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Reflexões críticas acerca da cobrança do estacionamento pelos Shopping Centers

O estacionamento do Shopping Center não é “gratuito”, pois toda atividade empresária visa ao lucro. Assim, o serviço é indiretamente remunerado pelo preço dos serviços e mercadorias prestados ou postos à disposição pelos fornecedores aos consumidores.

16/5/2007


Reflexões críticas acerca da cobrança do estacionamento pelos Shopping Centers

Adriano Celestino Ribeiro Barros*

Introdução:

O estacionamento do Shopping Center não é “gratuito”, pois toda atividade empresária visa ao lucro. Assim, o serviço é indiretamente remunerado pelo preço dos serviços e mercadorias prestados ou postos à disposição pelos fornecedores aos consumidores.

Dessa maneira, serviço é qualquer atividade intelectual ou física que seja prestada no mercado de consumo mediante remuneração. Portanto, o cerne da questão sobre a cobrança do estacionamento pelos Shopping Centers é em relação ao serviço ser ou não remunerado para os fins de Proteção e Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90 -clique aqui).

Desenvolvimento:

O Código de Defesa do Consumidor é resultado da previsão feita pelo Poder Constituinte Originário de <_st13a_metricconverter productid="1988. A" w:st="on">1988. A Magna Carta elevou o direito do consumidor a status de Direito Fundamental. Não com o escopo apenas de dar juridicidade à Lei 8.078/90 (denominada de Código de Proteção e Defesa do Consumidor). Irradiando-se a defesa do consumidor, como Direito Fundamental, portanto, por todo o ordenamento jurídico, estabelecendo o seguinte:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...)

XXXII - o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor; (grifo nosso)

A Constituição Federal de 1988 (clique aqui), na linha do constitucionalismo contemporâneo, também elevou o direito do consumidor como um dos Princípios Gerais da Atividade Econômica, nos seguintes termos:

Art. <_st13a_metricconverter productid="170. A" w:st="on">170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

(...)

V - defesa do consumidor; (grifo nosso)

Segundo a Jurisprudência da Colenda Corte do Tribunal de Justiça:

O fim do lucro deve ser entendido de forma ampla, não somente direta como indireta. Superior Tribunal de Justiça – STJ. Resp. 106.888/PR. Min. Rel. César Asfor Rocha. DJ: 05/08/2002.

Assim, ainda que não cobrem entrada, os Shopping Centers visam lucros ao oferecer serviços as pessoas que lá se encontram, mesmo que não adquiram nenhum produto. Superior Tribunal de Justiça – STJ. Resp. 279273/SP. Min. Rel. Ari Pargendler e Min. p/ac. Nancy Andrighi. T3, j. 04/12/2003. DJ: 29/03/2004, p. 230 e RDR, vol. 29, p. 356.

O serviço é prestado a título oneroso (deve-se ter muita cautela com o que é aparentemente dito “gratuito”). Pois, o Shopping Center oferece estacionamento em tese “dado de graça” para seus clientes.

Na realidade, não é “gratuito” o estacionamento, porque o custo deste está embutido no preço dos produtos e serviços colocados à disposição pelo Shopping Center aos consumidores.

Não existe gratuidade nas relações de consumo (tudo tem um custo). No mercado de consumo, em uma economia capitalista, esse custo é disfarçado (embutido) no preço dos produtos e serviços pelo fornecedor, que o transfere totalmente ao consumidor visando sempre ao lucro.

O artigo 4º, l, do CDC prevê a pedra de toque de todo o sistema protetivo e que é essencial, segundo a doutrina majoritária (finalista). A questão fundamental é o reconhecimento do princípio da vulnerabilidade do consumidor.

Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: (Redação dada pela Lei nº 9.008, de 21.3.1995 -clique aqui)

I - reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo;

Os princípios norteadores da Publicidade dos fornecedores de produtos e serviços para com os consumidores são os da lealdade e o da boa-fé objetiva. A boa fé-objetiva consiste em norma de conduta em não defraudar a confiança ou abusar da confiança alheia, vale dizer, a boa-fé lealdade treu und glaubem. A boa-fé objetiva como cláusula geral que é tem três funções: função interpretativa, função colmatadora e a função constitutiva de deveres anexos. A boa-fé objetiva tem também três elementos: deveres anexos, dever de sigilo e o dever de informação.

O dever de transparência e o de informar radica no princípio da boa-fé objetiva onde os contratantes desejam que ambos saiam satisfeitos. Isso faz com que haja uma perfeita concorrência de mercado dando ao consumidor maior poder de escolha entre os produtos e serviços postos a sua disposição no mercado de consumo. Dessa forma, o cumprimento do dever de transparência e de informação do fornecedor dá ao consumidor a oportunidade de ter sua legítima expectativa satisfeita em relação ao produto adquirido ou serviço prestado.

O dever anexo: é o elemento principal da boa-fé objetiva, pois todo contrato por força normativa cria deveres anexos implícitos (eticidade) mesmo que o contrato não diga nada a respeito esses deveres anexos existem; Dever de sigilo: por exemplo, o sigilo profissional dos médicos e advogados e o dever de informação: Verbi gratia, artigo 6º, lll do Código de Proteção e Defesa do Consumidor: “a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem”;

O Código de Defesa do Consumidor assim define o fornecedor, ipsis literis:

Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

§ 1° Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.

§ 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista. (grifo nosso)

Como bem leciona o Mestre Rizzato Nunes, in verbis1:

“Tudo tem, na pior das hipóteses, um custo, e este acaba, direta ou indiretamente, sendo repassado ao consumidor. Assim, se, por exemplo, um restaurante não cobra pelo cafezinho, por certo seu custo já está embutido no preço cobrado pelos demais produtos. Logo, quando a lei fala em ‘remuneração’ não está necessariamente se referindo a preço ou preço cobrado. Deve-se entender o aspecto ‘remuneração’ no sentido estrito de absolutamente qualquer tipo de cobrança ou repasse, direto ou indireto”.

Leciona de forma lapidar sobre a natureza jurídica do Shopping Center o Professor Ives Gandra da Silva Martins, se não vejamos:

“Os shopping centers são a natural conseqüência do crescimento das cidades e da também crescente necessidade de o comércio, em economia de mercado e competitividade, unir-se ao lazer. Realidade pertinente à mercancia moderna, objetiva ofertar ao usuário horas de satisfação, assim como de compras, em que as alternativas que lhe são apresentadas, terminam por lhe propiciar o usufruto de umas, de outras, ou de ambas”2.

Já para o Mestre Fábio Ulhoa Coelho a natureza jurídica do Shopping Center é assim delineada:

“De fato, o empreendimento denominado shopping center é mais complexo. Além da construção do prédio, propriamente dita, o empresário deve organizar os gêneros de atividade econômica que nele se instalarão. A idéia básica do negócio é por à disposição dos consumidores, em um local único, de cômodo acesso e seguro, a mais variada sorte de produtos e serviços. Assim, as locações devem ser planejadas, atendendo às múltiplas necessidades do consumidor. Geralmente, não podem faltar em um shopping center certos tipos de serviços (correios, bancos, cinemas, lazer, etc.) ou comércios (restaurantes, lanchonetes, papelarias, etc.), mesmo que a principal atividade comercial seja estritamente definida (utilidades domésticas, moda, material de construção, etc.), pois o objetivo do empreendimento volta-se a atender muitas das necessidades do consumidor. É esta concentração variada de fornecedores que acaba por atrair maiores contingentes de consumidores, redundando em benefício para todos os negociantes”3.

