Migalhas de Peso

O paradoxal sistema brasileiro dos precedentes

Será que o Brasil estará preparado para julgar baseando-se somente em precedentes predeterminados no pretérito?

3/8/2023

Inicialmente, faz-se necessário argumentar que a utilização de precedentes no ordenamento jurídico brasileiro tem como peculiaridade a compatibilização  do sistema civil law, de origem romana, com o common law, de origem inglesa. Destarte, faz-se necessário explicar que o Brasil, por muito tempo, seguiu a tradição de priorizar as leis em detrimento dos costumes nos julgamentos em todos os graus de jurisdição . Posteriormente, diante da problemática da falta de uniformização da hermenêutica processual, muitos juristas começaram a questionar sobre o acúmulo de processos e o aumento da insegurança jurídica, uma vez que não havia vinculação e homogeneização de julgados no Brasil. Nesse viés, houve a aceitação gradativa de precedentes, jurisprudências e súmulas pelo Novo Código de Processo Civil de 2015 (NCPC) – fato que colocou em xeque a real possibilidade de vincular decisões como o sistema de (Stare decisis)  norte-americano.

Nessa toada, é importante descortinar as diversas mudanças axiológicas ocorridas com a assimilação brasileira ao neoconstitucionalismo ou pós-positivismo, que permitiram o empoderamento dos princípios lato sensu na hierarquia constitucional. Explicando melhor, houve aumento da população, o acesso ao judiciário foi flexibilizado à população e a tecnologia virtual trouxe à tona a problemática do abarrotamento do judiciário, com incongruências nos julgamentos por todo o país. Ou seja, somente a utilização positivista das leis não era suficiente para suprir casos concretos diferenciados surgidos diuturnamente, criando lacunas interpretativas. Destarte, para muitos doutrinadores, os chamados “superprincípios” ganharam status de norma e poderiam ser utilizados como um complemento na fundamentação em casos sui generis.

Ademais, é notável  o atraso na criação legislativa em relação às mudanças ocorridas na sociedade, incentivando, ainda mais, a utilização de precedentes. Assim, seria possível que um precedente fosse utilizado em julgamentos futuros para equalizar demandas jurídicas, sem a perda da eficiência e da celeridade da interpretação. Nessa linha, para um melhor entendimento do assunto vanguardista, faz-se mister diferenciar os institutos dos precedentes, das jurisprudências e das súmulas para se tentar redesenhar a adaptação da processualística civil ao contexto socioeconômico. Segundo o art. 926 do NCPC, “Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e manter estável, íntegra e coerente”.

Nessa linha de discussão, observa-se que é um poder-dever do judiciário manter congruente e justa a maneira de se julgar processos com demandas semelhantes, para obtenção da segurança jurídica. Conforme define o Professor Fredie Didier Jr., “o precedente em sentido lato é a decisão judicial tomada à luz de um caso concreto, cujo elemento normativo pode servir como diretriz para o julgamento” Para complementar, um determinado precedente é um determinado padrão decisório de juiz do passado, podendo ser vinculante ou não, tendo enfoque em demandas repetitivas. Por outro lado, as jurisprudências são compostas por diversos julgados, de uma mesma questão e no mesmo sentido, sendo, em regra, vinculantes, enfocando em demandas casuísticas. Finalmente, pôde-se descrever que as súmulas refletem um resumo de diversos julgados, decorrendo de diversas decisões, podendo ser vinculantes ou não. Por conseguinte, há uma linha tênue de diferenciação entre essas três espécies, uma vez que o common law no Brasil ainda tenta ganhar espaço, diante da fragilidade do civil law e seus descompassos pontuais.

Outrossim, apesar dos benefícios aparentes da implantação dos precedentes no Brasil, observa-se reações adversas pautadas nas violações à repartição de poderes expondo a problemática da atuação positiva legiferante do judiciário. Além disso, muitos magistrados, declaram ser, humanamente, impossível o conhecimento de todos os padrões decisórios do Brasil pelos magistrados, pois cada Tribunal produz seus precedentes e súmulas. Segundo o portal.stf.jus.br, os colegiados do STJ e STF já editaram 707 Súmulas, fato que demonstra a crescente tentativa de vinculação jurídica.

Nesse contexto, ainda argumentando sobre as sujeições  dos sistemas de precedentes, a liberdade judicial foi colocada em xeque, uma vez que a questão do engessamento de decisões preocupa os juízes e os desembargadores. Nessa toada, alguns alegam uma certa queda na qualidade das decisões, devido á subordinação vertical aos julgados dos Tribunais Superiores. Todavia, sabe-se que o livre convencimento fundamentado, descrito na doutrina permite que o magistrado se utilize de seu conhecimento adquirido para decidir questões controversas, no seu papel de árbitro imparcial constitucional.

Para finalizar, torna-se imprescindível descrever sobre a utilização de precedentes em relação às normas de conceito vago indeterminado explicitadas no ordenamento jurídico brasileiro, com baixa densidade semântica. Destarte, o magistrado tem que interpretar, com maior cuidado e especificidade, pois pode haver certa margem de discricionariedade. Pode-se citar termos como “boa-fé contratual, função social da propriedade, contrário a moral e bons costumes, preço vil”, dentre outras. Por conseguinte, o sistema de precedentes pode ser indispensável na interpretação complementar para evitar analogias e interpretações nulas.

Diante de todo exposto, sabe-se que o Brasil tem o condão de importar para seu ordenamento jurídico tanto o civil law como o common law, utilizando-se de um sistema dúplice ou dicotômico. Além disso, após a inclusão explícita dos precedentes no NCPC, pôde-se vislumbrar a vinculação de julgados com segurança jurídica, sem perder a necessidade de observância da lei em sentido estrito. Portanto, a grande questão a ser discutida se refere à subjugação do civil law ao common law, com a progressiva a aceitação dos precedentes no Brasil. Será que o Brasil estará preparado para julgar baseando-se somente em precedentes predeterminados no pretérito?

Joseane de Menezes Condé
Pós Graduação em Direito Constitucional Damásio ,Discente de Direito Anhanguera, estagiária do TRT 15, coautora do Livro Direito do Trabalho- Impactos da pandemia e das Revistas Judiciais TRT

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