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O “esquema ponzi”

O “esquema ponzi” pode ser classificado como uma sofisticada operação fraudulenta em que o criminoso comercializa um produto fictício sob o pretexto de ganhos exorbitantes cuja manutenção do sistema depende do aporte de capital de novas vítimas.

8/8/2023

Conceitualmente conhecida como “pirâmide financeira” ou “esquema ponzi”, essa fraude financeira consiste em ardil praticado contra número indeterminado de vítimas cuja remuneração depende do aporte de capital de novas vítimas para sustentar os exorbitantes ganhos proposto pelo fraudador. É o marketing perverso com promessas de ganhos superiores aos praticados pelas instituições financeiras autorizadas pelo Banco Central do Brasil.

Como o produto comercializado pelos infratores não existe ou não é regulamentado pelo Banco Central do Brasil e a oferta desse produto é, em regra, feita pela rede mundial de computadores, para número indeterminado de pessoas, esse crime contra a economia popular encontra-se previsto no artigo 2º, IX, da lei 1.521, de 26 de dezembro de 1951:

“IX - obter ou tentar obter ganhos ilícitos em detrimento do povo ou de número indeterminado de pessoas mediante especulações ou processos fraudulentos ("bola de neve", "cadeias", "pichardismo" e quaisquer outros equivalentes);

        Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa, de dois mil a cinqüenta mil cruzeiros.”

Difere-se do estelionato – artigo 171-A do Código Penal, pois no “esquema ponzi” as vítimas são indeterminadas. No estelionato, a fraude é individualizada:

1. Configura crime contra a economia popular "obter ou tentar obter ganhos ilícitos em detrimento do povo ou de número indeterminado de pessoas mediante especulações ou processos fraudulentos ('bola de neve', 'cadeias', 'pichardismo' e quaisquer outros equivalentes)", nos termos do art. 2º, IX, da Lei 1.521/1951.

2. Já o crime de estelionato (art. 171, caput, do CP) é dirigido contra o patrimônio individual.

(RHC n. 161.635/DF, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 23/8/2022, DJe de 30/8/2022.)

Nesse sentido, a competência para o processamento e julgamento das infrações penais dessa natureza será da Justiça Estadual:

“A oferta de serviços de compra e venda exclusivamente de criptomoedas ou moedas virtuais não se insere na competência da Justiça Federal, por não se cuidarem de ativos regulados pelo Banco Central do Brasil ou pela Comissão de Valores Mobiliário.

(CC n. 195.150/SP, relatora Ministra Laurita Vaz, Terceira Seção, julgado em 12/4/2023, DJe de 19/4/2023.)”

Importante destacar que a lei 14.478/22 acrescentou um dispositivo na lei 7.492/86, que trata dos crimes contra o sistema financeiro nacional, para classificar como instituição financeira a pessoa jurídica que ofereça serviços referentes a operações com ativos virtuais:

Art. 1º Considera-se instituição financeira, para efeito desta lei, a pessoa jurídica de direito público ou privado, que tenha como atividade principal ou acessória, cumulativamente ou não, a captação, intermediação ou aplicação de recursos financeiros (Vetado) de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, ou a custódia, emissão, distribuição, negociação, intermediação ou administração de valores mobiliários.

       Parágrafo único. Equipara-se à instituição financeira: 

       I-A - a pessoa jurídica que ofereça serviços referentes a operações com ativos virtuais, inclusive intermediação, negociação ou custódia;       (Incluído pela Lei nº 14.478, de 2022)   Vigência

Como as operações com ativos virtuais foram incluídas na lei 7.492/86 e o artigo 26 da citada norma dispõe que a ação penal por crimes contra o sistema financeiro nacional será processada e julgada pela Justiça Federal, a discussão que certamente será levada ao escrutínio do Superior Tribunal de Justiça tratará sobre a manutenção da competência da Justiça Estadual após a publicação da lei 14.478/22, pois, conforme visto, o oferecimento de serviços decorrente do “esquema ponzi” passou a ser enquadrado no conceito de atividade financeira, para fins de incidência da lei 7.492/86.

Sendo assim, enquanto o Superior Tribunal de Justiça não referendar o entendimento sobre essa nova interpretação contida na lei 14.478/22, o “esquema ponzi” deverá ser tratado como crime contra a economia popular e o seu processamento ocorrerá perante a Justiça Estadual.

Como consectário subseqüente lógico do crime antecedente previsto no artigo 2º, IX, da lei 1.521, de 26 de dezembro de 1951, se a lavagem do dinheiro não for praticada em detrimento de bens, serviços ou interesses da União, ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, competirá à própria Justiça Estadual analisar todos os crimes conexos ao originado pelo “esquema ponzi”:

“Não tendo sido coletados, até o momento, dados que sinalizem que a suposta "lavagem de dinheiro" foi praticada em detrimento de bens, serviços ou interesses da União, ou mesmo que o delito seja conexo com qualquer outro crime de competência da Justiça Federal, é de se reconhecer a competência da Justiça Estadual para dar continuidade às investigações.

(CC n. 146.153/SP, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Terceira Seção, julgado em 11/5/2016, DJe de 17/5/2016.)

Portanto, de acordo com o que foi sustentado nesse artigo, o “esquema ponzi” pode ser classificado como uma sofisticada operação fraudulenta em que o criminoso comercializa um produto fictício sob o pretexto de ganhos exorbitantes cuja manutenção do sistema depende do aporte de capital de novas vítimas.

________________

Lei nº. 1.521, de 26 de dezembro de 1951

Decreto-Lei nº. 2.848, de 20 de dezembro de 1940.

Lei nº. 7.492, de 16 de junho de 1986.

Lei nº. 14.478, de 21 de dezembro de 2022.

Lei nº. 9.613, de 3 de março de 1998.

CC n. 195.150/SP, relatora Ministra Laurita Vaz, Terceira Seção, julgado em 12/4/2023, DJe de 19/4/2023.

CC n. 146.153/SP, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Terceira Seção, julgado em 11/5/2016, DJe de 17/5/2016

CC n. 133.534/SP, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Terceira Seção, julgado em 28/10/2015, DJe de 6/11/2015

RHC n. 132.655/RS, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 28/9/2021, DJe de 30/9/2021.

CC n. 170.392/SP, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Terceira Seção, julgado em 10/6/2020, DJe de 16/6/2020.

Ricardo Henrique Araujo Pinheiro
Advogado especialista em Direito Penal. Sócio no Araújo Pinheiro Advocacia.

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