Conclusão:

Dessa forma, o consumidor (vulnerável) não deve pagar duas vezes pelo mesmo serviço (fato jurígeno) que o Shopping Center presta, de maneira indireta nos custos embutidos no preço dos produtos e serviços postos à sua disposição. Isso se chama de bis in idem, vale dizer - duas vezes a mesma coisa, repetição - segundo Donaldo J. Felippe. Dicionário Jurídico de Bolso: terminologia jurídica: termos e expressões latinas de uso forense. – 16ª ed. – Campinas, SP: Milennium Editora, 2004, pág. 279). Gerando, portanto, um enriquecimento indevido por parte dos Shopping Centers. O Código de Proteção e Defesa do Consumidor busca a igualdade jurídica onde há desigualdade econômica.

Se for permitido ser cobrado estacionamento dos consumidores, os Shopping Centers estarão ferindo dois princípios basilares do moderno modelo de Direito Privado, que são a função social do contrato e o princípio da boa-fé objetiva, insculpidas no Código Civil de 2002 -clique aqui- nos artigos 421 e 422. A boa-fé objetiva é horizontal (endógena). Já a função social do contrato é vertical (exógena). São as Cláusulas Gerais do atual Código Civil (sistema aberto). A função precípua da boa-fé objetiva é a limitação da liberdade de contratar e tem dois elementos: o intrínseco, que é a lealdade e a eticidade e no plano extrínseco impõe aos contratantes o respeito a um interesse social (interesse da coletividade) e a normas de ordem pública.

Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: (Redação dada pela Lei nº 9.008, de 21.3.1995)

(...)

III - harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores; CDC (grifo nosso).

Art. <_st13a_metricconverter productid="421. A" w:st="on">421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato. CC (grifo nosso).

Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé. CC (grifo nosso)

Em arremate é conhecida a lição de Celso Antônio Bandeira de Mello a respeito da violação dos Princípios em relação à segurança jurídica e a paz social:

“Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas o todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade e inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremessível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra. Isso porque, com ofendê-lo, abatem-se as vigas que o sustêm e alui-se toda a estrutura nelas esforçada”. MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo, 2005, pág. 903.

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BIBLIOGRAFIA:

COELHO, Fábio Ulhoa, Comentários a Lei de Locação de Imóveis Urbanos - coordenação: OLIVEIRA, Juarez de - Saraiva – 1992.

Donaldo J. Felippe. Dicionário Jurídico de Bolso: terminologia jurídica: termos e expressões latinas de uso forense. – 16ª ed. – Campinas, SP: Milennium Editora, 2004.

MARTINS, Ives Gandra da Silva, A natureza jurídica das locações comerciais dos "shopping centers" - Shopping Centers : questões jurídicas : doutrina e jurisprudência - coordenação: PINTO, Roberto Wilson Renault, OLIVEIRA, Fernando Albino de - São Paulo - Saraiva – 1991.

MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo, 2005.

NUNES, Luiz Antonio Rizzato. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor: direito material. São Paulo: Saraiva, 2000.

STJ. Resp. 106.888/PR. Min. Rel. César Asfor Rocha. DJ: 05/08/2002.

STJ. Resp. 279273/SP. Min. Rel. Ari Pargendler e Min. p/ac. Nancy Andrighi. T3, j. 04/12/2003. DJ: 29/03/2004, p. 230 e RDR, vol. 29, p. 356.

__________

1 NUNES, Luiz Antonio Rizzato. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor: direito material. São Paulo: Saraiva, 2000, pág. 100.

2MARTINS, Ives Gandra da Silva, A natureza jurídica das locações comerciais dos "shopping centers" - Shopping Centers : questões jurídicas : doutrina e jurisprudência - coordenação: PINTO, Roberto Wilson Renault, OLIVEIRA, Fernando Albino de - São Paulo - Saraiva - 1991, pág. 79.

3COELHO, Fábio Ulhoa, Comentários a Lei de Locação de Imóveis Urbanos - coordenação: OLIVEIRA, Juarez de - Saraiva - 1992 - págs. 336/337

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*Advogado



 

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