Toda mulher quer ser amada
Toda mulher quer ser feliz
Toda mulher é meio Leila Diniz”
(Rita Lee)
De tempos em tempos, palavras novas surgem para designar ou descrever objetos, sentimentos, novas áreas de estudos ou trabalho, por exemplo. Em 2021, a ABL (Academia Brasileira de Letras), entidade responsável por incluir novos vocábulos na língua portuguesa escrita no Brasil, atualizou o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (VOLP). Ao todo, a 6ª edição da obra incluiu mil novas palavras, totalizando 382 mil vocábulos. Entre essas palavras postas nos nossos dicionários, mas já sabidas para, ao menos, estão sororidade e feminicídio. Sobre o significado de feminicídio – assassinato de mulheres – não restam, infelizmente, dúvidas. Entretanto, a outra palavra ainda se mostra pouco conhecida: o que é sororidade?
Segundo o Dicionário Online de Português, o substantivo feminino sororidade é a relação de irmandade, união, afeto ou amizade entre mulheres, assemelhando-se àquela estabelecida entre irmãs. Buscas pela palavra sororidade também retornam resultados como respeito, igualdade, empatia e aliança. Em citação literal, sororidade “é sentimento de irmandade, empatia, solidariedade e união entre as mulheres, por compartilharem uma identidade de gênero; conduta ou atitude que reflete este sentimento, especialmente em oposição a todas as formas de exclusão, opressão e violência contra as mulheres.” A origem da palavra sororidade vem do latim soror, que significa irmã e é usada como alternativa feminina à fraternidade (frater, em latim, significa irmão).
Sororidade também pode ter vindo do francês sororité. Na França, o termo surgiu a partir do lema, “Liberté, égalité, fraternité” (Liberdade, igualdade, fraternidade), usado na Revolução Francesa. A discussão é que o uso apenas de fraternité deixava de lado as mulheres do fato histórico do país. Assim, o sororité surgiu para incentivar a luta pela igualdade e os direitos das mulheres.
No século XX, o conceito voltou à baila, a partir das décadas de 1960 e 1970, com os movimentos feministas, que passaram a organizar-se politicamente para contrapor-se ao patriarcado. Para as ativistas do movimento, a chamada segunda onda do feminismo compartilha uma característica comum: aquelas mulheres compuseram o “segundo sexo”, como estabeleceu Simone de Beauvoir.
Para combater a opressão social imposta, a sororidade foi alçada pelas feministas como uma ferramenta contra as violências cotidianas e reivindicativa de união entre as mulheres. A primeira obra que serviu como referência dessa segunda onda feminista foi, justamente, Sisterhood is powerful (A sororidade é poderosa), antologia publicada em 1970 pela escritora, jornalista e ativista estadunidense Robin Morgan. O termo sisterhood, inicialmente muito utilizado apenas entre a comunidade negra, passou a carregar todo o conceito de união feminina.
A partir de 2020, com a pandemia e a paradoxal necessidade – motivada pelas perdas e pelo luto – de unir pessoas que estavam, obrigatoriamente, distantes, a sororidade eclodiu em uma terceira onda e ganhou força como o ideal das relações entre as mulheres. O conceito, antes restrito a reuniões e a debates entre grupos fechados e chegou à internet. Os relatos de mulheres que aderiram à ideia de conexão e andam junto de outras mulheres nas ruas, mesmo não as conhecendo, foram tão relevantes nas redes sociais que Babi Souza os transformou em livro, Vamos Juntas?, publicado pela Editora Galera, e inspirou garotas em todo o país a praticarem a sororidade em suas relações cotidianas.
A sororidade pode ser um caminho para a conexão entre as mulheres que buscam identificar e reconhecer, entre si, problemas recorrentes e/ou semelhantes. A tão comentada rivalidade é, certamente, encorajada pela sociedade. Temos de ser lindas, femininas, recatadas e obedientes e sempre estar atentas para as outras mulheres, as tais “rivais”. A sororidade veio para nos encorajar e mudar de atitude. Reconhecer que os problemas, desventuras e batalhas são os mesmos e, em grupo, pode ser mais fácil vencê-los.
Entre as lutas que podem ser travadas coletivamente, podemos citar os combates aos salários desiguais, aos assédios, à tripla jornada de trabalho, à violência, à desigualdade de gênero. Perceba-se a urgência de posicionar-se contra essas questões, e não criar rusgas com outras mulheres – é preciso respeitá-las em roupas, modos de agir e falar, lembrar sempre que diferença não significa rivalidade. É necessário deixar de acreditar que o seu comportamento individual é perfeito, que seus padrões e escolhas devem ser adotadas por todas.
Se uma mulher precisar de ajuda, aja. E nunca culpe a vítima por agressões, assédio e violência. Praticar a sororidade é criar, estabelecer e fortalecer uma rede de apoio feminina. Também é preciso ter consciência de que muitas intrigas entre mulheres provêm do pensamento machista. Além de inferiorizá-las, tais ideias tiram o crédito da fala e a liberdade das atitudes das mulheres.
O movimento feminista também tem usado outra palavra que não foi incluída no VOLP. Esse termo é wollying, ou seja, é a soma das palavras em inglês woman (mulher) e bullying (provocação, implicância, assédio moral, coação, perseguição e intimidação) e caracteriza o maltrato psicológico às mulheres por parte de outras. Sabemos que essas agressões repercutem negativamente, tanto para quem as recebe quanto a quem as produz ou reproduz.
Como no bullying, o wollying também traz consequências desastrosas para as vítimas, ocasionando sintomas físicos e psíquicos, como desequilíbrio emocional, baixa autoestima, problemas de autoimagem, insegurança, desamparo aprendido, sentimentos de medo, rejeição, solidão, incompreensão. É possível levar a faltas no trabalho ou até mesmo à própria demissão de um emprego, assim como evasão de demais espaços e, em casos mais graves, desenvolver depressão e pensamentos de suicídio.
Durante uma palestra, a escritora nigeriana Chimamanda Ngozi falou com clareza sobre a rivalidade entre mulheres dizendo que criamos as meninas para se enxergarem como competidoras — não para trabalhos ou conquistas. “A sororidade significa justamente o contrário e parte do princípio de que, juntas, as mulheres poderiam ter mais conquistas, seja uma incentivando, apoiando ou só deixando de julgar a outra”, pontuou a literata. Trata-se, concluímos, de abraçar o ideal coletivo de igualdade em ideias e ações.