No contexto da era digital, a assinatura eletrônica de documentos tem sido um ponto de discórdia perante a legislação brasileira, particularmente em relação à possibilidade de conferir a esses documentos a natureza de títulos executivos, ou seja, instrumentos que à luz das regras processuais possam embasar o ajuizamento das chamadas ações executivas.
As ações executivas são processos judiciais pelos quais um credor busca a satisfação de um direito reconhecido em um título executivo, que pode ser judicial (como uma sentença) ou extrajudicial (como um contrato assinado). O procedimento é caracterizado pela celeridade e efetividade, já que permite ao credor requerer diretamente a execução de medidas para o cumprimento da obrigação devida, seja esta a entrega de um bem, a realização de um ato ou o pagamento de uma quantia, sem a necessidade de uma ação de conhecimento prévia.
Portanto, este artigo explora as consequências da lei 14.620/23, sancionada recentemente em 14 de julho de 2023, que altera o art. 784 do Código de Processo Civil, admitindo que documentos firmados eletronicamente, independentemente do tipo de assinatura utilizada, sejam considerados títulos executivos.
Vale lembrar que o art. 784 do Código de Processo Civil vigente enumera quais são títulos executivos extrajudiciais e traz em seu inciso III o documento particular assinado pelo devedor e por duas testemunhas com um deles. Com a inserção do parágrafo 4º ao referido dispositivo, documentos assinados por plataformas como Docusign, Certisign, Adobe, entre outras passam a ter validade como título executivo independente de assinatura de testemunhas.
Essa alteração na lei é de suma importância para colocar um fim à discussão envolvendo a exequibilidade de documentos assinados por meio dessas plataformas. Isso porque, os Tribunais faziam a distinção entre assinatura digital e assinatura eletrônica. A primeira é aquela assinada com certificado digital credenciado pelo ICP-Brasil. Já a segunda é justamente a assinatura eletrônica firmada por provedores de assinaturas.
As assinaturas eletrônicas e digitais foram regulamentadas por meio da MP 2.200-2/01. O art. 10º, parágrafo primeiro é claro ao dispor que as declarações constantes dos documentos em forma eletrônica produzidos com a utilização de processo de certificação disponibilizado pelo ICP Brasil presumem-se verdadeiras aos signatários. Já o parágrafo segundo traz a ausência de óbice na utilização de outro meio de comprovação da autoria e integridade de documentos na forma eletrônica, inclusive, os que utilizem certificados não emitidos pela ICP Brasil. Nesse parágrafo é feito uma ressalva de que as partes devem admitir como válido o documento, podendo qualquer delas questionar a sua validade, repassando o ônus ao apresentante de provar a validade do documento.
Diante desse imbróglio, o entendimento dos Tribunais passou a ser raso. Isto é, documento assinado por certificado digital possui exequibilidade. Documento assinado por outras plataformas, restava sempre a insegurança jurídica quanto ao entendimento. Na dúvida, muitos credores optavam por ajuizar ações ordinárias para não correr o risco de terem suas demandas extintas, perdendo a efetividade que uma ação executiva trás quando se faz a cobrança de valores.
A exemplo dessa controversa sobre a questão, temos julgados recentes do Tribunal de Justiça de São Paulo, em que, em ambos os casos, a execução foi extinta porque a empresa devedora não reconheceu a validade da assinatura. Nesse caso, os desembargadores concluíram que havia necessidade de ajuizar ação com dilação probatória para apurar a veracidade das assinaturas. A questão chegou a ser discutida no STJ, tendo entendimentos não consolidados sobre o assunto.
Ou seja, na prática, os documentos assinados pelas provedoras de assinatura não garantiam a possibilidade de ajuizamento de ações executivas e isso se dava porque especialistas diziam não ser possível comprovar que a assinatura lançada no documento, de fato, se referia a pessoa a quem o documento era apresentado. O imbróglio causou uma verdadeira insegurança jurídica, já que ajuizar ações executivas nessa situação se tornou temerária, com entendimentos tão diversos por parte dos magistrados.
Em termos práticos, as implicações dessa nova legislação podem ser significativas. A inclusão do novo parágrafo no Código de Processo Civil indica uma tendência de diminuição das disputas judiciais relacionadas à autenticação de assinaturas eletrônicas. Isso, por sua vez, pode resultar em um aumento nas demandas executivas, que, sabidamente, oferecem um processo mais rápido e vantajoso para o credor, garantindo uma efetividade maior na cobrança dos débitos.
É relevante ressaltar que, com a nova lei, os provedores de assinatura eletrônica assumem um papel ainda mais crucial na autenticação e validação das assinaturas dos signatários. Isso implica que, além de fornecerem a tecnologia, eles também têm a responsabilidade de garantir a veracidade e a integridade das assinaturas realizadas através de suas plataformas. Dessa forma, tornam-se também sujeitos ativos na prevenção de fraudes e usos indevidos de suas ferramentas.
No entanto, esse papel ampliado também traz consigo uma maior responsabilidade civil. Caso fique comprovado que a ferramenta foi utilizada para fins ilícitos, como a falsificação de assinaturas ou fraudes, os provedores de assinatura poderão ser responsabilizados civilmente. Isso pode levar a sanções que variam desde multas até a obrigação de reparar danos causados a terceiros. Portanto, a lei estimula um ambiente de maior diligência e precaução por parte dessas empresas, reforçando a segurança jurídica no uso de assinaturas eletrônicas.
A nova legislação também reforça a necessidade de que os provedores de assinatura eletrônica implementem sistemas robustos e seguros de armazenamento de dados. Essas empresas devem garantir a retenção de todos os registros de operações realizadas em suas plataformas pelo menos até o término do prazo prescricional de possíveis demandas associadas a essas transações. Isso é crucial para assegurar que, em caso de litígio, todas as partes envolvidas tenham acesso a informações essenciais para a resolução do conflito. Portanto, essa exigência não apenas acentua a responsabilidade desses provedores, mas também evidencia a importância de investimentos constantes em infraestrutura de armazenamento e segurança de dados.
O Poder Judiciário, por sua vez, também é desafiado a adquirir maior maturidade e discernimento ao lidar com alegações de supostas fraudes envolvendo assinaturas eletrônicas. Deve-se, progressivamente, avançar em sua capacidade de compreender e avaliar as complexidades técnicas dessas ferramentas, bem como as peculiaridades dos casos que envolvem tais tecnologias. A confiabilidade das assinaturas eletrônicas e a segurança dos sistemas envolvidos devem ser consideradas, ao mesmo tempo em que se mantém um olhar crítico para possíveis manipulações e mal-uso. A capacidade do Judiciário de equilibrar essas questões e lidar adequadamente com tais casos será crucial para garantir a segurança jurídica e a justiça no uso crescente de assinaturas eletrônicas em transações legais.
Em conclusão, a aprovação da lei 14.620/23 representa um passo significativo na adaptação da legislação brasileira à era digital. Ao eliminar a incerteza jurídica em torno da validade dos títulos executivos assinados eletronicamente, a lei contribui para o aumento da segurança jurídica e da eficiência do sistema judicial. No entanto, é preciso monitorar como essa nova legislação será implementada na prática, particularmente no que diz respeito à responsabilidade dos provedores de assinatura.