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Reajuste de mensalidades nos planos de saúde individuais/familiares e coletivos

E a vontade humana, neste caso, deverá se concentrar em gerenciar a utilização e, principalmente, a contribuir de forma concreta para o combate a fraude, ao desperdício e ao uso abusivo.

5/8/2023

Regras de Reajuste dos Planos de Saúde no Brasil.

A lei 9.656, de 1998, que disciplina a atividade das operadoras de saúde no Brasil, permite que sejam disponibilizados para os contratantes planos de três modalidades diferentes: individuais/familiares; coletivos por adesão e coletivos empresariais.

Os planos individuais/familiares se destinam a pessoas naturais ou a estas e seu grupo familiar que pode incluir, a depender do contrato, filhos, pais, esposa e outros. Os planos coletivos empresariais são aqueles contratados por uma empresa para beneficiar seus empregados e seus familiares, mediante pagamento de mensalidade integral ou parcial pelo empregador numa relação empregatícia ou estatutária; e, os planos coletivos por adesão são aqueles contratados por sindicatos, associações, entidades de classe em benefício de seus participantes, e nos quais a responsabilidade pelo pagamento das mensalidades é dos próprios participantes que, no entanto, também podem incluir seus agregados.

Cada modalidade de plano de saúde tem regras próprias de reajuste:

  1. Individuais e Familiares – o reajuste é fixado pela Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS, a partir de metodologia que leva em consideração o aumento de custos médico-hospitalares, a eficiência das operadoras e o Índice de Preços ao Consumidor Amplo – IPCA (descontado o subitem Plano?de?Saúde);
  2. Coletivos por Adesão e Empresariais a partir de 29 vidas – vale a regra da negociação entre as partes – operadora e contratante – e, principalmente, a capacidade do contratante de gerenciar a sinistralidade, ou seja, a quantidade e a qualidade da utilização dos serviços assistenciais por parte dos beneficiários; e,
  3. Coletivos por Adesão e Empresariais até 29 vidas – todos os contratos dessa natureza de uma mesma operadora devem receber o mesmo percentual de reajuste, calculado por meio do agrupamento de contratos, também chamado de pool de risco, para que os riscos sejam diluídos e garantido o maior equilíbrio.

Contratos Coletivos – Livre Negociação

A Constituição Federal brasileira consagra a livre iniciativa como fundamento da República Federativa e a livre concorrência como um princípio da ordem econômica constitucional. A escolha do país foi por um mercado livre em que a presença do Estado seja, principalmente, para regular, monitorar e fiscalizar que o interesse público seja respeitado.

Assim, em áreas sensíveis da atividade econômica como saúde, educação, fornecimento de água, esgoto e energia, telecomunicação e outras semelhantes, o Estado é regulador e fiscalizador, ou seja, atua de forma gerencial para que os entes privados não se excedam na busca dos resultados econômico-financeiros e, principalmente, não causem prejuízos aos consumidores.

A proteção dos consumidores, no âmbito da Constituição Federal, deve ser feita de forma direta por meio de instrumentos legais, administrativos e judiciais, mas também pelo estímulo às práticas de livre concorrência.

Nos contratos coletivos de planos de saúde, os contratantes têm ampla possibilidade de argumentar em favor dos percentuais que atendem melhor às suas necessidades, a partir do estudo de índices objetivos de variação do custo médico-hospitalar; do aumento de despesas assistenciais ao longo do período de um ano; de variação entre o índice alvo fixado para a sinistralidade anual e o percentual efetivamente ocorrido. Com esses dados os contratantes podem aferir objetivamente o percentual necessário para o reajuste, ou seja, o percentual que poderá garantir o equilíbrio econômico-financeiro da operação e, em consequência, a continuidade da utilização por parte dos beneficiários.

As partes contratantes nem sempre possuem a mesma grandeza econômica, isso é certo, por vezes, a operadora de saúde suplementar tem uma grandeza econômica maior que a empresa ou o sindicato contratante dos serviços de saúde suplementar. E, em outras vezes, é a empresa ou o sindicato contratante que são muito mais poderosos economicamente que a operadora de saúde suplementar.

Segundo a Benefícios RH1 as nove maiores operadoras de saúde suplementar do mercado brasileiro em 2023, a partir de dados publicados pela ANS, reúnem 20,87 milhões em um universo de 50 milhões de contratantes de seguro. Na atualidade, existem 703 operadoras de saúde suplementar, o que significa que há bastante espaço para o exercício da concorrência, elemento fundamental para equilibrar a relação entre as partes no momento da negociação dos reajustes.

Além disso, as regras de portabilidade de planos de saúde definidas pela Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS são bastante flexíveis e permitem aos beneficiários boa possibilidade de movimento sempre que essa alternativa for a que melhor atender às suas necessidades como, por exemplo, no caso de não ser possível chegar a um acordo justo sobre o reajuste a ser aplicado para o valor das mensalidades.

