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Prazos processuais e segurança jurídica

A questão em torno do efeito interruptivo dos embargos de declaração é de extrema relevância porque diz respeito aos prazos processuais e à segurança jurídica que proporcionam à relação jurídica processual.

14/8/2023

No último dia 21 de junho, a Corte Especial do STJ julgou os Embargos de Divergência 2.039.129/SP e, na oportunidade, reiterou o seu posicionamento consolidado de que, "os embargos de declaração, quando opostos contra decisão de inadmissibilidade do recurso especial na origem, não interrompem, em regra, o prazo para a interposição do agravo, único recurso cabível salvo quando essa decisão for tão genérica que impossibilite ao recorrente aferir os motivos pelos quais teve seu recurso obstado, inviabilizando-o totalmente de interpor o agravo" (AgInt nos EAREsp 166.402/PE, Corte Especial, julgado em 19/12/2016. DJe 07/02/2017).

Partindo dessa premissa, entendeu, no entanto, que uma seria a situação em que são opostos embargos de declaração contra a decisão do Tribunal de origem que inadmite o recurso especial, e, em seguida, é interposto tempestivamente, o agravo previsto no art. 1.042 do CPC/15. Por tempestivo, deve-se entender o AREsp interposto no prazo de 15 dias contados da decisão de inadmissão. Nesse caso, conforme a Corte Especial, não há preclusão consumativa e o AREsp deve ser admitido. Essa era, inclusive, a situação dos autos de que se originaram os mencionados Embargos de Divergência, em que, embora tenha a parte oposto embargos de declaração, na sequência, antes de escoado o prazo de 15 dias, interpôs o agravo do art. 1.042 do CPC/15.

Outra, ainda de acordo com a Corte Especial, seria a hipótese em que a parte opõe embargos de declaração contra a decisão de inadmissibilidade do recurso especial na origem; aguarda o julgamento desse recurso; e, só então, interpõe o AREsp. Neste caso, o agravo previsto no art. 1042 do CPC/15 deve ser tido por intempestivo, porque os embargos de declaração - por serem recurso manifestamente incabível na hipótese - não interromperiam o prazo para a interposição do recurso subsequente.

A nosso ver, entretanto, os embargos de declaração são cabíveis de qualquer decisão judicial, porque a lei não faz distinção a respeito. Ao contrário, é enfática: contra qualquer decisão judicial, diz o art 1022.  Além disso, ainda que incabíveis ou inadmitidos por qualquer razão - salvo a intempestividade1 -, têm o condão de interromper o prazo para a interposição do recurso subsequente, nos termos da lei (art. 1.026 caput do CPC/15). A "sanção" prevista no CPC para embargos de declaração protelatórios é outra: a imposição de multa (art. 1.026, § 2º CPC/15).

A questão em torno do efeito interruptivo dos embargos de declaração é de extrema relevância porque diz respeito aos prazos processuais e à segurança jurídica que proporcionam à relação jurídica processual.

Aliás essa é a única razão que justifica a existência deles. Sempre nos pareceu que, quando houvesse divergência com relação à forma de contagem de um prazo, deve sempre prevalecer a posição mais favorável àquele que se pretende manifestar, seja ou não através de um recurso. Essa mesma ideia é que está por trás do princípio da fungibilidade.

No que diz respeito especialmente aos prazos, justamente porque a sua única razão de ser é a potencialidade que têm de gerar segurança, não deve haver regras nubladas ou confusas, que possam dar margem a interpretações diferentes.

Nada há, na lei, sobre não caberem embargos de declaração de decisão que não admite recurso especial ou extraordinário. E, se não forem intempestivos, interrompem o prazo do agravo cabível, do 1021 ou do 1042.2

Aqui, evidentemente, ganha relevância a discussão sobre os limites da interpretação da lei. A interpretação da lei não pode ser contra legem, isto é, o sentido mínimo, e admitido pela comunidade, das palavras constantes do dispositivo legal interpretado, deve ser necessariamente respeitado.

