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Reajuste de planos de saúde coletivos: como saber se o aumento é abusivo?

Apesar de o reajuste dos planos coletivos não ser controlado pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), o consumidor teve se atentar quanto a possível abusividade.

6/7/2023

Inicialmente, importante esclarecer que planos de saúde coletivos são aqueles contratados por pessoas jurídicas e podem ser (i) empresariais, quando o contratante é uma empresa que oferece o plano como benefício aos seus empregados, ou ainda nos casos de empresários individuais, ou (ii) coletivos por adesão, quando as pessoas jurídicas contratantes são entidades de caráter profissional, classista ou setorial, sendo possível contar com a participação de uma administradora de benefícios.

Os possíveis reajuste de um plano coletivo, por adesão ou empresariais, são:

Reajuste por variação de custos (VCMH): este tipo de reajuste é efetuado no mês da assinatura do contrato, podendo ser aplicado, no máximo, uma vez por ano.

Reajuste por faixa etária: permitido por lei, mas deve seguir critérios definidos pela ANS e ocorre de acordo com a variação da idade do usuário de plano de saúde.

Reajuste por Sinistralidade: ocorre quando a operadora alega que houve um maior número de atendimentos e despesas assistenciais (sinistros) do que era o esperado.

Ou seja, o plano de saúde é autorizado legalmente a aplicar os 3 reajustes: anual (VCMH), por faixa etária ou por sinistralidade.

Como funciona o reajuste de planos de saúde coletivos?

Primeiramente, esses reajustes não são aqueles divulgados e determinados pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) sempre em meados de maio de cada ano.

Esse reajuste, este ano estabelecido em percentual de 9,63%, aplica-se tão somente a planos individuais e familiares, de modo que em relação aos planos coletivos aplica-se o reajuste determinado pela operadora, apurado após a realização de estudos atuariais.

Ou seja, nos planos de saúde coletivos, as operadoras têm liberdade para determinar os preços e reajustes.

Diferente do plano individual, o plano de saúde coletivo, com 30 (trinta) ou mais beneficiários, recebe o reajuste conforme a negociação entre as operadoras e as empresas administradoras de benefícios.

O percentual de aumento deve ser justificado pela operadora, fundamentado em cálculos que devem ser disponibilizados para análise.

E mais, os consumidores podem solicitar formalmente a memória de cálculo do reajuste e a metodologia utilizada para a administradora de benefícios ou operadora.

Mas, afinal, como saber quando o reajuste do plano de saúde coletivo é abusivo?

Os reajustes por variação de custos e por índice de sinistralidade, por si só e abstratamente considerados, não são abusivos, pois representam forma de recomposição de eventual desequilíbrio econômico-financeiro do contrato de plano de saúde.

Contudo, alguns fatores conduzem o reajuste de legal a abusivo, de modo que a validade dos reajustes de VCMH dos contratos coletivos por adesão está condicionada a alguns requisitos, quais sejam:

  1. demonstração da ocorrência de prévia negociação entre a operadora e a administradora;
  2. demonstração da fórmula do reajuste que deve estar no contrato de maneira clara; e,
  3. demonstração, pela operadora, do acerto dos percentuais aplicados, por meio de apresentação de cálculos atuariais.

Os citados requisitos são extraídos da lei e regulamentação legal, a começar pela lei dos planos de saúde que estabelece:

Art. 16. Dos contratos, regulamentos ou condições gerais dos produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o desta lei devem constar dispositivos que indiquem com clareza:

(..)

XI - os critérios de reajuste e revisão das contraprestações pecuniárias.

(...)

Art. 17-A. As condições de prestação de serviços de atenção à saúde no âmbito dos planos privados de assistência à saúde por pessoas físicas ou jurídicas, independentemente de sua qualificação como contratadas, referenciadas ou credenciadas, serão reguladas por contrato escrito, estipulado entre a operadora do plano e o prestador de serviço

(...)

§ 2o O contrato de que trata o caput deve estabelecer com clareza as condições para a sua execução, expressas em cláusulas que definam direitos, obrigações e responsabilidades das partes, incluídas, obrigatoriamente, as que determinem:

(...)

II - a definição dos valores dos serviços contratados, dos critérios, da forma e da periodicidade do seu reajuste e dos prazos e procedimentos para faturamento e pagamento dos serviços prestados;

Na grande maioria dos casos, o termo de adesão firmado entre consumidor e operadora não indica de forma clara e pormenorizada como se dariam os reajustes do contrato, e ao revés, contém apenas uma cláusula genérica, com a indicação da periodicidade dos reajustes de VCMH e outros a serem contratados entre a administradora de benefícios e a operadora.

Destaca-se que serão nulos os reajustes calculados de forma unilateral pela operadora, por meio de dados por ela própria informados, sem a existência de indicação prévia do índice de reajuste, pois referida situação desequilibra as força do contrato e viola a paridade de tratamento entre as partes.

