A quase um 1 (um) ano venho acompanhando o julgamento de 3 (três) Recursos Especiais1 que estão sob a Relatoria da Ministra Isabel Gallotti, na Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça – STJ, que podem dar outro rumo aos condomínios irregulares no Distrito Federal no que dizem respeito a cobrança da contribuição dos moradores.
Vale ressaltar que o julgamento dos Recursos ainda não terminou, tendo em vista que o Ministro Raul Araújo pediu vista dos processos diante da complexidade da matéria e do extenso voto da Ministra Relatora, na sessão do dia 15 de agosto de 2023.
Mas já adianto que tivemos o voto da Ministra Relatora, acompanhado pelos Ministros Carlos Ferreira e João Otávio de Noronha, voto esse que divergiu do voto do Ministro Marco Buzzi, para reconhecer a possibilidade da cobrança dessas taxas.
No voto, a Ministra Relatora, primeiramente enfrentou e fez o distinguishing2, dos casos em análise para os casos julgados pelo Superior Tribunal de Justiça e pelo Supremo Tribunal Federal que deram origem aos Temas 492/STF e 882/STJ. Ponderou que os casos em análise pela Quarta Turma, divergem dos analisados pelas Cortes Superiores, uma vez que, no caso do Distrito Federal não se trata de condomínios de acesso controlado. Nos casos paradigmas dos temas supracitados, uma porção de moradores se reúnem, cercam um perímetro onde possuem as casas e colocam uma guarita, sendo que os serviços públicos são oferecidos pela administração pública.
Aqui faço um parêntese para concordar com a Minsitra Relatora acerca da aplicação do distinguishing, inclusive aprofundando um pouco mais sobre o assunto e na mesma linha da Ministra, tive a oportunidade de escrever sobre o tema em um artigo3 publicado em novembro do ano passado, ficando aqui a sugestão da leitura para quem possa interessar.
No caso dos Recursos em julgamento e por se tratar de casos dentro do Distrito Federal, a realidade é outra, existem muitos condomínios que existem há muitos anos, e que não possuem acesso aos serviços que deveriam ser oferecidos pela administração pública. Em decorrência disso, os moradores se reúnem e criam uma associação para oferecer esses serviços, como, por exemplo, a coleta de lixo, manutenção de vias e iluminação, distribuição de correspondências, segurança, dentre outros serviços, que em uma situação regular nada mais seria que os serviços prestados pelo condomínio aos seus moradores.
Em decorrência disso, não se poderia deixar que esses moradores, que se beneficiam da prestação de serviço oferecido pela associação, se eximissem da obrigação de ratear essas despesas sob pena de enriquecimento ilícito.
Ainda em seu voto, a Ministra ressaltou que a forma correta das associações receberem dos moradores inadimplentes será através da ação de cobrança e não da ação de execução, pois não se trata de um condomínio legalmente constituído cujas despesas aprovadas em assembleia geral são títulos executivos. Ficando ainda a associação na incumbência de demonstrar que o morador inadimplente faz jus ao pagamento das taxas de contribuição diante da utilização dos serviços prestados pela associação.
Essa problemática dos condomínios irregulares no Distrito Federal, se deve aos condomínios que a muitos anos em inobservância a legislação distrital ou a questões fundiárias se consolidaram e ainda se encontram pendentes de regularização. Em outros casos, devida a enorme burocracia para se aprovar um parcelamento urbano, já demonstrado em um artigo que recomendo a leitura4, muitos resolvem se aventurar e se consolidarem as margens da lei.
Concluindo, exceto se houver uma reviravolta nos votos, tudo indica que o final desse julgamento será na linha do que foi demonstrado acima, possibilitando então que seja cobrado dos moradores inadimplentes as taxas de contribuição pelos serviços prestados por essas associações que muito se assemelham aos condomínios legalmente constituídos.
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1 REsp 1.807.492/DF; REsp 1.924.270/DF; e REsp 1.807.813/DF
2 Ao realizar o distinguishing, o juiz deve atuar com prudência e a partir de critérios. Como é óbvio, poder para fazer o distinguishing está longe de significar sinal aberto para o juiz desobedecer precedentes que não lhe convêm. Aliás, reconhece-se na cultura do common law que o juiz é facilmente desmascarado quando tenta distinguir casos com base em fatos materialmente irrelevantes. Diferenças fáticas entre casos, portanto, nem sempre são suficientes para se concluir pela inaplicabilidade do precedente. Fatos não fundamentais ou irrelevantes não tornam casos desiguais. Para realizar o distinguishing, não basta ao juiz apontar fatos diferentes. Cabe-lhe argumentar para demonstrar que a distinção é material, e que, portanto, há justificativa para não se aplicar o precedente. Ou seja, não é qualquer distinção que justifica o distinguishing. A distinção fática deve revelar uma justificativa convincente, capaz de permitir o isolamento do caso sob julgamento em face do precedente. Nota-se que, exatamente pela circunstância de que o distinguishing, depende de justificativa, há que se ter uma pauta racional uniforme na identificação dos seus critérios. Ou melhor, há que se uniformizar a aplicação dos próprios critérios para a realização do distinguishing, criando-se aí também uma obrigação de respeitar as decisões passadas. A não adoção do precedente, em virtude do distinguishing, não quer dizer que o precedente está equivocado ou deve ser revogado. Não significa que o precedente constitui bad law, mas somente inapplicable law. (MARINONI, Luiz Guilheme. Precedentes obrigatórios. 4. ed. rev., atual. e ampl. - São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016. Páginas 230 e 231);
3 https://www.migalhas.com.br/depeso/354601/nao-aplicacao-dos-temas-492-stf-e-882-stj-nos-condominios-irregulares
4 https://www.gabrielmazarin.com.br/post/entenda-os-procedimentos-e-as-particularidades-legais-para-empreender-no-mercado-imobiliário-do-df