Migalhas de Peso

Há necessidade de perícia prévia em ações de constituição de servidão de passagem?

A discussão envolve a inaplicabilidade da súmula 30 do TJSP para as ações de constituição de servidão de passagem.

1/8/2023

O Judiciário Paulista firmou entendimento (Súmula 30/TJ/SP) de que é “Cabível sempre avaliação judicial prévia para imissão na posse nas desapropriações.”.

Ocorre que, apesar da literalidade da Súmula de que a avaliação judicial prévia se aplica na imissão provisória na posse de imóveis objeto de desapropriação, o entendimento do Tribunal tem sido aplicado de forma extensiva às ações de constituição de servidão de passagem, o que merece revisão por parte das Câmaras, sob pena de surtir efeitos indesejáveis ao interesse público com o atraso de obras públicas relevantes (gás, energia elétrica, saneamento), que não atingem diretamente o patrimônio de particulares.

Isso porque, segundo os procedimentos expropriatórios regidos pelo decreto-lei 3.365/41, a servidão de passagem se difere da desapropriação em conceito e prática, pois nas desapropriações a indenização envolve a perda do domínio da área expropriada; por sua vez, nas ações de instituição de servidão de passagem, há mera restrição e limitação de uso e gozo imposta ao proprietário decorrente da constituição da faixa de servidão.

Assim, na prática, cada instituto surte efeitos distintos. Para melhor exemplificar, imagine-se a desapropriação de imóvel urbano para construção de metrô e, em contrapartida, a instituição de servidão administrativa em imóvel para passagem de Linha de Transmissão.

No primeiro caso, com a imissão provisória na posse do imóvel, o particular perde não só a posse, mas a propriedade da área declarada de utilidade pública em desfavor do Poder Público, que, a partir de então, pode gozar e usufruir da totalidade da coisa para os fins estabelecidos no decreto expropriatório.

Nessa situação de desapropriação, a Súmula 30 do TJ/SP preserva não só o direito à propriedade, mas também o direito constitucional à moradia, pois ao perder os direitos de proprietário e possuidor do terreno, presume-se que o expropriado necessita substancialmente da prévia e justa indenização em dinheiro para aquisição de outra habitação em condições similares ao do imóvel desapropriado, como forma de concretizar princípios constitucionais.

Nesse sentido, o laudo prévio servirá para preservar os elementos de prova para a futura definição do valor devido, na medida em que uma vez imitido na posse, o Poder Público deverá proceder com a demolição das benfeitorias que se encontram no terreno para que seja possível a execução das obras, como no exemplo dado de instalação de estação de metrô.

Na segunda situação, de instituição de servidão de passagem de Linha de Transmissão, a imissão provisória na posse do imóvel não retira do Expropriado a propriedade do imóvel, mas apenas impõe restrições e limitações no uso do bem, de modo que, na maioria das vezes, a faixa de servidão a ser instituída não altera a utilização da área envolvida.

E ainda que a imissão provisória na posse para instituição de servidão ocasione a retirada de eventuais culturas reprodutivas na propriedade, isso por si só não significa a perda de elementos probatórios para redefinição da justa indenização em momento futuro, permanecendo, portanto, aberta a possibilidade de complementação da justa indenização logo em seguida à elaboração do laudo prévio.

Assim, por inexistir a necessidade de aquisição de nova moradia pelo particular nas ações de constituição de servidão de passagem, não se justifica condicionar a imissão provisória na posse à produção do laudo prévio, pois é plenamente possível a inversão dos atos processuais sem prejuízo de apuração da justa indenização e complementação do valor, garantindo, assim, o direito constitucional de pagamento antecipado em dinheiro.

Outro ponto que deve ser levado em consideração para revisão do entendimento do Tribunal de Justiça de São Paulo é o próprio interesse público que se relaciona à instituição de servidão por meio do procedimento expropriatório.

Ora, em uma região com tamanha desigualdade estrutural como é o Estado de São Paulo, a instituição de servidão para passagem de estruturas de prestação de serviços públicos, como gasodutos, Linhas de Transmissão de energia elétrica, tubulação de saneamento básico etc., a exigência de perícia prévia como condição para imissão na posse da área pode gerar um atraso no cronograma das obras necessárias à expansão da infraestrutura determinada pelo Poder Público.

Para tanto, é preciso ter em conta que para ajuizamento da ação de constituição de servidão de passagem, o art. 10-A do decreto-lei 3.365/41, incluído em 2019, exige a formalização de proposta de acordo via notificação extrajudicial do Poder Público com prazo de 15 dias para resposta do proprietário do imóvel.

Como se não bastasse, na hipótese de condicionar à perícia prévia o deferimento do pedido liminar de imissão em ações de instituição de servidão, será necessário ainda, a nomeação do Perito, a concessão do prazo de 15 dias às partes para apresentação de quesitos e assistentes técnicos, além de 5 dias para o aceite do Perito designado e a apresentação de proposta de honorários, outros 5 dias para manifestação das partes sobre a estimativa de remuneração do Perito e mais 5 dias de antecedência para o agendamento da vistoria pericial.

Há um evidente prejuízo desarrazoado ao cronograma de obras que tem manifesto interesse público em comparação à preocupação do Tribunal de Justiça de São Paulo com a proteção da propriedade privada, quando não há alteração da titularidade do imóvel, tampouco atingimento do direito à moradia dos particulares.

Igualmente, a demora na imissão em ações de constituição de servidão de passagem permite que haja a atuação de especulação imobiliária, com o iminente início de obras de instalações públicas, que, inegavelmente sobrelevam o valor dos imóveis atingidos, bem como dos demais imóveis no entorno da área envolvida.

Isto é, com a notícia de iminente instalação de equipamentos de melhoramentos públicos, será elevada a procura por imóveis na região, favorecendo, portanto, a atividade especulativa e importando em possível prejuízo ao Poder Público, com a elevação indevida do valor dos imóveis atingidos em razão da própria estrutura que é objeto do processo judicial.

Referido superfaturamento é indevido, por ser superveniente à declaração de utilidade pública das áreas atingidas pelas servidões de passagem e, portanto, não orçados no erário disponibilizado para tanto.

Não é preciso muito para entender que essa especulação pode resultar no superfaturamento das contas públicas em razão da excessiva onerosidade do custo do empreendimento e até mesmo na sua paralisação – resultados que infelizmente não são incomuns por todo o Brasil.

Diante disso, apesar do posicionamento da jurisprudência dominante no Tribunal, o afastamento dos efeitos da Súmula 30 do TJ/SP nas ações de constituição de servidão de passagem concilia o direito constitucional à justa e prévia indenização em dinheiro do Expropriado ao interesse público para que as obras sejam executadas com maior brevidade possível, impondo maior economia e eficiência processual.

Paulo José Suarez
Advogado especialista em Direito Fundiário pelo /asbz.

Otávio Luis
Advogado especialista em Direito Fundiário pelo /asbz.

Daniel Telles
Sócio-conselheiro do /asbz.

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