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Tributação da licença de uso de software: entre contradições e incertezas

Judiciário dará a última palavra sobre mais uma situação de insegurança tributária e que representa diversos problemas para as empresas que atuam neste segmento econômico.

16/8/2023

A Receita Federal, recentemente, publicou a solução de consulta COSIT 107/23, que alterou seu tradicional entendimento de que para a importação de softwares não customizáveis, não incidiria o PIS e COFINS – Importação.

A mudança de entendimento é relevante e traz impactos na carga tributária, que, do ponto de vista do PIS e COFINS, se antes não era tributada, agora passar a sofrer carga tributária de 9,25% dessas contribuições.

O entendimento tradicional da Receita Federal, exemplificado pela solução de consulta COSIT 303/17, é de que, por não serem prestação de serviço e o valor aduaneiro dessa transação ser nulo, os valores pagos a título de licenciamento de uso de software na importação não atraem a incidência de PIS e COFINS – Importação.

Além de, a partir desse novo posicionamento, fixar a tributação do PIS e COFINS – Importação, a Receita Federal também declarou seu entendimento acerca da incidência de outros dois tributos, o IRRF - Imposto de Renda Retido na Fonte e a CIDE - Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico.

Para a CIDE, a Receita Federal se limitou a declarar aquilo que está expresso em lei, no sentido de que para o licenciamento de uso de software somente incide a referida contribuição interventiva caso haja transferência de tecnologia.

Porém, há uma pequena mudança de posicionamento no que se refere ao Software as a Service (SaaS), pois anteriormente a Receita Federal, na solução de consulta COSIT 191/17, entendia que, por ser o SaaS um serviço técnico, incidiria a CIDE. Com o tratamento indistinto dado à importação de software para uso dado pela solução de consulta 107/23, é possível se entender que não há mais a incidência da CIDE também para o SaaS.

Por sua vez, para o IRRF, a Receita Federal entendeu que os pagamentos realizados ao exterior seriam royalties, já que decorrem da exploração de direitos autorais e o software, sendo uma criação do espírito humano, é tutelado pelos direitos autorais.

Contudo, na mesma solução de consulta 107/23, a Receita Federal entende que, para o PIS e COFINS – Importação, o pagamento seria uma contraprestação de uma prestação de serviços, em razão de o STF ter superado a distinção entre software de prateleira e por encomenda na ADI 5.659/MG, para entender que o software, como produto do esforço humano, seria uma prestação de serviços.

O problema nessa concepção é que não se pode entender que o mesmo pagamento seria royalties e contraprestação de uma prestação de serviços ao mesmo tempo, uma vez que são entendimentos contraditórios. A solução para esse impasse, na visão da Receita Federal, é dizer que cada tributo tem seus contornos próprios e balizas legais.

A posição não convence. Ironicamente, se tem a mesma afirmação sobre a superação, pelo STF, da distinção entre software de prateleira e por encomenda, já que esta se deu no âmbito de um conflito de competências entre o ISS e o ICMS, sendo expressamente associada ao critério objetivo considerado pela jurisprudência do STF, que adota a solução dos conflitos entre município e Estado  nas chamadas atividades mistas pela previsão em lei complementar do ISS (se não estiver previsto na lei complementar do ISS, então é possível a tributação pelo ICMS).

Existem, ainda, outras questões relacionadas, como a possibilidade de vigência imediata deste entendimento para os fatos geradores posteriores à publicação da solução de consulta, sem sequer respeitar o prazo de noventa dias previsto pela Constituição Federal em caso de aumento de tributos (anterioridade nonagesimal), uma vez que se está violando o princípio da proteção à confiança do contribuinte, que confiava no posicionamento anterior da Receita Federal como correto, ou mesmo se o resultado desta “prestação de serviços” seria em território nacional, regra para incidência do PIS e COFINS – Importação, na forma do art. 1º, §1º, inciso II, da lei 10.865/04.

Ainda, é possível questionar a ausência de valor aduaneiro na importação de licença de uso de software, base de cálculo do PIS e COFINS – Importação, posição adotada anteriormente pela Receita Federal e que não foi sequer analisada pelo STF no julgamento da ADI 5.659/MG.

Dentre muitos possíveis questionamentos sobre esse novo entendimento, que representa significativo aumento na carga tributária, a única certeza é que o judiciário dará a última palavra sobre mais uma situação de insegurança jurídica tributária, sob pena de se chancelar interpretação contraditória e que representa diversos problemas para as empresas que atuam neste segmento econômico ou necessitam da licença de uso de software para praticar suas atividades.

Giovani Oliveira Baptista
Advogado do Gaia Silva Gaede Advogados.

Jorge Facure
Sócio do Gaia Silva Gaede Advogados.

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