Após décadas de espera e inúmeras propostas que nunca se concretizaram, a Reforma Tributária foi aprovada pela Câmara dos Deputados, na madrugada de sexta-feira (7/7/23), com expressiva votação, e agora segue para análise do Senado.
O texto-base aprovado é o resultado de uma convergência de aspectos dos textos das PECs 45 e 110, chegando-se a uma versão final após diversos substitutivos. Assim, o projeto de Reforma Tributária que segue para votação no Senado passou por negociações e inserções que visavam atender diversos pleitos dos entes federados e anseios de alguns setores do mercado.
É importante ressaltar que estamos diante de uma reforma tributária do consumo, que abrange, em âmbito federal, o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), o Programa de Integração Social (PIS) e a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS).
Em âmbito estadual e municipal, envolve o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e o Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN).
Unificação de tributos
Tendo como norte a simplificação do sistema tributário nacional, a Reforma Tributária tem como um dos pilares a unificação de tributos, de maneira que o IPI, o ICMS, o ISS, o PIS e a COFINS darão lugar a um tributo administrado pela União e a um tributo que terá a administração dividida entre os Estados e Municípios.
Assim, o modelo adotado é chamado de IVA Dual, representado pela CBS (Federal) e IBS (Estadual e Municipal). Ambos os tributos terão uma série de características em comum, incluindo identidade de fatos geradores, bases de cálculo, hipóteses de não incidência, sujeitos passivos, imunidades, regimes específicos, diferenciados ou favorecidos de tributação, além de regras de não cumulatividade e creditamento.
Base ampla e cálculo por fora
A base ampla dos impostos CBS e IBS significa que eles incidirão sobre operações que envolvam bens materiais (tangíveis), imateriais (intangíveis), serviços e direitos, de maneira indistinta, incluindo tanto as operações internas como as de importação.
A adoção de uma base ampla busca atender algumas demandas da sociedade moderna, já que o surgimento de transações que não representam transferência de mercadorias ou prestação de serviços acabou levando a uma obsolescência do ICMS e do ISS.
Esses tributos já não comportavam, por exemplo, o enquadramento de operações como a venda de softwares ou a cessão de espaço para publicidade on-line, levando a uma discussão quanto à natureza dessas operações – se configurariam venda de mercadoria ou serviço.
Além disso, superando uma crítica ao sistema atual, os novos impostos serão calculados "por fora", ou seja, não estarão incluídos no preço do bem ou serviço, mas serão calculados separadamente, via destaque da operação.
Não cumulatividade
Uma das mudanças introduzidas pela reforma é a adoção do princípio da não cumulatividade. Isso permitirá que os contribuintes tomem crédito integral dos impostos pagos nas etapas anteriores da cadeia produtiva, evitando, assim, a sobreposição de tributos.
Com isso, cada contribuinte ao longo da cadeia arcará apenas com o tributo correspondente ao seu acréscimo de valor, podendo creditar-se do valor já tributado pelos contribuintes anteriores na cadeia.
A ideia central é eliminar os efeitos cumulativos e em cascata de determinados impostos. Isso porque, no cenário atual, os diferentes regramentos sobre a apropriação de créditos de insumos utilizados na produção provocam a permanência de resíduos tributários na cadeia de consumo. Além disso, a dificuldade de recebimento dos créditos referentes aos insumos fomenta a judicialização.
Tributação no destino
Atualmente, o ICMS é recolhido, em parte, ao Estado produtor (origem) e parte ao Estado onde o bem é consumido (destino), o que promove maior complexidade para cumprimento de obrigações principais e acessórias. Além disso, foi entendido pelo legislador como gatilho para a guerra fiscal entre os estados, que acabavam fazendo concessões em busca de atrair mais empresas.
O texto aprovado determina, agora, a integral tributação no destino. Isso significa que a arrecadação do imposto ocorrerá no local de consumo do bem ou serviço, com a sugestão de evitar distorções na arrecadação e buscando combater a chamada "guerra fiscal" entre os estados.
Alíquotas
As alíquotas serão determinadas pelo Senado Federal, com fundamentos em cálculos do Tribunal de Contas da União. No entanto serão estabelecidas em percentuais de referência, permitindo que União, Estados e Municípios possam adotar percentuais maiores ou menores em comparação com a referência estabelecida.
Com a aprovação da Emenda Constitucional, então, cada tributo (CBS e IBS) terá uma Lei Complementar disciplinadora, sendo certo que os entes federados, então, somente poderão legislar sobre sua respectiva alíquota.
A ideia central é reduzir a diversidade de alíquotas existentes e, ao mesmo tempo, replicar a carga tributária hoje existente, de modo que as alíquotas de referência do IBS e da CBS serão calibradas para recompor a perda de arrecadação dos tributos que serão extintos.
Período de transição
Conforme a proposta, o período de transição para a unificação dos tributos terá a duração de sete anos, compreendendo o período entre 2026 e 2032. A partir de 2033, os impostos hoje vigentes serão extintos.
No início da fase de transição, em 2026, a CBS de competência federal terá uma alíquota de 0,9%, enquanto o IVA de competência estadual e municipal terá uma alíquota de 0,1%.
Durante esse período de transição, no ano de 2027, o Programa de Integração Social (PIS) e a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS) serão extintos, e o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) será reduzido a zero.
Em 2029, ocorrerá uma redução escalonada do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e do Imposto sobre Serviços (ISS), anualmente, na proporção de 1/10, até 2032. Paralelamente, as alíquotas do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) serão gradualmente aumentadas para equiparar a arrecadação original dos tributos que serão extintos.