E quando a jurisprudência criar alguma regra adicional - porque às vezes isso pode ser necessário - para interpretação da forma de contagem de prazos, deve fazê-lo usando conceitos determinados, critérios objetivos, de forma a não comprometer a segurança jurídica.

Ora saber se a decisão é “genérica ao ponto de inviabilizar a sua impugnação” é algo que implica necessariamente um grau razoável de subjetividade e que pode dar margem à jurisprudência defensiva.

A questão ganha contornos ainda mais graves, quando se constata que o STJ tem afastado o efeito interruptivo dos embargos de declaração não apenas nessa hipótese de serem opostos contra decisão do vice-presidente ou presidente do Tribunal local que inadmite recurso de estrito direito. Conforme se lê em acórdão bastante recente, “1. A jurisprudência desta Corte firmou a compreensão de que a oposição de embargos aclaratórios, quando intempestivos, protelatórios ou manifestamente incabíveis, não tem o condão de interromper o prazo para a interposição do recurso especial”.O que se deve entender como embargos de declaração manifestamente protelatórios ou incabíveis (ainda mais quando a lei prevê o cabimento desse recurso contra qualquer decisão judicial)?

A lei, segundo pensamos, deve ser interpretada respeitando-se o sentido normalmente admitido dos termos que a compõem: se a decisão diz respeito à forma de contagem de prazos, não deve jamais dar margem a “entendimentos diferentes”, por terem sido empregados critérios não objetivos, definidos por conceitos indeterminados. Isso compromete de modo inadmissível a segurança jurídica de que devem ser permeadas as regras processuais em geral - mas principalmente as ligadas aos prazos.

Infelizmente, é o que vem fazendo o STJ, no que se refere ao cabimento e efeito interruptivo dos embargos de declaração, fixando e reiterando orientações que na verdade pouco orientam.

______________

1 Já tivemos oportunidade de afirmar que a “intempestividade é mesmo uma causa diferenciada de inadmissibilidade, por sua previsibilidade, já que os critérios em que se baseia são marcadamente objetivos. Com isso, quer-se dizer que a intempestividade pode ser verificada independentemente de fatores subjetivos que possam eventualmente influir na avaliação do magistrado”. ALVIM, Teresa Arruda. Embargos de Declaração. 5ª ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2020, 298.

2 Merece menção acórdão da Corte Especial, à luz do CPC de 1973, de relatoria do Min. Ari Pargendler, nos Embargos de Divergência em Agravo em Recurso Especial 275.615/SP, j. 13.3.2014, DJe 24.3.2014 em que se admitiram os Embargos de Declaração contra decisão que, com fundamentação genérica, negou seguimento a Recurso Especial. Para o relator, Min. Ari Pargendler: “O desate do thema decidendum depende de saber se a oposição de embargos de declaração à decisão que na instância ordinária nega seguimento a recurso especial interrompe o prazo para a interposição de agravo para o Superior Tribunal de Justiça. (…)A jurisprudência, sem explicitar a respectiva motivação, tem se orientado no sentido de que esse prazo não é interrompido. Decidido que o julgado tem mais de uma motivação e que o recurso deixou de atacar todas, o recurso de agravo só teria viabilidade se explicitados quais fundamentos a irresignação deixou de impugnar. Em casos que tais, é de rigor a oposição de embargos de declaração” (g. n.).

3 AgRg no AREsp n. 2.149.594/MG, relator Min. Rogério Schietti Cruz, Sexta Turma, j. 14/3/2023, DJe de 22/3/2023.

Teresa Arruda Alvim
Sócia do escritório Arruda Alvim, Aragão, Lins & Sato Advogados. Livre-docente, doutora e mestre em Direito pela PUC/SP.

Maria Lúcia Lins Conceição
Doutora em Direito pela PUC/SP. Mestre em Direito. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP). Membro da Associação dos Advogados de São Paulo (AASP). Advogada sócia escritório Arruda Alvim, Aragão, Lins & Sato Advogados.

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