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Os princípios como elementos integradores entre a “velha” e “nova” lei de licitações: o caso da “técnica e preço”

A NLCCA assumiu papel consolidador, concentrando os princípios explícitos e implícitos, presentes de maneira esparsa e difusa no ordenamento pátrio, conferindo-lhes igual destaque e mesma relevância.

19/7/2023

Neste ano de transição entre as leis que regem as licitações e os contratos administrativos no Brasil é fundamental observar as normas regulamentadoras, que vem sendo elaboradas pelo Executivo, e as decisões do Tribunal de Contas da União – TCU, que, mesmo direcionadas majoritariamente às leis em fase de superação ou já superadas, antecipam alguns caminhos interpretativos para a Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos – NLLCA.

Assim deve ser analisado o acórdão 1257/2023- TCU- Plenário, sob a relatoria do Ministro Benjamin Zymler, que revisitou a questão do grau de subjetividade admitido nos editais de licitação do tipo “técnica e preço”, a partir dos preceitos contidos na lei 8.666/93 e da jurisprudência do TCU.

A “técnica e preço” foi recepcionada na NLLCA, tendo alguns de seus dispositivos mantidos, outros modificados, além de oferecer inovações e pontuais exclusões, merecendo assim atenção e estudo. Trata-se de um ajuste classificatório promovido pelo legislador federal, visto que na lei 8.666/93, “técnica e preço” é um tipo de licitação, enquanto na lei 14.133/21 é critério de julgamento.

É uma alteração sem tanta repercussão material, pois a doutrina administrativista já indicava que não se confundem as modalidades com os tipos de licitação, pelo que as modalidades são as formas pelas quais o procedimento do pleito se manifesta. O tipo de licitação é o meio pelo qual se obtém o melhor julgamento, ou seja, trata-se mesmo de um critério de julgamento que pretende garantir que a proposta mais vantajosa para a Administração seja escolhida.

Neste ponto, a NLLCA afastou a confusão deixando claro que: menor preço, maior desconto, melhor técnica ou conteúdo artístico, técnica e preço, maior lance (leilão) e maior retorno econômico são critérios de julgamento. Pregão, concorrência, concurso, leilão e diálogo competitivo são modalidades de licitação.

Quanto à “técnica e preço”, no caso concreto do acórdão 1257/2023- TCU- Plenário, constatou-se como problema principal no procedimento licitatório a falta de objetividade editalícia, quanto aos itens que deveriam ser abordados pelos licitantes no “plano de trabalho", já que se optou por uma fórmula de proposições abertas, e quanto à própria forma de julgamento, pois ausentes circunstâncias precisas para atribuição, pela comissão de licitações, dos devidos conceitos qualitativos.

Infere-se que a discricionariedade promovida por edital mal formulado fragiliza a plena efetividade do princípio do julgamento objetivo, essencial nas licitações, e que se fundamenta na presença inegociável de critérios concretos, precisos, em perfeita conformidade com os instrumentos que formalizam o certame, especialmente os atos convocatórios para julgamento de propostas, tendo como escopo afastar subjetivismos quando da análise da documentação. O referido princípio se encontra imbricado aos princípios constitucionais da impessoalidade, da moralidade e da isonomia. Como ensinou Bandeira de Mello: “[...] violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer”.

Nas grandes mutações normativas, legislativas ou jurisprudenciais, os princípios atuam em diversos momentos e dinâmicas. Eles devem servir como norte, parâmetro, filtro desde o início da atividade legiferante, quando se tem apenas um protótipo de lei, pois uma nova regra não pode ignorar a fundamentalidade e nem a essencialidade principiológica que legitima, não um único texto, mas todo o ordenamento. Também se projetam para o futuro, quando indicam os conteúdos textuais de uma norma a ser realizados, implementados, exigidos, interpretados, aplicados, concretizados pelo Poder Público e pela sociedade.

A NLLCA (Art. 5°) estabeleceu expressamente os princípios que devem ser observados em sua aplicação: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, eficiência, interesse público, probidade administrativa, igualdade, planejamento, transparência, eficácia, segregação de funções, motivação, vinculação ao edital, julgamento objetivo, segurança jurídica, razoabilidade, competitividade, proporcionalidade, celeridade, economicidade e desenvolvimento nacional sustentável.

A lei 8.666/93 (Art. 3°), em seu texto original, possuía rol bem mais modesto de princípios explícitos: isonomia, proposta mais vantajosa para a Administração, legalidade, impessoalidade, moralidade, igualdade, publicidade, probidade administrativa, vinculação ao instrumento convocatório, julgamento objetivo, admitindo, ainda, a existência de princípios correlatos.

A doutrina também identificava como princípios, ainda que implícitos, contidos no texto, o interesse público e a proporcionalidade. Em 2010, foi incluído o princípio da “promoção do desenvolvimento nacional sustentável”, que para alguns é mais uma diretriz que um princípio.

Portanto, nesta temática como em outras, a NLCCA assumiu papel consolidador, concentrando os princípios explícitos e implícitos, presentes de maneira esparsa e difusa no ordenamento pátrio, conferindo-lhes igual destaque e mesma relevância.

Primeiramente, reproduziu, mesmo sob o risco de incorrer em redundância e até preciosismo, os cinco princípios constitucionais expressos do Art. 37 da CF/1988, depois ratificou todos os princípios contidos no Art. 3º da 8.666/93. O caráter “inovador” se manifestou com a introdução de treze “novos” princípios, sendo que, vários deles, já estavam positivados em bases normativas licitatórias como: Lei da Estatais, Lei do RDC, LINDB e outros textos regulamentadores (e.g. instruções normativas).

Perceba-se, que, o “julgamento objetivo” sempre esteve entre os princípios fundamentadores e norteadores das licitações brasileiras, e assume papel central, verdadeiro postulado, no que concerne à “técnica e preço”.
Inegável, que a jurisprudência do TCU vem sendo ajustada diante de situações peculiares manifestadas nas milhares de contratações realizadas pela Administração Pública.

A conduta padrão se mantém, exatamente porque fundada em princípios, mas vem se admitido que os “critérios objetivos” sejam tomados como “parâmetros mínimos", dos quais é impossível eliminar completamente a subjetividade. Pelo que passou a exigir-se fundamentação “robusta” e justificativa “consistente” para cada um dos conceitos/notas atribuídos na avaliação realizada, devendo ser consignadas nos autos, pelos avaliadores.

Avaliação generalista ou demasiadamente sucinta não prestigia a objetividade de julgamento quando o critério é a “técnica e preço”.

Perceba-se, que, a jurisprudência está potencializando a concretização e a efetivação do princípio do “julgamento objetivo”, não restringindo-o ou fragilizando-o. Levando-se em conta que a NLLCA manteve a exigência de fatores objetivos no edital dos processos licitatórios que admitam o critério “técnica e preço” no julgamento de propostas, projeta-se aproveitamento, ainda que parcial e temporário, da linha interpretativa dominante no TCU, até que se desenvolvam ajustes jurisprudenciais, em razão das alterações incorporadas na lei 14.133/21.

Giussepp Mendes
Advogado especialista em direito administrativo público.

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