Migalhas de Peso

Pátria tributária

Que os tributos continuem sendo tratados pelos seres que não sabem se são de exatas ou de humanas, mas que desejam, não tenham dúvidas, que nossa nação seja próspera e justa.

27/7/2023

Depois da goleada na estreia, fico a me perguntar em qual momento da história uma copa do mundo causou menos histeria que uma reforma tributária.

Não acho a resposta, mas consigo narrar fatos em minha mente, como se um lance de perigo na área do adversário estivesse se desenrolando e a pelota, infelizmente, sai para fora, como para fora saiu o pênalti batido por Zico em 86.

Logo após essa copa, vencida por nossos eternos rivais e hermanos, consegui meu primeiro estágio e calhou de ser, num toque de acaso, num escritório (melhor dizendo NO escritório) de direito tributário, sem que eu tivesse a mais vaga noção sobre que direito era esse.

Me formei e prestei exame para OAB sem que houvesse, como há hoje, a opção por direito tributário, a escancarar a irrelevância que tinha ele na própria academia.

Romário, então um jogador de encher os olhos, nos tira de uma fila de espera de 24 anos e leva a pátria ao delírio. Lembro-me de sair correndo de outro escritório especializado em direito tributário que estagiava e me jogar nas ruas lotadas pelas pessoas fantasiadas e me esbaldar numa comemoração que jamais tinha experimentado na minha vida.

Que êxtase!

Deixou os carnavais no chinelo. É tetra!! Só nós! Complexo de vira-lata sai pra lá! Nós éramos a pátria de chuteiras. Os ingleses inventaram o jogo; o Brasil inventou como fazer dele um espetáculo.  

E eu, me encaminhando para ser um advogado tributarista, era visto pela turba ensandecida como um ser estranho; uma pizza metade calabresa, metade de banana.

“Você mexe com esse negócio por que gosta de matemática, é?”, “Você é de humanas ou exatas?”, “Deve ser muito chato esse direito; nunca vi em filme nem livro nenhum!”.

Permeava, fora das quatro linhas herméticas do direito tributário, um desprezo (posto que carregado de elevado desconhecimento de causa) completo e absoluto pelo ramo jurídico ao qual eu me estabelecia como um operário.

Damos um salto na história e, saindo dos primórdios dessa prosa para hoje em dia, vejo a sociedade debater se determinado ministro do STF está certo ou errado. “Esse sujeito é um garantista!” (?!?!). Pior, ouço, no botequim, ao sorver a cerva, um pinguço escalar os onze ministros do STF. Peço, então, que escale os onze da seleção canarinho. Eis que o ébrio me olha desconfiado, como se eu estivesse ganhando dele no consumo etílico.

Tempos estranhos, diria um já aposentado Ministro da Supremo (e devidamente não escalado pelo beberrão que me deu um esculacho).

Atualmente, quando encontro colegas daqueles tempos universitários, os mesmos que me tratavam como um extraterrestre, ao invés de querer resenhar sobre as aventuras juvenis, me dizem o quanto é necessária a reforma tributária e como é injusto o sistema tributário no país. Verdadeiros doutores no assunto.

Quando será o próximo jogo da seleção brasileira masculina? Nem um pio sobre o assunto. Desinteresse acachapante. E, com todo o respeito que merece, quem é Joseilton, que envergou a “amarelinha” no último certame (vexaminoso, como se tornou hábito)? Ah, deixa pra lá, o importante é discutir qual a melhor reforma tributária que o país pode ter, para nos fazer deixar de ser o eterno país do futuro.

Mas esse interesse na reforma tributária (mais do que necessária, concordo!) não vem acompanhado, como sói acontecer em diversos temas dessa sociedade moderna em que todos sabem tudo, bastando dois cliques no Mr. Google, de um conhecimento técnico e científico.

O estudo do direito tributário continua sendo chato e enfadonho para eles. O importante é se mostrar por dentro do assunto do momento, até o próximo BBB ou qualquer um desses programas de realidade que alienam a massa. Ou saberão dizer por qual lógica semântica que a reforma é “tributária” se a população paga “impostos”?

