O parágrafo único do art. 131 da Nova lei Geral de Licitações e Contratos (NLGLC) estabelece que o pedido de restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro deverá ser formulado durante a vigência do contrato e antes de eventual prorrogação.
Como bem observa Sidney Bittencourt1, a tendência “é que o dispositivo seja adotado como fundamento para rejeitar qualquer tipo de pedido de reequilíbrio, seja por meio de reajuste, revisão ou repactuação, que não tenha sido objeto de pedido prévio ao término da vigência contratual e à celebração do aditivo de prorrogação”.
Mas qual seria a natureza jurídica do instituto trazido pelo parágrafo único do art. 131 da NLGLC?
Bom, para Hamilton Bonatto2, tal dispositivo estabelece uma hipótese de preclusão lógica3 ao direito de reequilibrar o contrato administrativo decorrente de uma renúncia tácita por parte do contatado. Para tanto, afirma o autor que: “quando o contratado não formula o pedido de reequilíbrio econômico-financeiro durante a vigência do contrato e antes de eventual prorrogação, configura-se renúncia a este direito. O contratado tendo direito ao reequilíbrio econômico-financeiro, ao firmar termo aditivo de prorrogação contratual sem solicitar esse direito, está ratificando os preços anteriormente pactuados. Neste caso, portanto, ocorre a preclusão lógica, caracterizada pela prática de atos contrários ao exercício desse direito em momento pretérito. No caso, o contratado, ao assinar o termo aditivo para a prorrogação, ou deixar de solicitar o reequilíbrio econômico-financeiro durante a vigência contratual, aceita os termos anteriormente pactuados, não podendo mais, em momento posterior, cogitara alteração do pacto. Da mesma forma, se o contratado iniciar a execução do contrato sem que comisso requeira a revisão contratual e estabeleça o preço revisado, reconhece que o preço que ofertou durante o procedimento licitatório é adequado e exequível naquelas condições, caracterizando-se, com isso, a renúncia ao reequilíbrio econômico-financeiro, tendo em vista a preclusão lógica”.
Joel de Menezes Niebuhr discorda de tal entendimento.
Para o autor4, o parágrafo único do art. 131 da NLGLC reflete um caso de preclusão temporal, e não de preclusão lógica. Neste particular, colham-se as suas lições: “Um dos argumentos empregados na defesa do reconhecimento da preclusão lógica é que, se o contratado pretendesse novos valores, deveria tê-los pleiteado antes do aditivo de prorrogação, para que a Administração pudesse avaliar se a prorrogação seria vantajosa sob essas novas condições. O pedido anterior seria uma espécie de ressalva, que alertaria a Administração sobre a pendência da repactuação ou da revisão e que teria o efeito de obstar a preclusão lógica. A tese não se sustenta, pelo menos não num plano geral, sobretudo porque infantiliza a Administração. Em especial no caso de repactuação, não há surpresa para a Administração, que não precisa ser alertada de coisa alguma porque tem plena ciência das datas-bases das categorias envolvidas no contrato. Não é plausível a condescendência com a postura omissiva da Administração, que não suscita a questão e firma o termo aditivo em silêncio, para não chamar a atenção do contratado, procurando esconder-se numa corrente observação lacônica prevista no final dos termos aditivos de que são mantidas as demais condições contratuais, que não se confunde com renúncia ao direito à repactuação. A Administração, que não é hipossuficiente, bem ao contrário, porque se vale de uma série de prerrogativas, é quem teria a obrigação de fazer constar no termo aditivo de forma expressa e direta que o contratado renuncia à repactuação, em prestígio ao artigo 114 do Código Civil, aplicado de forma subsidiária para os contratos administrativos. De toda sorte e por rigor, o parágrafo único do artigo 131 da lei 14.133/21 deu outra dimensão ao assunto, porque prescreveu hipótese de preclusão temporal, que ocorre quando o detentor do direito goza de um prazo para exercê-lo. Essa preclusão se dá por força de lei, não depende de previsão em contrato ou em termo aditivo nem de uma parte avisar a outra. O decurso do prazo sem o exercício do direito importa na sua perda. Veja-se que o comando do parágrafo único do artigo 131 liga-se diretamente ao prazo do contrato. O fim do prazo contratual, sem a prorrogação, opera a sua extinção e, por via de consequência, diante da dicção legal, a perda do direito de reequilíbrio econômico-financeiro não requerido antes dele. A questão não é relativa a qualquer sorte de incompatibilidade lógica e sim de inação dentro do prazo contratual”.
Em razão do novo caráter processual conferido pela NLGC às licitações e aos contratos em contraponto ao caráter meramente procedimental da lei 8.666/935, faz muito sentido discutir a eventual natureza preclusiva
Na lição de Elpídio Donizetti6 a partir do texto do CPC/15 (cuja aplicação é supletiva e subsidiária aos processos administrativos, lembremos) extraem-se três modalidades de preclusão: “Preclusão temporal: decorre da inércia da parte que deixa de praticar um ato no tempo devido. Preclusão lógica: decorre da incompatibilidade entre o ato praticado e outro, que se queria praticar também (art. 1.000, parágrafo único). Ao cumprir o julgado, perde a parte o interesse no recurso. Preclusão consumativa: origina-se do fato de ter praticado o ato, não importa se bem ou mal. Uma vez praticado, não será possível realiza-lo novamente”.
