Migalhas de Peso

Reflexões sobre a lei do superendividamento: pontos de preocupação, desafios e análise à luz de jurisprudências

Embora a Lei de Superendividamento tenha como objetivo auxiliar consumidores em dificuldades financeiras, é essencial reconhecer e abordar as preocupações legítimas e as implicações adversas que podem decorrer da sua aplicação.

17/8/2023

A promulgação da Lei do Superendividamento (Lei 14.181/21), em março de 2022, trouxe importantes avanços na proteção dos consumidores em situações de endividamento excessivo. No entanto, como qualquer legislação complexa, a lei também apresenta pontos negativos e desafios que merecem análise crítica. Este artigo explora algumas das preocupações associadas à Lei do Superendividamento e destaca os desafios que podem surgir em sua implementação.

Falta de Incentivo à Educação Financeira

Enquanto a Lei do Superendividamento visa oferecer soluções para consumidores em dificuldades financeiras, ela não aborda diretamente a questão da educação financeira. A ausência de um enfoque mais forte na promoção da educação financeira pode perpetuar um ciclo de endividamento, uma vez que os consumidores podem não estar suficientemente informados sobre as implicações de suas escolhas financeiras. 

Possíveis Implicações Judiciais

Jurisprudências relevantes podem ajudar a ilustrar os potenciais riscos e desafios decorrentes da aplicação da lei. No caso AgInt no AREsp 1641926/PR, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) ressaltou a importância de se avaliar o real superendividamento do consumidor, evitando-se que indivíduos que não atendam a esse critério se aproveitem da legislação.

A legislação também levanta preocupações quanto aos possíveis riscos para credores e para o setor financeiro. O caso REsp 1671982/RS evidencia a necessidade de equilibrar os interesses dos credores com a proteção do consumidor, a fim de evitar impactos adversos sobre a oferta de crédito. 

Potencial risco moral e incentivos a má-fé

A lei pode criar um potencial risco moral, incentivando os consumidores a tomarem decisões financeiras imprudentes, confiantes de que poderão recorrer à proteção da lei em caso de superendividamento. Isso poderia levar a um aumento no número de indivíduos que buscam endividamento excessivo, sabendo que há uma rede de segurança legal disponível.

A possibilidade de abusos e má-fé por parte de consumidores pode ser uma preocupação válida. A jurisprudência, como o caso AgInt no REsp 1686311/SP, destaca a importância de se verificar a existência de elementos que sugiram a utilização indevida da lei para benefício próprio.

Complexidade e morosidade dos processos

A aplicação da Lei do Superendividamento envolve processos complexos, incluindo mediação e negociação entre credores e devedores. Essa complexidade pode resultar em processos morosos e custosos, especialmente para consumidores com poucos recursos ou conhecimentos jurídicos. A demora na resolução de casos pode impactar negativamente os consumidores que buscam alívio imediato. 

Possível impacto nas taxas de juros

A implementação da Lei do Superendividamento pode ter implicações indiretas nas taxas de juros oferecidas pelos credores. Para compensar o potencial risco de inadimplência, os credores podem optar por aumentar as taxas de juros para consumidores que apresentam riscos mais elevados. Isso poderia afetar negativamente aqueles que não estão em situação de superendividamento. 

Desafios de fiscalização e implementação

A eficácia da Lei do Superendividamento também depende da capacidade do sistema judiciário em lidar com a carga de processos que possam surgir. A falta de recursos adequados para fiscalização e implementação pode resultar em atrasos e na falta de uniformidade nas decisões judiciais, o que poderia afetar a confiança dos consumidores na lei. 

Conclusão

Embora a Lei de Superendividamento tenha como objetivo auxiliar consumidores em dificuldades financeiras, é essencial reconhecer e abordar as preocupações legítimas e as implicações adversas que podem decorrer da sua aplicação. A análise das jurisprudências ressalta a necessidade de um equilíbrio entre a proteção dos consumidores e a manutenção da integridade do sistema financeiro, a fim de garantir que a legislação alcance seus objetivos de maneira justa e eficaz.

_____________ 

- Lei nº 14.181/2021 - Lei de Superendividamento

- AgInt no AREsp 1641926/PR - Superior Tribunal de Justiça (STJ)

- REsp 1671982/RS - Superior Tribunal de Justiça (STJ)

- AgInt no REsp 1686311/SP - Superior Tribunal de Justiça (STJ)

Julia Carvalho
Advogada do Massicano Advogados.

Veja mais no portal
cadastre-se, comente, saiba mais

Artigos Mais Lidos

Afinal, quando serão pagos os precatórios Federais em 2025?

19/12/2024

Atualização do Código Civil e as regras de correção monetária e juros para inadimplência

19/12/2024

5 perguntas e respostas sobre as férias coletivas

19/12/2024

A política de concessão de veículos a funcionários e a tributação previdenciária

19/12/2024

Julgamento do Tema repetitivo 1.101/STJ: Responsabilidade dos bancos na indicação do termo final dos juros remuneratórios

19/12/2024