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Ainda sobre a alegação de compensação em embargos de devedor

As normas processuais são importantes e devem ser observadas, mas, como é sabido, o processo jamais pode ser um fim em si mesmo, a ponto da alteração superveniente de entendimento jurisprudencial acerca do instrumento processual adequado para a discussão da questão.

23/8/2023

Falar em segurança jurídica após a recente decisão proferida pelo STF em que se determinou, nas obrigações tributárias de trato sucessivo, a cessação automática dos efeitos da coisa julgada, diante de pronunciamento superveniente daquele tribunal em sentido diverso, em ação direta ou em sede de repercussão geral, chega a ser ilógico, mas como operadores do direito temos que continuar brigando pela sua observância, em razão da importância do respeito a esse princípio pela preservação do Estado Democrático de Direito.

Em uma virada surpreendente, a 1ª seção do STJ, ao julgar os embargos de divergência em RESP 1795347, em sede de recurso repetitivo, ocorrido em 27/10/21, com acórdão disponibilizado em 25/11/21, pacificou o entendimento da corte pela impossibilidade de se arguir a compensação indeferida na esfera administrativa em sede de embargos de devedor, em razão da vedação contida no art. 16, § 3º, da lei 6.830/80, nos seguintes termos:

Ementa:

“EMENTA PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. COMPENSAÇÃO. INDEFERIMENTO ADMINISTRATIVO. MATÉRIA DE DEFESA. INVIABILIDADE. DISSENSO ATUAL. INEXISTÊNCIA.

1. Ambas as Turmas que compõem a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça entendem que não pode ser deduzida em embargos à execução fiscal, à luz do art. 16, § 3º, da Lei n. 6.830/1980, a compensação indeferida na esfera administrativa, não havendo mais que se falar em divergência atual a ser solucionada.

 2. Incide, na hipótese, o óbice da Súmula 168 do STJ, in verbis: “Não cabem embargos de divergência, quando a jurisprudência do Tribunal se firmou no mesmo sentido do acórdão embargado.”

3. Embargos de divergência não conhecidos.”

Deixando de lado todos os argumentos existentes contrários à equivocada interpretação do art. 16, §3º, da lei 6830/80, que foi adotada pelo STJ, a questão que se levanta é:

É razoável a aplicação do novo entendimento aos embargos de devedor que já tramitavam na época em que ele foi adotado?

Ou melhor, é admissível a manutenção da cobrança, apesar da comprovação da existência e suficiência do crédito compensado, através de perícia contábil, em razão da decisão superveniente do STJ, de que os embargos de devedor não são o meio adequado para esse tipo de discussão, levando-se em consideração que o contribuinte/embargante será obrigado não só a pagar o débito como, na maioria dos casos, sequer poderá recuperar o “crédito compensado”, resultante de pagamento indevido, em razão do transcurso do prazo prescricional de cinco anos estabelecido no Código Tributário Nacional, artigo 168, para recuperação do indébito?

As normas processuais são importantes e devem ser observadas, mas, como é sabido, o processo jamais pode ser um fim em si mesmo, a ponto da alteração superveniente de entendimento jurisprudencial acerca do instrumento processual adequado para a discussão da questão – ação ordinária no lugar de embargos de devedor, provocar um enorme e injusto prejuízo ao contribuinte que seguiu caminho diverso para o cancelamento da cobrança através do reconhecimento do seu direito creditório.

Em estrita observância ao princípio da segurança jurídica e da razoabilidade, devem ser aceitos e apreciados os Embargos de Devedor oferecidos antes da publicação do acórdão proferido pelo STJ ao julgar os embargos de divergência em RESP 1795347, em sede de recurso repetitivo, analisando-se e, se for o caso, reformando-se a decisão administrativa de não homologação da declaração de compensação apresentada pelo contribuinte, evitando-se, inclusive, desta maneira, o locupletamento indevido da União Federal.

Em recente sentença, proferida pelo juiz da 13ª vara das Execuções Fiscais Federais de São Paulo, disponibilizada no DJe de 10/8/23, foi afastada a aplicação do novo entendimento do STJ por se tratar de embargos de devedor apresentados antes da modificação da jurisprudência, para reconhecer a existência do direito creditório objeto de compensação não homologada pela Receita Federal do Brasil e, desta forma, extinguir a cobrança do débito compensado1.

Na citada decisão, foi expressamente declarado que, apesar da unificação do entendimento do STJ pela “impossibilidade de ser deduzida em embargos a compensação indeferida na esfera administrativa, à luz do art. 16, § 3°, da lei 6.830/80”, na época da apresentação dos embargos de devedor que estavam sendo julgados, “prevalecia no âmbito do mesmo e STJ o entendimento firmado na análise do recurso especial representativo de controvérsia 1.008.343/SP, que relativizava a previsão do art. 16, § 3º, da lei de execuções fiscais, passando a admitir a veiculação de compensação tributária pretérita como matéria de defesa em embargos”.2

Segundo o mencionado precedente, “a compensação tributária adquire a natureza de direito subjetivo do contribuinte (oponível em sede de embargos à execução fiscal), em havendo a concomitância de três elementos essenciais: (i) a existência de crédito tributário, como produto do ato administrativo do lançamento ou do ato-norma do contribuinte que constitui o crédito tributário; (ii) a existência de débito do fisco, como resultado: (a) de ato administrativo de invalidação do lançamento tributário, (b) de decisão administrativa, (c) de decisão judicial, ou (d) de ato do próprio administrado, quando autorizado em lei, cabendo à Administração Tributária a fiscalização e ulterior homologação do débito do fisco apurado pelo contribuinte; e (iii) a existência de lei específica, editada pelo ente competente, que autorize a compensação, ex vi do art. 170, do CTN”.

