Está expresso na Folha de São Paulo de 13/8 que a Justiça do Trabalho ignora STF e que ministros veem afronta à Corte.
Esclarece a notícia que a Justiça do Trabalho dribla a jurisprudência do STF e que Juízes defendem carteira assinada, enquanto Ministros do Supremo derrubam decisões contra as chamadas terceirização, pejotização e uberização.
Trata-se, diz a Folha, de contratos além do previsto na CLT e após o Supremo reconhecer a terceirização irrestrita, ministros negam vínculo de emprego a profissionais que atuam como pessoas jurídicas – os “PJs”.
Continua a reportagem dizendo que há casos que envolvem médicos, advogados, corretores de imóveis, além de franqueados e motoristas de aplicativos. Para ministros do STF, magistrados do trabalho ignoram precedentes da corte de cumprimento obrigatório. Daí porque sentenças de juízes, desembargadores e integrantes do TST, consideradas ultrapassadas e afrontosas, passaram a ser cassadas.
A Anamatra - Associação Nacional dos magistrados da Justiça do Trabalho diz que a jurisprudência não é ignorada, e alerta para fraudes afirmando que decisões do STF causam abalo.
Cita a Folha declaração do ministro Gilmar Mendes, de 10 de agosto, dizendo que, “ao fim e ao cabo, a engenharia social que a Justiça do Trabalho tem pretendido realizar não passa de uma tentativa inócua de frustrar a evolução dos meios de produção”.
Os processos chegam ao Supremo não só mediante recurso extraordinário, os quais muitas vezes não são admitidos pelo vice-presidente do TST, mas através de reclamações, admitidas contra acórdãos, inclusive dos regionais, bem como de decisões de primeiro grau que violem jurisprudência da Corte Suprema que têm de ser obedecida.
Certamente que a força vinculante das decisões da Suprema Corte tem de ser obedecidas por qualquer Tribunal, o que gera uma multiplicidade de reclamações para o Supremo se não atendida sua jurisprudência.
O ministro Alexandre de Moraes, em decisão monocrática prolatada no mês de maio, derrubou o vínculo de emprego de um motorista de aplicativo de uma plataforma, remetendo o processo à Justiça comum.
No meio desse “tiroteio”, principalmente entre a Corte Suprema Trabalhista e o STF, creio que a matéria está sendo vista de uma forma um pouco deformada, por ambas as Cortes.
De início creio que quando há uma reclamação trabalhista, a apreciação sobre a inexistência da relação de emprego não remete o processo à Justiça comum.
Não, exatamente porque, de acordo com o art. 114 da Constituição da República, compete à Justiça do Trabalho processar e julgar as ações oriundas da relação de trabalho. A Constituição anterior era expressa no sentido da competência da Justiça Trabalho ser limitada à relação de emprego, sendo que a ampliação dessa competência abrangendo também a relação de trabalho sem lei especial, concede a essa justiça especializada o direito de decidir sobre qualquer reclamação que envolva, não só empregado, como também trabalhadores vinculados ou não em condições de dependência, salário ou natureza não eventual de serviço.
Vejam que a Constituição de 1946, em seu art. 123, dizia que, “compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre empregados e empregadores, e, as demais controvérsias oriundas de relações do trabalho regidas por legislação especial”.
A Constituição de 1967, com a Emenda Constitucional n. 1 de 1969, afirmava “compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre empregados e empregadores e, mediante lei, outras controvérsias oriundas da relação de trabalho”. (art. 142).
Sempre então estava a competência da Justiça do Trabalho vinculada à figura do empregado e do empregador, ou, a outras relações, mediante lei.
Já na atual Constituição, excluiu-se a figura do empregado e do empregador da competência exclusiva da Justiça do Trabalho, não fazendo eles parte integrante do art. 114, mas especificando-se essa competência para processos concernentes à relação de trabalho, ou seja, o artigo não limita a competência para empregado e empregador, nem para relação de emprego, mas é amplo, no significado de relação de trabalho.
Assim, ao meu ver, toda a relação de trabalho deveria ser apreciada pela Justiça do Trabalho, o que, na realidade não acontece por um entendimento equivocado e antigo relativo à competência somente entre empregado e empregador.
Por outro lado, a Justiça do Trabalho, decidindo relação de trabalho, aplicará a Consolidação das Leis do Trabalho à relação de emprego e as demais leis especial ou comum às outras relações que não sejam de emprego, sendo como exemplo as relações do trabalhador autônomo, do representante comercial, do motorista de uber e de muitas outras relações que, evidentemente, não têm direitos trabalhistas, mas sim das normas que regem o trabalho exercido.
Mas também, no meu sentir, equivoca-se em muitos casos o STF. Certamente que ao trabalhador autônomo, ao representante comercial, ao terceirizado, ao “pejotizado”, inaplicáveis são as normas da CLT, conforme jurisprudência da Suprema Corte.
Entretanto, cabe ao Poder Judiciário Trabalhista apreciar fatos e provas do processo, e se o autor , durante a instrução demonstrar que, embora seu contrato não seja de trabalho, efetivou o trabalho (realidade), mediante subordinação, com salário, de forma não eventual, de acordo com o art. 3º da CLT, o que enseja sua condenação porque caracterizada a fraude.
Dessa forma, muitas vezes o STF usa de sua jurisprudência no sentido de que determinado trabalho não caracteriza relação de emprego, entendendo que a Justiça do Trabalho que assim entendeu está violando sua jurisprudência, quando , na verdade, está a Justiça trabalhista, naquele processo, evidenciando uma fraude “pendurada” na jurisprudência da Suprema Corte.
Enfim, não vejo interesse de conflito entre tribunais mas uma possível melhor interpretação de ambas as supremas partes às quais devemos nossas homenagens.