Há expectativa de que, ao término do período de transição, as alíquotas da CBS e do IBS, em conjunto, poderão atingir um percentual de 25%, sendo que as alíquotas definidas pelos senadores permanecerão em vigor até que leis federais, estaduais ou municipais estabeleçam as alíquotas dos respectivos novos tributos sob sua responsabilidade.
Benefícios Fiscais e tratamentos diferenciados
É importante ressaltar que os novos tributos serão determinados por três tipos de alíquotas: a alíquota padrão (como referência), a alíquota reduzida (com redução de 60% do valor da alíquota padrão) e a alíquota zero.
Beneficiados pela alíquota reduzida, temos os seguintes setores:
- serviços de educação;
- serviços de saúde;
- dispositivos médicos e de acessibilidade para pessoas com deficiência;
- medicamentos e produtos de cuidados básicos à saúde menstrual;
- serviços de transporte coletivo de passageiros rodoviário, ferroviário e hidroviário, de caráter urbano, semiurbano, metropolitano, intermunicipal e interestadual;
- produtos agropecuários, pesqueiros, florestais e extrativistas vegetais in natura;
- insumos agropecuários, alimentos destinados ao consumo humano e produtos de higiene pessoal;
- produções artísticas, culturais, jornalísticas e audiovisuais nacionais.
Foi definido também que a lei complementar poderá conceder isenção para serviços de transporte e redução a zero das alíquotas para dispositivos médicos e medicamentos, para produtos hortícolas e para o setor da educação, este último em relação somente ao CBS.
Por meio de uma emenda aglutinativa, também, foram preservadas as atividades beneficias pelo Programa de Retomada do Setor de Eventos (Perse) no que diz respeito a alíquota 0 da CBS até o mês de fevereiro do ano de 2027.
Imposto seletivo
Teremos também a figura do Imposto Seletivo, a encargo da União, que servirá como ferramenta de extrafiscalidade e incidirá sobre bens e serviços prejudiciais à saúde e ao meio ambiente, a exemplo de cigarros e bebidas alcoólicas. A seletividade tributária é aplicada justamente para desestimular o consumo de determinados bens, serviços ou direitos que sejam entendidos como prejudiciais à sociedade.
A legislação que o regulamentará, poderá dispor de base de incidência em diversas fases da cadeia produtiva e também será exigido nas operações de importação.
Os detalhes da cobrança e dos produtos que serão desestimulados pelo imposto seletivo serão definidos posteriormente, via medida provisória, e o fruto da arrecadação será repartido entre União, Estados e Municípios.
Regimes específicos de tributação
O texto abre a possibilidade de regulamentação via Lei Complementar para a criação de regimes específicos de tributação para determinados setores, visando atender às peculiaridades e necessidades de cada atividade econômica.
Um dos setores que receberá um regime específico de tributação é o de combustíveis e lubrificantes. Nesse caso, o imposto incidirá uma única vez sobre esses produtos, independentemente da finalidade para a qual são utilizados.
Outro segmento contemplado é o de serviços financeiros, operações imobiliárias, planos de assistência à saúde e concursos de prognósticos.
A administração pública direta, as autarquias e fundações públicas também serão contempladas com um regime específico de tributação. Isso significa que as operações por elas contratadas terão uma forma de tributação diferenciada, levando em conta as peculiaridades do setor público.
As sociedades cooperativas, por sua vez, contarão com um regime de tributação opcional. Esse regime tem como objetivo assegurar a competitividade dessas organizações, respeitando os princípios da livre concorrência e da isonomia tributária. Dessa forma, as cooperativas poderão escolher se aderem ao regime geral ou optam pelo regime específico que melhor se adequar às suas atividades e necessidades.
Conselho Federativo
Será criado um Conselho Federativo responsável por centralizar a arrecadação do IBS que vai substituir o ICMS e o ISS. Esse conselho terá também outras atribuições, como editar normas infralegais, uniformizar a interpretação de normas e distribuir arrecadação entre os entes.
O órgão será financiado por parte da arrecadação do IBS e terá independência no que se refere a técnica, administração, orçamento e finanças. Será formado por representantes dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, que alternarão, entre si, a presidência.
A importância do compliance para enfrentar os desafios que virão
À medida que novas regras são implementadas, é crucial que as empresas se preparem para lidar com as complexidades do novo sistema tributário. Os contribuintes devem estar preparados para atualizar seus sistemas de contabilidade e o sistema de apuração de tributos, a fim de garantir a conformidade com as novas regras fiscais.
Além disso, pode ser necessário investir em treinamento para a equipe responsável pela área tributária, a fim de garantir que os profissionais estejam familiarizados com as mudanças e sejam capazes de aplicá-las corretamente, desde o regime de transição até a implementação total.
Todos iremos enfrentar um grande desafio relacionado ao compliance tributário, especialmente durante o longo período de transição. Será necessário lidar simultaneamente com a modalidade atual de recolhimento de tributos e suas obrigações acessórias, além de nos adaptarmos aos novos requisitos que serão implementados.
Isso inclui a compreensão e aplicação de novas bases de cálculo, a adoção de uma sistemática diferente para a tomada de créditos fiscais e o cumprimento de obrigações acessórias distintas. É importante ressaltar que esse desafio ocorrerá em paralelo ao sistema tributário atual, que, por si só, já é bastante complexo.
De toda sorte, as alterações ocorrem em âmbito constitucional, e leis complementares virão para regulamentá-las. O certo é que vamos acompanhar os acalorados debates que prometem movimentar os novos tempos.