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O Conselho Federativo criado pela reforma constitucional tributária aprovada pela Câmara dos Deputados

Assunto fascinante e que muito nos ocupará, nos próximos anos.

7/7/2023

O Conselho Federativo é uma das figuras mais impactantes e interessantes da reforma constitucional tributária (PEC 45/19), aprovada em sessão iniciada ontem (6/7/23) e que avançou pela madrugada de hoje na Câmara dos Deputados.

O Conselho Federativo é considerado entidade pública técnica e administrativamente independente, que tem por função representar (ou seria presentar?) os entes federativos subnacionais (isso é, todos os entes, salvo a União). Digo “presentar” porque, pelo texto constitucional, o Conselho agirá como se fosse o resultado desse amálgama integrado pelos entes federativos subnacionais, ou, dizendo-se de outro modo, o Conselho é composto pelos entes federativos subnacionais (embora com eles não se confunda e com eles possa até mesmo litigar, como mostrarei adiante). De todo modo, ainda que se entenda que o Conselho não presentará, ao menos representará Estados, Distrito Federal e Municípios.

Na instância do Conselho Federativo serão tomadas as decisões mais importantes relacionadas ao imposto de bens e serviços (IBS): edição de normas infralegais, uniformização da interpretação normativa de forma vinculante, arrecadação do imposto e distribuição do produto arrecadado, resolução de dúvidas suscitadas no contencioso tributário. Trata-se, pois, de órgão que edita normas, faz gestão administrativa e dirime litígios.

A proposta aprovada contempla formas bastantes sofisticadas de participação dos entes federativos no Conselho e de aprovação das deliberações. Note-se que a proposta aprovada transfere decisões (lato sensu) que seriam de cada um dos entes subnacionais para o Conselho, que atuará como órgão técnico e político. Assim, e em princípio, não haverá mais leis estaduais ou municipais a respeito (como sucede com os impostos que serão substituídos pelo IBS, isso são, hoje, o ICMS e o ISS), pois o IBS será disciplinado pela Constituição, pela lei federal complementar que ainda será aprovada e pelas regras infralegais editadas pelo Conselho.

Essas regras infralegais, em princípio, consistirão em atos normativos secundários, pois retirarão sua força da lei complementar. Nem por isso, a meu ver, escaparão do controle de constitucionalidade exercido pelo Supremo Tribunal Federal, em casos em que assumirem a feição de atos normativos primários (p.ex., estabelecendo direitos e deveres disciplinando o que consta da Constituição, sem que antes desta se coloque a lei complementar).

Se não através de controle abstrato, ao menos em controle difuso o Supremo acabará conferindo a constitucionalidade dos atos realizados e das normas editadas pelo Conselho. É que os conflitos relacionados ao IBS entre os entes subnacionais, ou entre estes entes e o Conselho, serão julgados pelo Superior Tribunal de Justiça (receberiam a classificação processual de “conflito federativo” ou, à semelhança do que sucede no Supremo Tribunal Federal, de “ação cível originária”?). Trata-se, aqui, de competência originária, e o Superior Tribunal de Justiça haverá de interpretar e aplicar todas as normas pertinentes (constitucionais ou infraconstitucionais, aqui incluídas as infralegais). Contra a decisão final do Superior Tribunal de Justiça cabe, em tese, recurso extraordinário para o Supremo.

Aliás, não deixa de chamar a atenção um dado curioso: tanto esforço se fez e se tem feito para a aprovação da relevância da questão federal para a admissibilidade do recurso especial com o propósito de se reduzir a quantidade de processos no Superior Tribunal de Justiça (que ainda aguarda disciplina normativa infraconstitucional), e a reforma constitucional tributária cria nova competência para este Tribunal. A depender do que se dispuser na lei complementar regulamentadora e nas normas infralegais, e, também, do grau de litigiosidade entre os entes subnacionais e entre estes e o Conselho, o Superior Tribunal de Justiça terá muito trabalho.

Ainda há muito a falar a respeito, mas deixo aqui essas primeiras impressões, para considerações e críticas. Voltarei a este e a outros temas da reforma. A PEC, agora, seguirá para o Senado Federal. Assunto fascinante e que muito nos ocupará, nos próximos anos.

José Miguel Garcia Medina
Doutor e mestre em Direito Processual Civil pela PUC/SP. Membro da Comissão de Juristas nomeada pelo Senado Federal para a elaboração do anteprojeto que deu origem ao Código de Processo Civil de 2015.

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