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Contratos administrativos: Reequilíbrio econômico-financeiro e custos de transação

O contraste entre a teoria e a prática da revisão, do reajuste e da repactuação revelam possíveis impactos negativos nos custos de transação dos agentes que optam por participar de contratações públicas.

8/7/2023

A doutrina (teoria) aprofundada em matéria de revisão, reajuste e repactuação contratual muitas vezes contrasta com uma prática administrativa não só pouco efetiva como capaz de impactar negativamente os custos de transação dos agentes que optam por participar de contratações públicas.

Os custos de transação são aqueles que os agentes econômicos suportam para “usar o mercado” ou, no caso das contratações públicas, para participar de licitações e contratar com o Poder Público. São custos que vão além dos custos efetivos com despesas e investimentos. São, de fato, os custos inerentes às transações de mercado.

Segundo Ronald Coase (economista que ganhou o Prêmio Nobel em 1991 pela descoberta e esclarecimento da importância dos custos de transação para a estrutura institucional e funcionamento da economia), o sistema legal é crucial num regime de custos de transação positivos – que é o mundo real. Um regime de custos de transação zero é apenas uma hipótese em que as partes negociariam para modificar qualquer disposição da lei que as impedisse de tomar as medidas necessárias para gerar a maior riqueza possível. No mundo real, em que há custos de transação, tal negociação seria tão custosa a ponto de inviabilizar (mesmo se permitida) a celebração de uma grande quantidade de contratos contornando a lei. Por isso, os direitos que os indivíduos possuem, com deveres e privilégios, são, em grande medida, determinados por lei.1

Assim, a previsão legal de institutos de revisão, reajuste e repactuação contratual visa à mitigação dos custos de transação do mercado de contratações públicas. Na medida em que essas garantias são desrespeitadas ou relativizadas, há impacto não só nos custos diretos que compõem as condições efetivas da proposta do contratado (por elas tutelados), mas também nos custos de transação de toda a operação – e, consequentemente, na ponderação dos riscos da contratação administrativa.

1. A manutenção da equação econômico-financeira contratual

A manutenção do equilíbrio da equação econômico-financeira do contrato é um direito constitucional do contratado (art. 37, inc. XXI).

Na teoria, o equilíbrio dessa equação pode (deve) ser restabelecida (ou preservada) mediante uso de três instrumentos jurídicos diferentes: a revisão (ou recomposição), o reajuste (ou reajustamento) e a repactuação.

1.1. A revisão ou recomposição de preços

A revisão de preços destina-se à reanálise e reformulação do conjunto de direitos e deveres assumidos pelas partes na contratação, de modo a garantir que um determinado plexo de encargos terá como contrapartida a remuneração correspondente.

Assim, por força desse instituto, o contrato deverá ser alterado quando houver a ruptura da equação contratual por força maior, caso fortuito, fato do príncipe, fato da Administração ou quaisquer fatos imprevisíveis ou previsíveis com consequências que eram incalculáveis quando da formulação da proposta de preços.

Portanto, a revisão contratual pode ser concedida a qualquer tempo, independentemente de previsão contratual, desde que preenchidos os critérios extraídos da Lei (art. 65, inc. II, alínea “d”, da lei 8.666/93; art. 124, inc. II, alínea “d”, da lei 14.133/21; ou art. 81, inc. VI da lei 13.303/16).

1.2. O reajuste ou reajustamento de preços

O reajuste é a atualização periódica do valor nominal da remuneração devida ao contratado. Trata-se da indexação dos preços contratuais a determinado indicador econômico (ou fórmula), previsto no termo contratual ou no edital, visando a garantir a atualidade dos preços praticados diante dos efeitos da inflação.

Tem previsão legal expressa nos arts. 2º e 3º da lei 10.192/01 (que institui o Plano Real), art. 69, inc. III, da lei 13.303/16, arts. 40, inc. XI, e 55, inc. III, da lei 8.666/93 e arts. 6º, inc. LVIII, e 92, inc. V, da lei 14.133/21.