Talvez fosse melhor chamar de Reforma Impostora, porque é isso que, tendo me dedicado desde o início da minha humilde vida acadêmica e profissional aos tributos e seus atributos, penso.

A dita reforma é tributária, pois o que pagamos são tributos, uma “prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada”, tal como intitula a Lei.

E 3 são os tributos; impostos, taxas e contribuições. Cada um com sua função específica, destinação própria (leia-se, onde o estado deve gastar o que arrecadar– olha o arcabouço fiscal aí, gente!) e ente tributante definidos pela Constituição Federal.

Assim é e ponto final.

E o que me leva a dizer que a proposta de reforma é impostora?

Pretendem juntar alhos com bugalhos, embaralhar tudo, sob o manto de uma alegada simplificação tributária (mais do que necessária, concordo também) e irão criar uma tremenda confusão.

Vejam só: um imposto que o estado cobra, um imposto que o município cobra, outro imposto a união cobra e mais duas contribuições que a união cobra serão unidos e nascerá, como um passe de mágica, um único tributo!

Zero chance de dar certo, meu povo.

Qual a alíquota que irão cobrar? Quem irá cobrar? Quem irá fiscalizar? Quem paga menos; quem paga mais? Quando isso começa? Quem perde será suportado por um fundo; quanto dinheiro terá nesse fundo? Quem irá gerir? Quem tem um determinado incentivo justo (não digo um privilégio, pois esse deve, sim, ser extirpado) perderá esse incentivo?

Muitas perguntas, poucas respostas. Um tiro no escuro. Mais de 30 anos se falando em reforma e, em 15 dias, aprovam uma nova Constituição (sim, pois algo que se emenda passa a fazer parte do que ementado foi) sem praticamente nenhum debate.

Ah, mas vai simplificar em muito! Qual nada!!

Esse monstrengo que será cobrado no “destino”, quando hoje é cobrado na origem. Implica dizer, se antes um comerciante tratava com um estado, agora tratará com 27 estados. “Mas o tributo passará a ser um só. Origem e destino não fazem diferença para empresa!” É mesmo? Vale a pena assinar esse cheque branco?

E os fiscais de todos esses tributos? Farão o que? Passarão, todos, a serem fiscais desse novo tributo? Sim, pois não se pode demiti-los, dada a estabilidade que possuem e porquê não fizeram antes a alteração legislativa (reforma administrativa) que deveria preceder, no que penso eu, essa reforma dita tributária, mas, na verdade, impostora.

Devíamos, no campo dos tributos, estar trilhando outro caminho. A tática, não tenho dúvidas, deveria ser focar numa reforma mais abrangente e que já contivesse a previsão sobre as novas tecnologias, sobre as novas formas de fazer negócios, sobre a preservação da nossa casa, que é o mundo.

Mas, enfim, isso é uma outra prosa e sem mais delongas, que voltemos às raízes e, embalados pelo brilho da Ary e seu hat-trick, voltemos à histeria saudável pelas nossas meninas, que, oxalá, nos trarão o primeiro caneco e mostrarão aos homens, personificados na figura do fanfarrão morador de Paris, como se trava o nobre e violento esporte bretão.

Que os tributos continuem sendo tratados pelos seres que não sabem se são de exatas ou de humanas, mas que desejam, não tenham dúvidas, que nossa nação seja próspera e justa.

Leonardo Gallotti Olinto
Sócio do Daudt, Castro e Gallotti Olinto Advogados.

Veja mais no portal
cadastre-se, comente, saiba mais

Artigos Mais Lidos

Planejamento sucessório e holding patrimonial: Cláusulas restritivas societárias

20/12/2024

Decisão importante do TST sobre a responsabilidade de sócios em S.A. de capital fechado

20/12/2024

As perspectivas para o agronegócio brasileiro em 2025

20/12/2024

O futuro dos contratos: A tecnologia blockchain e o potencial dos smart contracts no Brasil

20/12/2024

A sua empresa monitora todos os gatilhos e lança as informações dos processos trabalhistas no eSocial?

20/12/2024