Isto porque, embora o § 3º, do art. 16, da lei 6.830/80, impeça a alegação do direito de compensação do contribuinte em sede de embargos do executado, com o advento da lei 8.383/91 (que autorizou a compensação entre tributos da mesma espécie, sem exigir prévia autorização da Secretaria da Receita Federal), foi superado o óbice legal, “momento a partir do qual passou a ser admissível, no âmbito de embargos à execução fiscal, a alegação de extinção (parcial ou integral) do crédito tributário em razão de compensação já efetuada (encartada em crédito líquido e certo apurado pelo próprio contribuinte, como sói ser o resultante de declaração de inconstitucionalidade da exação), sem prejuízo do exercício, pela Fazenda Pública, do seu poder-dever de apurar a regularidade da operação compensatória (Precedentes do STJ: EREsp 438.396/RS, Rel. Ministro Humberto Martins, Primeira Seção, julgado em 09.08.2006, DJ 28.08.2006; REsp 438.396/RS, Rel. Ministro José Delgado, Primeira Turma, julgado em 07.11.2002, DJ 09.12.2002; REsp 505.535/RS, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 07.10.2003, DJ 03.11.2003; REsp 395.448/PR, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, julgado em 18.12.2003, DJ 16.02.2004; REsp 613.757/RS, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 10.08.2004, DJ 20.09.2004; REsp 426.663/RS, Rel. Ministra Denise Arruda, Primeira Turma, julgado em 21.09.2004, DJ 25.10.2004; e REsp 970.342/RS, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 04.11.2008, DJe 01.12.2008)”.

Na interpretação revista pelo STJ, a alegação da extinção da execução fiscal pela compensação exigia apenas que já tivesse sido efetuada à época do ajuizamento do executivo fiscal, atingindo a liquidez e a certeza do título executivo, com base nos artigos 170, do CTN, e 16, § 3º, da LEF, com a conclusão de que “a compensação efetuada pelo contribuinte, antes do ajuizamento do feito executivo, pode figurar como fundamento de defesa dos embargos à execução fiscal, a fim de ilidir a presunção de liquidez e certeza da CDA, máxime quando, à época da compensação, restaram atendidos os requisitos da existência de crédito tributário compensável, da configuração do indébito tributário, e da existência de lei específica autorizativa da citada modalidade extintiva do crédito tributário”.

Segundo a tese repetitiva 294 do STJ, baseada no julgado reformado, "a compensação efetuada pelo contribuinte, antes do ajuizamento do feito executivo, pode figurar como fundamento de defesa dos embargos à execução fiscal, a fim de ilidir a presunção de liquidez e certeza da CDA, máxime quando, à época da compensação, restaram atendidos os requisitos da existência de crédito tributário compensável, da configuração do indébito tributário, e da existência de lei específica autorizativa da citada modalidade extintiva do crédito tributário".

Assim, se na compensação declarada e não homologada pela Receita Federal do Brasil e arguida como defesa em embargos de devedor apresentados antes do julgamento dos embargos de divergência em RESP 1795347, em sede de recurso repetitivo, ocorrido em 27/10/21, com acórdão disponibilizado em 25/11/21, foram observados os requisitos estabelecidos na tese repetitiva 294 do STJ, quais sejam, (i) a existência de crédito tributário, como produto do ato administrativo do lançamento ou do ato-norma do contribuinte que constitui o crédito tributário; (ii) a existência de débito do fisco, como resultado: (a) de ato administrativo de invalidação do lançamento tributário, (b) de decisão administrativa, (c) de decisão judicial, ou (d) de ato do próprio administrado, quando autorizado em lei, cabendo à administração tributária a fiscalização e ulterior homologação do débito do fisco apurado pelo contribuinte; e (iii) a existência de lei específica, editada pelo ente competente, que autorize a compensação, ex vi do artigo 170, do CTN; os embargos de devedor devem ser aceitos e analisados, a fim de que se apure a existência e suficiência do crédito compensado, hipótese em que deverão ser julgados procedentes, com o consequente reconhecimento da extinção dos créditos tributários por meio da compensação, com fundamento no art. 156, II, do CTN.

Que o entendimento acima prevaleça, por representar a maneira mais razoável e ponderada de aplicação do Direito.  

-----

1 Processo 0017232-88.2017.4.03.6182

2 STJ, RESP 1008343/SP, Primeira Seção, Rel. Min. Luiz Fux, DJe de 1/2/10

Debora Amaral
Advogada do Daudt, Castro e Gallotti Olinto Advogados.

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