Não é um benefício do contratado. Presta-se somente a garantir a manutenção do valor real da moeda. Logo, possui natureza prospectiva, no sentido de promover antecipadamente o equilíbrio da avença.

A lei 14.133/21, diferentemente da lei 8.666/93, passou a distinguir o reajustamento lato sensu do reajustamento stricto sensu. Enquanto a figura do reajuste foi nomeada reajustamento em sentido estrito, a repactuação passou a integrar a categoria do reajustamento em sentido amplo (art. 25, § 8º, e art. 92, § 4º).

1.3. A repactuação de preços

A repactuação é uma inovação legislativa da lei 14.133/21 (arts. 6º, inc. LIX, e 135), que até então só tinha se desenvolvido em nível regulamentar (art. 12 do decreto 9.507/18). Busca garantir o equilíbrio de contratações em que o custo destinado à mão de obra é predominante, o que normalmente envolve problemas decorrentes da legislação trabalhista (dissídios ou convenções).

Por um lado, parece-se com o reajuste, pois ocorre a cada 12 meses ou quando o contrato é renovado. Por outro, aproxima-se da revisão, pois se trata de uma discussão entre as partes sobre as variações de custos efetivamente ocorridas. Isto é, não há uma “mera e automática aplicação de um indexador de preços” (como no reajuste), e sim um exame quanto à “real evolução dos custos do particular” (semelhante à revisão).2

2. A revisão, o reajuste e a repactuação na prática jurídico-administrativa

Contudo, a prática jurídica releva que a inexistência de planejamento adequado ou de uma negociação prévia e capaz de proporcionar cláusulas contratuais mais técnicas, e que regulamentem adequadamente as possíveis contingências da execução contratual, pode aumentar (em vez de diminuir) os custos de transação das partes, porque posterga conflitos (administrativos, judiciais ou arbitrais).3

Ao postergar todos os eventuais conflitos de interesse na contratação, surgem custos de transação ex post,4 que derivam dessas inadaptações não negociadas (ou não negociáveis) e se manifestam em litígios administrativos, judiciais ou arbitrais de revisão, reajuste ou repactuação com diversos desdobramentos e pouca segurança jurídica.

Nesse cenário revelam-se diversas incongruências. Por exemplo:

(i) instaurada a controvérsia, dificilmente chega-se a um consenso (entre Administração e particular) de qual seria o equilíbrio ideal da equação econômico-financeira, de modo que se torna quase imprescindível o acionamento do Judiciário;

(ii) os índices e regras de reajuste são usualmente definidos de forma unilateral pela Administração, o que deixa o particular refém de eventuais discricionariedades arbitrárias nessa matéria (como a incidência da preclusão lógica ao pleito de reajuste, em razão da assinatura de aditivo); e

(iii) a jurisprudência do STJ não acompanhou as inovações legais e administrativas em matéria de repactuação e não tem reconhecido a quebra da equação econômico-financeira em razão de dissídios ou convenções trabalhistas.

Assim, na tentativa de aplicação de institutos voltados à preservação do equilíbrio econômico-financeiro contratual (institutos que, em tese, servem justamente para diminuir custos de transação), surgem novos problemas – que, por si sós, impactam a proporcionalidade entre encargos e vantagens e elevam os custos de transação do mercado de contratações públicas.

2.1. A dificuldade na definição da onerosidade excessiva

Em matéria contratual, muitas vezes o interesse público e a vantajosidade são confundidos com a simples ideia de que a Administração deve desembolsar a menor quantidade de dinheiro possível. Na prática, isso implica adotar como regra a denegação de praticamente todos os pleitos administrativos de revisão de preços, sem a garantia de um devido processo administrativo, e deixando a cargo do particular eventual ação judicial – em que ficará sujeito aos riscos de sucumbência, colaborará com a sobrecarga do Poder Judiciário e, eventualmente, receberá valores defasados em regime de precatório.

