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Indenização pelo descumprimento da cláusula de declarações e garantias

As discussões sobre temas variados envolvendo M&A tem sido frequentes no mundo acadêmico. Um desses temas é a famosa cláusula de “Reps and Warranties (declarações e garantias)”.

17/7/2023

A Academia está repleta de reflexões realmente profundas sobre a origem e necessidade da cláusula R&W, que em resumo, é utilizada para que a parte vendedora do ativo forneça declarações que serão interpretadas como garantias para a parte compradora.

Substancialmente, a cláusula de limitação de responsabilidade tem o objetivo de atenuar a assimetria informacional na operação e alocação de risco pela parte que está adquirindo o ativo e é amplamente utilizada e defendida.

Na tentativa de responder à questão realizada na chamada do presente artigo, nos voltemos um pouco para a limitação de responsabilidade prevista em alguns contratos.

É comum que as partes limitem a responsabilidade sobre questões importantes envolvendo a celebração de um contrato. Sim, apesar de terem sido previstas diversas garantias, pode existir uma limitação quanto a responsabilidade na eventualidade de alguma garantia ser quebrada, por exemplo: “a vendedora não responderá pelo dano indireto e lucro cessante advindo do descumprimento da cláusula de Reps and Warranties”).

Diante de uma limitação desta, é possível que a parte prejudicada – aquela que sofreu prejuízo pela quebra da garantia, se veja em uma situação bastante desagradável, pois apesar do dano sofrido, poderá não recuperar a totalidade do seu prejuízo.

O que diz a legislação sobre o assunto sobre REPARAÇÃO DE DANOS?

À luz do Código Civil Brasileiro, os artigos 402 e 403 limitam a reparação apenas ao dano direto, ou seja, a expressão “direta e imediatamente” contida no artigo 403, significa a previsão de indenização por dano direto (que é emergente) e lucro cessante DIRETO e excluir indenização por danos e lucros cessantes indiretamente observados.

Carlos Roberto Gonçalves, a respeito dos artigos 402 e 403, explica:

Compreendem, pois, tanto o dano emergente quanto o lucro cessante e devem cobrir todo o prejuízo experimentado pela vítima. Assim, o dano, em toda a sua extensão, há de abranger aquilo que efetivamente se perdeu e aquilo que se deixou de lucrar: o dano emergente e o lucro cessante.

(...)

Quem pleiteia perdas e danos pretende, pois, obter indenização completa de todos os prejuízos sofridos e comprovados. Há casos em que o valor desta já vem estimado no contrato, como acontece quando se pactua a cláusula penal compensatória.

(...)

Acrescenta o art. 403 do mesmo diploma: “Ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor, as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato, sem prejuízo do disposto na lei processual.”

Trata-se de aplicação da teoria dos danos diretos e imediatos, formulada a propósito da relação de causalidade, que deve existir para que se caracterize a responsabilidade do devedor. Assim, o devedor responde tão só pelos danos que se prendem a seu ato por um vínculo de necessariedade, e não pelos resultantes de causas estranhas ou remotas.

Não é, portanto, indenizável o denominado “dano remoto”, que seria consequência “indireta” do inadimplemento, envolvendo lucros cessantes para cuja efetiva configuração tivessem de concorrer outros fatores que não fosse apenas a execução a que o devedor faltou, ainda que doloso o seu procedimento38. 

Sendo assim, é possível que haja, de um lado: (i) danos emergentes e lucros cessantes DIRETOS e de outro lado (ii) danos emergentes e lucros cessantes INDIRETOS, sendo que a legislação civilista apenas obriga a indenização pelo item (i), mesmo que tenha havido dolo por parte de quem causou o prejuízo.

Mas os artigos 402 e 403 do Código Civil também preveem que a regra acima se aplica quando o contrato não dispõe de forma diversa e não é raro encontrar contratos que preveem indenizações para as situações dos itens (i) e (ii) acima apresentados.

Devemos estar atentos que a cláusula de limitação de indenização significa uma renúncia de direito; uma renúncia ao princípio geral do Código Civil (que é a responsabilidade pela extensão do dano).

Dessa forma: CUIDADO NO MOMENTO DE ELABORAR A CLÁUSULA! Pois, a previsão genérica de exclusão de "danos indiretos e lucros cessantes” (que é o padrão aplicado neste tipo de cláusula), pode ensejar uma interpretação de que o lucro cessante excluído é o DIRETO, quando a real intenção da cláusula não é essa.

Por outro lado, o Código Civil também estabelece que negócios jurídicos benéficos e renúncia de direitos devem ser interpretados estritamente (artigo 114, CC) e, isso significa que, em um litígio judicial, o juiz só vai poder estender a interpretação da cláusula ao que está expressamente previsto nela.

Então, se houver uma cláusula padrão (ex.: “fica limitada a responsabilidade pelo inadimplemento do contrato”) e ocorrer uma situação que origine um “dever de indenização” extracontratual (indireto), a interpretação da cláusula não vai alcançá-la, pois a limitação da responsabilidade prevista na cláusula "padrão", limitou a responsabilidades apenas a situações decorrentes do contrato.

O correto é que a cláusula preveja limitação de responsabilidade pelo inadimplemento contratual, extracontratual ou qualquer outra teoria de responsabilidade (se for benéfico ao seu cliente, claro. Se você advogar para a parte que busca se ancorar nas garantias, o melhor é que não haja limitação alguma). Previsões completas diminuem a chance de interpretações equivocadas e excludentes. 

LIMITAÇÃO/EXCLUSÃO DE RESPONSABILIDADE

Alguns autores entendem que não existe determinação legislativa que impeça a limitação/exclusão de responsabilidade em relações paritárias, entretanto, estão de acordo quanto a algumas temáticas que dificultam a limitação de exclusão:

- Impossibilidade lógica (dever geral e a pessoas determinadas);

- Normas de ordem pública;

- Necessidade de paz social e importância de dar mínimo de segurança, defendida principalmente por Geneviève Viney;

- Dolo e culpa grave

- Descumprimento da obrigação principal. 

_______________

— Direito civil: parte geral - obrigações - contratos esquematizados / Carlos Roberto Gonçalves. - Volume 1 – 10. ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2020.

 

— ORESCU, Carla Pavesi. Delimitação da Indenização em Operações de Fusão e Aquisição no Brasil. 2019. 128 f. Tese (Mestrado) - Curso de Direito, Fundação Getúlio Vargas (Fgv), São Paulo, 2019.

— PONTES, Evandro Fernandes de. Representations & warranties no direito brasileiro. 1ª ed. São Paulo: Almedina, 2014, p. 120-123.

— AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Cláusula Cruzada de Não Indenizar (Cross-Waiver of Liability), ou Cláusula de Não Indenizar com Eficácia para Ambos os Contratantes – Renúncia ao Direito de Indenização – Promessa de Fato de Terceiro – Estipulação em Favor de Terceiro. In: Revista dos Tribunais, ano 88, vol. 769.

— MUNIZ, Ian; BRANCO, Adriano Castello. Fusões e Aquisições: Aspectos Fiscais e Societários. São Paulo: Quartier Latin, 2011.

— BOTREL, Sérgio. Fusões & Aquisições. São Paulo: Saraiva, 2012.

Carolina Fernandes
Advogada atuante em Direito Empresarial no Marcos Martins Advogados, especialista em Direito Societário pelo Instituto de Ensino e Pesquisa de São Paulo, INSPER.

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