positivamente pela vítima que houve a traição e, por isso matar a esposa, namorada ou companheira, terá a pena reduzida de 1/6 a 1/3 conforme a dosimetria. Relembro a todos que a indignação do povo no caso Ângela Diniz não foi a não punição do assassino Doca Street, pois ele sim foi punido, mas com pena de só quinze anos de reclusão. Punições como essa infelizmente estão passíveis de serem dadas, mesmo já tendo se passado 47 anos do midiático caso que virou filme estrelado pela brilhante atriz Isis Valverde (E que certamente assistirei no cinema). 

É necessário que haja revisão urgente, pelas casas legislativas, do Código Penal, pois não se pode admitir que uma vida que se perca por motivo de ciúme tenha como consequência a diminuição da pena. Faz-se necessário que haja proibição para tal dispositivo do Código Penal em casos de feminicídio ou feminicídio tentado, este último foi o caso de Maria da Penha Maia Fernandes, hoje cadeirante diante da violência que sofreu. 

Outra necessidade é a de que a pena seja mudada em casos de feminicídio. Há um projeto de lei que prevê que a pena mínima nos casos de feminicídio passe de 12 para vinte anos, entendo ser ainda branda. A pena mínima do crime de extorsão mediante sequestro com resultado morte é de 24 anos, é a maior pena mínima no Código Penal e exatamente o dobro da atual pena mínima do crime de feminicídio. Já a atual pena máxima, que é de 30 anos também precisa ser modificada, pois o pacote anticrime permite que a pena possa chegar a 40 anos, logo nada impede que haja mudança no código penal para que a pena máxima nos casos de feminicídio seja de 40 anos. 

E não para por aí... 

Em casos em que a mulher não perde a vida, mas há lesão corporal, a pena pode ser diminuída pelo mesmo motivo de “Domínio de violenta emoção” de 1/6 a 1/3 conforme o artigo 129, § 4°:  

Código Penal 

Lesão corporal  

Art. 129. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem:  

§ 4° Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço.  

Já em outros crimes, aquele que é o acusado pode ter a pena atenuada adivinhem por qual motivo? Sim, “Sob influência de violenta emoção” conforme diz o art. 65, III, “C” do código penal: 

Código Penal 

Circunstâncias atenuantes 

Art. 65 - São circunstâncias que sempre atenuam a pena: 

III - ter o agente: 

c) cometido o crime sob coação a que podia resistir, ou em cumprimento de ordem de autoridade superior, ou sob a influência de violenta emoção, provocada por ato injusto da vítima; 

E, por fim, deixo aqui minha crítica a crimes que, por serem cometidos pelo cônjuge, tal acusado é ISENTO de pena, que são os crimes de furto, usurpação, dano, apropriação indébita, estelionato, conforme prevê o art. 181 do Código Penal. No meu entender, não deveria haver isenção de pena em caso de o crime ser cometido contra a mulher em situação de violência doméstica, familiar ou íntima de afeto. Vejamos o que diz o art. 181 caput do código penal: 

Código Penal 

Art. 181 - É isento de pena quem comete qualquer dos crimes previstos neste título, em prejuízo:             

I - do cônjuge, na constância da sociedade conjugal;  

Concluindo 

Humildemente entendo que o Código Penal deva passar por uma grande reforma, pois tais exceções a punibilidade ou diminuição da pena não deveriam ser aplicadas no contexto de violência doméstica, familiar ou íntima de afeto nas quais a mulher está em situação de violência. Já em relação a pena mínima e máxima do crime de feminicídio ou tentativa de tal crime, além da não diminuição da pena em casos nos quais o acusado está “Sob influência de violenta emoção” em que comete o ato criminoso, faz-se necessário o aumento de pena, que entendo deveria tal crime ter pena de 24 a 40 anos.

Toda a sociedade clama pelo fim dos casos de feminicídio, sendo necessária não só maior rigidez do código penal, mas também políticas públicas em prol de mudanças culturais para que, cada vez mais, a sociedade entenda que é inadmissível qualquer tipo de violência contra a mulher. 

Wagner Luís da Fonseca e Silva
Bacharel em Direito, aprovado no XXIII exame de habilitação da OAB. Pós-graduado em Direito Militar pelo Instituto Venturo. Pós-graduado em Gênero e Direito pela EMERJ. Policial Militar.

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