Tudo isso torna-se possível graças à falta de regras claras (contratuais, regulamentares ou legais) sobre equilíbrio econômico-financeiro, especialmente quanto à definição dos riscos assumidos por cada parte e quanto à aplicabilidade da teoria da imprevisão.

Nesse sentido, o TCU já teve oportunidade de apontar que o ente público deve conferir “maior transparência ao processo de análise sobre a plausibilidade das solicitações de recomposição dos preços dos insumos”. Recomendou que se “estabeleça, em ato normativo próprio, algum tipo de parâmetro visando a caracterizar em quais casos os percentuais de reajuste dos materiais serão materialmente relevantes, a ponto de resultar em impacto considerável na avença e justificar a hipótese de reequilíbrio econômico-financeiro prevista no art. 65, inciso II, alínea ‘d’, da Lei 8.666/1993”.

Quanto à aplicação da teoria da imprevisão, concluiu que quando “a Lei não estabelece critérios objetivos sobre determinado conceito cabe ao intérprete conferir-lhe significação ante o caso concreto que se lhe apresente”. Assim, desde que se “tome o cuidado devido na apreciação da situação particular de cada contrato correspondente a cada de pedido de reequilíbrio”, não haverá “riscos de danos ao erário”.5

2.2. O óbice à aplicação do reajuste por suposta preclusão lógica

Como não há negociação prévia à assinatura do contrato, muitas vezes as cláusulas firmadas são omissas ou admitem interpretações abusivas. É o que acontece, por exemplo, quando a Administração invoca a ocorrência de renúncia tácita ao direito de reajuste diante de aditamento contratual, sem qualquer previsão expressa no contrato, edital ou termo aditivo.

Não são raras as ocasiões em que a Administração nega o pleito de reajuste formulado pelo particular, sob o argumento de que, com a assinatura de termo aditivo em que não se ressalva o direito de reajuste, o contratado teria anuído com todas as cláusulas inicialmente previstas em contrato (inclusive seu valor inicial).

Entretanto, a assinatura de aditivos contratuais omissos não tem (e nem poderia ter) como efeito eliminar o direito constitucional e legal do contratado ao reajuste.6 Novamente, o particular é obrigado a recorrer ao Judiciário.

Sobre esse tema, recentemente, a Advocacia-Geral da União (AGU) emitiu parecer concluindo que “a celebração de termo aditivo para renovação das obrigações pactuadas por um período subsequente não representa per si e em regra medida logicamente incompatível com a concessão do reajuste em sentido estrito dos preços pactuados, uma vez que o reajuste consubstancia mera expressão da preservação da equação econômico-financeira dos contratos administrativos mediante correção monetária que retrate a variação efetiva dos custos de produção”.

Definiu, inclusive, requisitos para a configuração de renúncia ao direito de reajuste: (a) que “o edital ou contrato preveja expressamente que a concessão do reajuste resta condicionada à solicitação do contratado”; (b) “que não haja solicitação do reajuste antes da celebração de aditamento de vigência”; (c) que “seja celebrado aditamento para a prorrogação do prazo de vigência do contrato sem qualquer ressalva quanto à ulterior análise pela Administração do reajuste”; e (d) que “o edital expressamente preveja que a formalização do aditamento sem a concessão do reajuste, ou ressalva de sua superveniente análise, será considerada como renúncia ou preclusão lógica do direito”.7

O STJ também reconhece que a mera assinatura de aditivos contratuais não implica renúncia a direitos neles não contemplada.8 Afinal, trata-se de direito constitucional e legal do contratado.

2.3. A insegurança jurídica quanto à aplicabilidade da repactuação

Por outro lado, a jurisprudência do STJ não tem acompanhado a prática administrativa quanto à aplicabilidade da repactuação em contratos administrativos. É pacífico no STJ a negativa ao reconhecimento de quebra da equação econômico-financeira contratual decorrente de convenções ou dissídios coletivos, salvo orientação contratual diversa.9

Com isso, deixa-se de considerar que a teoria da imprevisão também abarca eventos previsíveis, mas de efeitos incalculáveis, como a alteração superveniente dos benefícios patrimoniais reconhecidos aos trabalhadores em decisões alheias à execução contratual.10 A suposta ausência do critério “imprevisibilidade” não pode ser justificativa para a denegação ao direito de repactuação.