Já para Daniel Amorim Assumpção Neves7, “a preclusão consumativa se verifica sempre que realizado o ato processual. Dessa forma, somente haverá oportunidade para realização do ato uma vez no processo e, sendo esse consumado, não poderá o interessado realizá-lo novamente e tampouco complementá-lo ou emendá-lo. Essa espécie de preclusão não se preocupa com a qualidade do ato processual, limitando-se a impedir a prática de ato já praticado, ainda que de forma incompleta ou viciada”, ao passo que “na preclusão lógica, o impedimento de realização de ato processual advém da realização de ato anterior incompatível logicamente com aquele que se pretende realizar”. Já sobre a preclusão temporal, o autor afirma que “quando um ato não puder ser praticado em virtude de ter decorrido o prazo previsto para sua prática sem a manifestação da parte. Ao deixar a parte interessada de realizar o ato dentro do prazo previsto, ele não mais poderá ser realizado, já que extemporâneo”.
Por fim, para Rennan Faria Krüger Thamay8 a preclusão temporal “consubstancia-se na perda, pelo não exercício tempestivo ou intempestivo, do direito de praticar ato processual”, enquanto a “preclusão consumativa é aquela que se concretiza por já ter sido praticado determinado ato processual específico, sendo por isso descabido querer realizá-lo novamente em momento posterior” sendo ao final a preclusão lógica a que “se desenvolve pelo fato de que o sujeito que poderia realizar determinado ato acaba realizando antes ato totalmente contrário ao que pretende posteriormente realizar, tornando-se extinta a possibilidade de realizar ato posterior contrário ao anterior”.
Mas, na prática, por que se discutir se os pedidos de reequilíbrio econômico-financeiro nos contratos administrativos sofrem os efeitos da preclusão lógica, da preclusão temporal ou da preclusão consumativa?
Pois bem, Daniel Amorim Assumpção Neves10 nos dá a resposta, vez que ele bem esclarece que a “preclusão temporal pode ser excepcionalmente afastada diante do descumprimento de um prazo próprio se a parte convencer o juiz de que não praticou o ato processual por justa causa, ou seja, em razão de evento alheio à vontade da parte suficiente para impedir a ela ou a seu mandatário de praticar o ato processual”.
Veja, ainda sob a processualística do CPC/73, o STJ já tinha o entendimento de que “esgotado o prazo estipulado para a prática do ato processual, tem-se a preclusão temporal, a qual, todavia, poderá ser afastada, desde que a parte prove que não o realizou por justa causa".
Ora, prevalente o entendimento de Niebuhr, não são necessárias maiores elucubrações para imaginar o surgimento de diversas alegações de “justas causas” para o afastamento daquela que seria a preclusão temporal prevista no parágrafo único do art. 131 da NLGLC.
Justificada a importância de saber se o parágrafo único do art. 131 da NLGLC veicula a incidência de preclusão lógica, de preclusão temporal ou de preclusão consumativa nos pedidos de reequilíbrio econômico financeiro, resta agora tentarmos saber qual desses tipos de preclusão de fato decorre do excogitado dispositivo.
O art. 200 do CPC que estabelece que “os atos das partes consistentes em declarações unilaterais ou bilaterais de vontade produzem imediatamente a constituição, modificação ou extinção de direitos processuais” é associado como a base normativa da preclusão consumativa, sendo a da preclusão temporal, o art. 223 daquele diploma que, por seu turno, preconiza que, “decorrido o prazo, extingue-se o direito de praticar ou de emendar o ato processual, independentemente de declaração judicial, ficando assegurado, porém, à parte provar que não o realizou por justa causa”. Por derradeiro, aponta-se o art. 1000 do CPC como a base normativa da preclusão lógica, vez que ele estabelece em seu caput que “a parte que aceitar expressa ou tacitamente a decisão não poderá recorrer” e em seu parágrafo único que “considera-se aceitação tácita a prática, sem nenhuma reserva, de ato incompatível com a vontade de recorrer”.
Da leitura das bases normativas da preclusão lógica, da preclusão temporal e da preclusão consumativa no CPC, nos parece que não há como sustentar que o parágrafo único do art. 131 da NLGLC consubstancie a incidência de uma preclusão temporal sobre o direito de pleitear o reequilíbrio da equação econômico financeira de um contrato administrativo.
A preclusão prevista no parágrafo único do art. 131 da NLGLC está atrelada pragmaticamente a dois eventos: o fim da vigência contratual e o termo aditivo que instrumentaliza uma eventual prorrogação.
No caso do fim da vigência contratual, até poder-se-ia cogitar uma “funigibilidade” entre os conceitos contidos no art. 223 e 1000 do CPC mas, no caso da celebração de termo aditivo de prorrogação, só os conceitos do art. 200 e do art. 1000 fazem sentido.