Gerenciamento de Contratos de Planos Coletivos

As empresas contratantes, assim como os sindicatos, associações, fundações e entidades de classe que contratam planos coletivos por adesão, têm um importante papel para desempenhar ao longo do período de contratação: gerenciar o contrato e dialogar com a operadora a adoção das melhores práticas que permitam mitigar perdas, fraudes e uso abusivo.

As fraudes, por exemplo, se constituem em fator que impacta negativamente para o reajuste dos contratos de saúde suplementar e, infelizmente, tem aumentado exponencialmente no Brasil. Dados publicados pela Folha de São Paulo em outubro de 2022, a partir de informações da Federação Nacional de Saúde Suplementar – FenaSaúde, apontam que uma única rede de fraudadores obteve valores em torno de 40 milhões de reais indevidamente, a título de reembolso de despesas de consultas e exames.

O uso fraudulento pode ser praticado por qualquer pessoa, individualmente ou em quadrilhas, mas está acessível a todos indistintamente. O empréstimo da carteirinha para parente ou amigo que não tem plano de saúde; o fornecimento de login e senha para prestadores de serviços que argumentam que vão fazer o pedido para o beneficiário; o pedido de reembolso sem que tenha ocorrido o efetivo desembolso dos valores de consultas, exames ou procedimentos; o fracionamento de recibos de consultas e exames para ficarem no valor do reembolso a que o segurado tem direito; a mudança da identificação do procedimento estético para um procedimento de saúde, para que o plano de saúde seja obrigado ao reembolso; todas essas são práticas que se tornaram recorrentes no cenário nacional e que impactam de forma negativa os percentuais de reajuste.

O uso abusivo e desperdício também são bastantes negativos para os percentuais de reajuste que serão aplicados. Uso abusivo ou desperdício são lados da mesma moeda porque importam em utilização desnecessária, que desequilibra econômica e financeiramente toda a mutualidade e, em consequência, exige que o reajuste seja maior para que o fundo mutual retorne ao equilíbrio e tenha suficiência para pagar as despesas administrativas.

Esses aspectos podem ser gerenciados pelas empresas e entidades contratantes de planos coletivos, seja pela área de recursos humanos, pelo setor de conformidade (ou compliance), seja pelo conselho fiscal da associação, sindicato ou fundação, seja, ainda, pelo comitê de ética dessas entidades. O gerenciamento não implica em restrição de utilização, o que é proibido pela lei de planos de saúde. Mas representa o acompanhamento constante da movimentação da carteira de beneficiários, para conhecer por meio de dados anonimizados os índices de utilização, a análise desses percentuais e, principalmente, se eles estão alinhados com a experiência daquele grupo ou, se apontam algum tipo de desvio que deva ser corrigido.

Conclusão

A saúde suplementar atende, no Brasil, na atualidade, mais de 50 milhões de pessoas e o Censo recentemente divulgado informa que somos 203 milhões de habitantes no país. Assim, os dados indicam que 25% dos habitantes do país contratam e utilizam plano de saúde, o que faz dessa atividade de serviços uma das mais relevantes no âmbito social e econômico.

A cadeia de suprimentos da saúde suplementar é uma das mais complexas entre os diferentes setores econômicos e, são os valores gastos pelos contratantes de planos de saúde que sustenta boa parte dos custos dos hospitais privados, dos laboratórios de exames clínicos e de imagem, a indústria farmacêutica, diferentes profissionais da área de saúde, entre outros.

Com esse cenário é preciso pensar com mais cuidado nos percentuais de reajuste das mensalidades de planos de saúde, para que sejam identificadas formas para reduzir custos sem perda da qualidade e, consequentemente, sem impacto negativo para milhões de beneficiários em todo o país.

A tecnologia poderá auxiliar muito e de fato tem auxiliado na redução de custos, mas nada substitui a força da vontade humana em contribuir para aprimorar um setor que tem se tornado cada vez mais essencial na vida de seus contratantes. E a vontade humana, neste caso, deverá se concentrar em gerenciar a utilização e, principalmente, a contribuir de forma concreta para o combate a fraude, ao desperdício e ao uso abusivo.

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1 BenefíciosRH. Disponível em: https://www.beneficiosrh.com.br/maiores-operadoras-planos-de-saude/. Acesso em 10 de julho de 2023.

Angelica Carlini
Doutora em Direito Político e Econômico. Mestre em Direito Civil. Pós-doutorado em Direito Constitucional. Pós-graduanda em Direito Digital pelo ITS-UERJ. Advogada. Vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito Contratual - IBDCONT. Professora doutora e coordenadora do curso 'MBA Gestão Jurídica de Seguros e Resseguros'.

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