Como consequência, o particular (i) precificará possível variação desses benefícios trabalhistas em sua proposta de preços (gerando proposta menos competitiva); ou (ii) participará da licitação sem considerar essas variações e, eventualmente, será surpreendido com a negativa à repactuação e com a necessidade de arcar com esses valores adicionais por seus próprios recursos; ou (iii) simplesmente deixará de participar de contratações públicas cujo custo destinado à mão de obra é predominante.

3.   Conclusão

A percepção e a reflexão sobre essa problemática são urgentes e de suma importância para a garantia da segurança jurídica e da eficiência estatal – que dependem mais da bilateralidade e da busca pelo consenso do que de atos administrativos unilaterais e coercitivos.

Em tese, a garantia constitucional ao reequilíbrio econômico-financeiro dos contratos administrativos deve diminuir os custos de transação das contratações públicas. Isto é, tornar esse mercado mais atrativo (ao menos nesse aspecto) do que o mercado privado.

Contudo, dificuldades práticas na implementação dessa garantia, com a criação de empecilhos para revisão, reajuste ou repactuação de contratos (notadamente devido à falta de negociação capaz de proporcionar cláusulas contratuais mais técnicas e adequadas a cada caso concreto), tendem a aumentar os riscos, a elevar os custos de transação das partes envolvidas, e a reduzir a atratividade desses investimentos.

Consequentemente, todo o sistema é prejudicado. Afinal, a redução de competidores em processos licitatórios significa menos propostas vantajosas e competitivas, o que afeta o erário e a própria sociedade (usuária do serviço público e destinatária final dessas contratações).

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1 COASE, Ronald Harry. Prize Lecture. Nobel Prize Outreach. Disponível em: https://www.nobelprize.org/prizes/economic-sciences/1991/coase/lecture/. Acesso em: 30 jun. 2023.

2 JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 14. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2023. p. 327

3 Sobre o tema: ALMEIDA, Fernando Dias Menezes de. Contrato Administrativo. São Paulo: Quartier Latin, 2012, p. 318-347.

4 CAMELO, Bradson; NÓBREGA, Marcos; TORRES, Ronny Charles L. de. Análise econômica das licitações e contratos: de acordo com a lei 14.133/21. Belo Horizonte: Fórum, 2022, p. 231-232.

5 TCU, Plenário, Acórdão 1.604/2015, Rel. Min. Augusto Nardes, sessão de 01.07.2015.

6 JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratações Administrativas. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021, p. 1435.

7 BRASIL. Advocacia-Geral da União. Parecer 00003/2023/DECOR/CGU/AGU, de 13 de janeiro de 2023. Brasília, DF: Advocacia-Geral da União, 2023.

8 STJ, 2.ª T., REsp 1.894.018/PR, rel. Min. Herman Benjamin, j. 3.11.2020, DJ 17.12.2020.

9 STJ, 2.ª T., AgInt no REsp 2.025.840/AL, rel. Min. Herman Benjamin, j. 20.03.2023, DJ 04.04.2023; STJ, 1.ª T., AgInt no RMS 65.937/MT, rel. Min. Benedito Gonçalves, j. 03.10.2022, DJ 05.10.2022.

10 JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 14. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2023. p. 328.

Mayara Gasparoto Tonin
Mestre em Direito Comercial pela USP. Graduanda em Economia pelo IDP. Bacharel em Direito pela UFPR. Advogada na Justen, Pereira, Oliveira & Talamini Advogados Associados.

Mariana Randon Savaris
Especialista em Licitações e Contratos Administrativos pela PUC/PR. Bacharel em Direito pela UFPR. Advogada na Justen, Pereira, Oliveira & Talamini Advogados Associados.

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