Então sim, pela adequação tanto ao fim da vigência contratual, quanto a prorrogação dos contratos, o parágrafo único do art. 131 da NLGLC veicula um hipótese de preclusão lógica e não de preclusão temporal, não se podendo, por consequência, se cogitar na existência de “justas causas” elisivas.
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1 Bittencourt, Sidney, Nova Lei de Licitações passo a passo, Belo Horizonte: Fórum, 2021, pág. 794.
2 Bonatto, Hamilton, comentários ao Artigo 131., In: Fortini, Cristiana; Oliveira, Rafael Sérgio Lima de; Camarão, Tatiana (Coord.). Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos: Lei nº 14.133, de 1º de Abril de 2021 - Volume 2. Belo Horizonte: Fórum, 2022, pág. 393.
3 Ronny Charles Lopes de Torres também entende que o parágrafo único do art. 131 da NLGLC veicula uma hipótese de preclusão lógica e que tal tipo de preclusão também afeta eventual direito ao reequilíbrio em favor da Administração: “Não parece legítimo que a preclusão lógica seja exigida apenas em detrimento do contratado. Nesse raciocínio, em contratos de fornecimento s contínuos, caso a Administração aceite a prorrogação (renovação) sem iniciar o procedimento para alteração econômica do contrato, tendo em vista fato gerador de reequilíbrio (por exemplo, redução dos custos relacionados a tributo extinto), ela estaria abdicando, tacitamente, dessa prerrogativa, ao menos em relação àquele período.” (Torres, Ronny Charles Lopes de, Leis de licitações públicas comentadas, 12ª ed., rev., ampl. e atual., São Paulo: Ed. Juspodivm, 2021, pág. 656). E, muito embora seja crítico ao parágrafo único do art. 131 da NLGLC, Marçal Justen Filho entende, tal como Ronny Charles, que, se aplicável a preclusão aos pleitos de reequilíbrio do contratado, a mesma também deve afetar o Poder Público: “A prevalência da concepção da preclusão implica que, se a Administração deixar de manifestar a sua discordância quanto a determinados itens ou remunerações e a prorrogação for formalizada, não se admitirá a renovação da discussão em momento posterior.” (Justen Filho, Marçal, Comentários à Lei de Licitações e Contratações Administrativas, São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021, pág. 1.455)
4 Niebuhr, Joel de Menezes, Licitação pública e contrato administrativo, 5ª. ed., Belo Horizonte: Fórum, 2022, págs. 1.160/1.161.
5 “Via de regra a atividade administrativa se dá em sede processual. Diversos atos administrativos são praticados de forma encadeada e num ambiente submisso a algum rito específico.(...) No âmbito das licitações, o art. 38 da Lei nº 8.666/1993 destacava, mesmo antes da promulgação da Lei nº 9.784/1999, muito claramente que ‘o procedimento da licitação será iniciado com a abertura de processo administrativo, devidamente autuado, protocolado e numerado, contendo a autorização respectiva, a indicação sucinta de seu objeto e do recurso próprio para a despesa, e ao qual serão juntados oportunamente’. Mas as garantias processuais nas licitações e nos contratos administrativos no regime anterior ao da Lei nº 14.133/2021 eram bastante tímidas e a sua observância não fazia parte da praxe da Administração Pública. Já na Nova Lei Geral de Licitações e Contratos (NLGLC) há de forma bem mais robusta e profusa uma reiterada remissão à característica processual da licitação de forma bem expressa nos arts. 6º, 9º, 11, 12, 13, 15, 17, 18, 19, 23, 25, 26, 32, 53, 54, 61, 69, 71, 79, 81, 82, 86, 88, 89 e 145. O Novo Marco Legal das Contratações Públicas também ressalta a importância da processualização no âmbito dos contratos administrativos, conforme se percebe da leitura dos arts. 72, 91, 122, 137 e 138”. (Araújo, Aldem Johnston Barbosa, As garantias do due process of law na Nova Lei Geral de Licitações e Contratos, in Obras Públicas e Serviços de Engenharia na Nova Lei de Licitações e Contratos, Aldem Johnston Barbosa Araújo e Leonardo Saraiva (Coord.), Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2021, págs. 29/30)
6 Donizetti, Elpídio, Curso didático de direito processual civil, 20ª ed. rev., atual. e ampl., São Paulo: Atlas, 2017, pág. 506.
7 Neves, Daniel Amorim Assumpção, Manual de direito processual civil – Volume único, 8ª ed., Salvador: Ed. JusPodivm, 2016, pág. 651.
8 Thamay, Rennan, Manual de direito processual civil, São Paulo: Saraiva Educação, 2018, págs. 264/265.
9 Neves, Daniel Amorim Assumpção, Manual de direito processual civil – Volume único, 8ª ed., Salvador: Ed. JusPodivm, 2016, pág. 651.
10 AgRg no REsp 1014236/DF, Rel. Min. LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, DJe 03/11/2008.