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Redução de voos pela companhias aéreas: vilãs ou vítimas?

A redução da malha aérea certamente dificultará as oportunidades de locomoção da população local.

10/8/2023

Recente notícia veiculada na imprensa chama a atenção: as companhias aéreas Gol e Azul anunciaram que reduziram sua malha aérea no Estado de Rondônia, sobretudo Porto Velho/Manaus, devido à alta judicialização enfrentada pelas companhias aéreas no Estado de Rondônia. Estima-se que em 18 meses foram julgados 24 mil processos ajuizados contra as companhias aéreas, sem contar aqueles que ainda estão em trâmite.

Em reação à redução dos voos e ao posicionamento das companhias aéreas, o TJ/RO fez um levantamento apontando que o maior número de ações envolveu cancelamentos e atrasos de voos.

Será que, de fato, a causa de milhares de ações são os cancelamentos e atrasos de voos ou há outras causas, não tão explícitas, que incentivam a judicialização?

Por exemplo, no Instagram de um grande artista da música brasileira, surpreendentemente, há uma mensagem dele, de malinha em uma mão e seu instrumento musical em outra, convidando seus seguidores a procurar determinado advogado, cujo telefone ele também fornece, para o caso de problemas de cancelamento ou atraso de voos. O músico ainda acrescenta que não tem erro, ganho certo.

Detalhe importante: o convite do artista era especificamente para ações por cancelamento ou atrasos de voos. Coincidência ou não, os dois maiores índices de ações indicados pelo Tribunal de Justiça de Rondônia possuem este objeto.

Não é de hoje a crescente propaganda nas redes sociais e na internet, diga-se vedada pelo estatuto da OAB, visando angariar consumidores para a propositura de ações judiciais em face de companhia aéreas, criando um business lucrativo para poucos.

A sugestão feita pelo artista em seu Instagram é aleatória, dando como certo o sucesso na propositura da ação, no caso de qualquer cancelamento ou atraso de voo, como se tais eventos fossem sempre causas suficientes para justificar um pedido de indenização por dano moral. Mensagem do tipo: não perca a oportunidade.

A publicidade citada é um dos diversos estímulos que a sociedade tem recebido para litigar. Há outros? Com certeza, sim.

A Justiça brasileira franqueia, sem custo, o direito de acesso à ação através dos Juizados Especiais Cíveis, o que é extremamente louvável por democratizar o acesso à Justiça. Todavia, dois fatores devem ser examinados: há quem faça um mal uso dessa facilidade, desvirtuando o direito de ação, e outro, o amplo conceito que se tem dado ao dano moral, a sua indenização de forma presumida quando a lei determina a necessidade de prova de sua ocorrência, e a quantificação de sua indenização de forma tão díspar em inúmeros estados da federação.

Quanto ao primeiro fator, é certo que há uma advocacia predatória que prejudica os colegas de profissão e a sociedade, e que deve ser coibida. Recente notícia no Jornal O Globo informou que a Stone, que é uma empresa de pagamentos, obteve uma rara liminar contra um escritório de advocacia sob acusação de prática predatória, pois o escritório abordava colaboradores e ex-colaboradores da fintech para captar clientes com ofertas de prestação de serviço jurídico de forma “inapropriada”.

Situação semelhante parece estar acontecendo no mercado aeroviário em relação ao dano moral.

Quanto ao segundo fator, tem-se a maximização da relevância de um mero aborrecimento ou adversidade do dia a dia elevados ao patamar de dano moral e sua correspondente quantificação em valores absolutamente desproporcionais, o que certamente fomenta a judicialização e enfraquecem as soluções extrajudiciais de conflito.

Dados do Censo Demográfico de 2022 apontam que o Estado de Rondônia conta com 1.581.016 de pessoas, o que representa 0,78% da população nacional, estando na 23ª posição do ranking demográfico dentre os 26 Estados que compõem a Federação, além do Distrito Federal.

Contrariamente à sua posição no ranking demográfico, o Estado de Rondônia, conforme levantamento das companhias aéreas, ocupa o 7º lugar dentre os Estados que recebem maior quantidade de ações judiciais, e está entre os três Estados com maior ticket médio com relação à condenação de Danos Morais.

Esses dados são importantes pois são compostos de três partes: autor/consumidor, fornecedor/companhia aérea e julgador. Relevante entender qual a parte de cada um desses atores para a situação enfrentada pelas companhias aéreas no Estado.

O aumento da Judicialização do setor de aviação nos anos recentes, acaba por incrementar os custos para as empresas que exploram essa atividade e, consequentemente, para a sociedade como um todo. A ABEAR apurou que em 2021 98,5% das ações cíveis no mundo contra as companhias aéreas estão concentradas no Brasil.

A cultura de judicialização no Brasil historicamente prejudica em muito investimentos externos, a vinda de outras empresas chamadas Low Cost e o aumento da malha aérea.

E agora, este impacto negativo da alta judicialização, está se direcionando aos Estados da Federação de forma individualizada, como ocorrera recentemente no Estado de Rondônia que provocou um retrocesso no transporte aéreo nacional.

O custo para a defesa dessas ações, somado às condenações impostas, inviabilizou a manutenção do número de voos até recentemente oferecidos pelas companhias aéreas Azul e GOL. A redução da malha aérea certamente dificultará as oportunidades de locomoção da população local.

O transporte aéreo que é algo cômodo e rápido e, independentemente das críticas, é um serviço complexo prestado por companhias que garantem a sua qualidade e presam pela segurança, após amargar os impactos sofridos com a pandemia, tem seus resultados impactados pela alta litigiosidade, o que reflete diretamente na maior ou menor disponibilização ao mercado consumidor. Poucos lucram. A população perde.

Juliana Guaritá Quintas Rosenthal
Sócia do escritório Rosenthal e Guaritá Advogados.

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