O edital de um concurso público é a lei que rege o certame. Assim, não só os candidatos, como a banca e a administração pública devem seguir as regras contidas no edital.
Além do edital, temos os princípios da administração pública e outras leis superiores que devem ser respeitadas. Dessa maneira, caso a banca cometa atos que vão de encontro a esses princípios e leis, ferirá o princípio da legalidade.
O princípio da legalidade e os concursos públicos
Vejamos o que diz a Constituição Federal:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: […]
I – os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, na forma da lei;
II – a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração.
Em linhas gerais, podemos resumir o princípio da legalidade na administração pública da seguinte forma: a administração pública só pode fazer aquilo que está previsto em lei.
Logo, qualquer atividade, inclusive os concursos públicos, que a administração pública for desempenhar deve haver previsão em lei. Caso contrário, o ato pode ser invalidado e o autor responsabilizado.
Portanto, ainda que o edital seja a regra que rege o concurso público, ele não pode legislar, inovar, criando regras e exigências não previstas em lei.
Para reafirmar esse entendimento, vejamos um julgado do Supremo Tribunal Federal:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LIMINAR. CONCURSO PÚBLICO. JUIZ DO TRABALHO SUBSTITUTO. REQUISITOS. IMPOSIÇÃO VIA ATO DO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO.
“Apenas a lei em sentido formal (ato normativo emanado do Poder Legislativo) pode estabelecer requisitos que condicionem ingresso no serviço público. As restrições e exigências que emanem de ato administrativo de caráter infralegal revestem-se de inconstitucionalidade.” (José Celso de Mello Filho em “Constituição Federal Anotada”)
Exemplos de como a banca pode ferir o princípio da legalidade
Como mencionamos, o edital não pode inovar no sentido de criar regras e exigências que não estão previstas em lei. Contudo, não é raro que o edital de concursos públicos façam exigências ou criem etapas não previstas na lei que criou o cargo.
Vejamos alguns exemplos:
1. Exame psicotécnico sem previsão legal
Por vezes, a banca traz em edital a etapa do exame psicotécnico. Contudo, para que este exame seja considerado legal, deve preencher dois requisitos: estar previsto na lei que criou o cargo e conter critérios objetivos de avaliação.
Isso foi o que decidiu o STF:
Súmula 686
Só por lei se pode sujeitar a exame psicotécnico a habilitação de candidato a cargo público.
2. Teste de aptidão física sem previsão legal
Da mesma forma acontece com o teste de aptidão física (TAF). O TAF tem por objetivo avaliar a capacidade física do candidato para saber se ela é compatível com o desempenho das atribuições relativas ao cargo. Ou seja, além de respeitar o princípio da legalidade (estar prevista em lei) deve respeitar o princípio da proporcionalidade.
Seria desproporcional, por exemplo, exigir de um enfermeiro o mesmo preparo físico de um policial militar.
3. Requisitos de acesso sem previsão legal
É comum nas carreiras militares que alguns critérios relacionados à idade, sexo e altura sejam estabelecidos. Contudo, para serem considerados válidos, devem estar previstos em lei.
Vejamos uma decisão do Superior Tribunal de Justiça nesse sentido:
ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. MANDADO DE SEGURANÇA. DECADÊNCIA. NÃO OCORRÊNCIA. NATUREZA PREVENTIVA. CONCURSO PÚBLICO. POLÍCIA MILITAR DE SANTA CATARINA. ALTURA MÍNIMA. EXIGÊNCIA EDITALÍCIA SEM AMPARO LEGAL. OCORRÊNCIA. ILEGALIDADE RECONHECIDA. 1. Tratando-se de mandado de segurança preventivo, é de ser afastada a alegação de decadência, com fulcro no art. 18 da Lei n.º 1.533/51. Precedente. 2. A vedação à existência de critérios discriminatórios de idade, sexo e altura, em sede concurso público, não é absoluta, em face das peculiaridades inerentes ao cargo em disputa, todavia, é imprescindível que mencionado critério esteja expressamente previsto na lei regulamentadora da carreira. Precedentes do STF e STJ. 3. In casu, inexiste previsão legal de altura mínima para ingresso na Polícia Militar do Estado de Santa Catarina, uma vez que não basta, para viabilizar a adoção do critério discriminatório, a exigência genérica de “capacidade física”, prevista na Lei Estadual 6.218/83. 4. Recurso ordinário conhecido e provido. (STJ – RMS 20637 – SC – PROC. 2005/0147013-9 – Relª Minª LAURITA VAZ Órgão Julgador T5 – 5ª T. – DJU 20.03.2006, p. 311)
4. Exigência de especialização sem previsão legal
É muito comum que, principalmente em concursos da área de saúde, o edital exija, além da graduação, uma especialização. De maneira geral, a lei não exige pós-graduação para exercer a profissão.
Por exemplo, um médico não precisa de especialização em cardiologia para atender como cardiologista. Da mesma forma, um bacharel em direito pode atuar em qualquer área, sem exigência, na administração pública, de especialização.
Assim, querido concurseiro, podemos concluir que o edital é a lei que rege o concurso, porém ela não se sobrepõe às demais leis. Sendo assim, qualquer ato cometido pela banca, ainda que previsto em edital, mas em desacordo com os princípios da administração pública e a Constituição Federal são considerados ilícitos e podem e devem ser anulados.
Portanto, se você se encaixa em alguma dessas situações, não deixe de exigir que seus direitos sejam respeitados.