Destarte, é necessária a definição, no instrumento contratual, de forma clara e precisa, do índice de reajuste adequado para restabelecer o equilíbrio da relação de plano de saúde.

No mesmo sentido, a Resolução Normativa 565/22 da ANS dispõe que:

Art. 10. Quando da aplicação dos reajustes autorizados pela ANS, deverá constar de forma clara e precisa, no boleto de pagamento enviado aos beneficiários, o percentual autorizado, o número do ofício da ANS que autorizou o reajuste aplicado, o nome, o código e o número de registro do produto e o mês previsto para o próximo reajuste.

(...)

Art. 32. Os boletos e faturas de cobrança com a primeira parcela reajustada dos planos coletivos, deverão conter as seguintes informações:

I – o nome do produto, o número do registro do produto na ANS ou o código de identificação no Sistema de Cadastro de Planos Antigos, e o número do contrato ou da apólice;

II – a data e o percentual do reajuste aplicado ao contrato coletivo;

III – o valor cobrado; e

IV – que o reajuste será comunicado à ANS pela internet, por meio de aplicativo, nos prazos determinados pela Instrução Normativa 13, de 21 de julho de 2006, da Diretoria de Normas e Habilitação dos Produtos, ou em norma que vier a sucedê-la.

Dessa maneira, ainda que haja toda a previsão normativa acima, na prática, as operadoras de saúde não cumprem o previsto.

Assim, descumprindo a norma, o reajuste, ainda que legal, se torna inválido e abusivo.

Além disso, o art. 6º, inc. VIII, do Código de Defesa do Consumidor dispõe que:

Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

(...)

III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem;

(...)

VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências;

Conclui-se assim que o consumidor não deve apenas aceitar o reajuste imposto pela operadora, cabendo-lhe exigir a demonstração dos percentuais aplicados, por meio de apresentação de cálculos atuariais.

Dessa maneira, é possível o consumidor solicitar ao plano de saúde:

A documentação é direito do consumidor e a não apresentação, como dito, conduz a invalidada do reajuste.

A previsão normativa que assegura a possibilidade de requisição é a Resolução Normativa 395/16 da ANS que dispõe:

Art. 9º  Nos casos em que não seja possível fornecer resposta imediata à solicitação de procedimento e/ou serviço de cobertura assistencial apresentada, a operadora demandada terá o prazo de até 5 (cinco) dias úteis para apresentá-la diretamente ao beneficiário.

Como o Judiciário tem decidido esses casos?

Quando o tema é levado ao judiciário, o entendimento sobre os reajustes dos planos de saúde é sedimentado na legalidade em aplicá-los, mas com atenção a algumas condicionantes para torná-los válidos, quais sejam:

  1. demonstração da ocorrência de prévia negociação entre a operadora e a administradora;
  2. demonstração da fórmula do reajuste que deve estar no contrato de maneira clara; e,
  3. demonstração, pela operadora, do acerto dos percentuais aplicados, por meio de apresentação de cálculos atuariais.

Assim, uma vez não atendidas essas condicionantes o reajuste é considerado abusivo:

2. Reajustes por aumento da sinistralidade/VCMH – Cláusula que prevê os reajustes não padece de ilegalidade em abstrato e tem sido aceita pela jurisprudência, todavia, deve haver efetiva comprovação do aumento dos índices de sinistralidade e da elevação dos custos, bem como da sua correlação com a fórmula prevista no contrato – Ônus da prova das rés em comprovar a origem dos respectivos aumentos – Ausência de abusividade do reajuste que se condiciona ao respeito à lei 9.656/98 e ao CDC, não sendo permitida aplicação de índices de reajuste desarrazoados ou aleatórios, que onerem em demasia o segurado – Não demonstrada a origem dos reajustes aplicados e a sua razoabilidade - Reconhecida a necessidade de afastamento dos reajustes por faixa etária a partir dos 59 anos e dos reajustes por sinistralidade/VCMH aplicados a partir de 2018, com substituição pelos índices autorizados pela ANS aos contratos individuais/familiares – Afastamento, no entanto, da declaração da nulidade da cláusula que prevê o reajuste por faixa etária – Percentual do reajuste por faixa etária que deve ser apurado em cumprimento de sentença, por meio de perícia atuarial – Necessidade de restituição dos valores pagos a maior à autora, observada a prescrição trienal. Sentença parcialmente reformada – DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO.(TJ-SP - AC: 10880565620188260100 São Paulo, Relator: Alexandre Coelho, Data de Julgamento: 21/06/2023, 8ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 22/06/2023)

E ainda:

APELAÇÕES CÍVEIS. GRATUIDADE DE JUSTIÇA. PRECLUSÃO. NÃO INTERPOSIÇÃO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO REVISIONAL. CONTRATO DE PLANO DE SAÚDE COLETIVO POR ADESÃO. LEGITIMIDADE PASSIVA. ESTIPULANTE. RESTITUIÇÃO DE MENSALIDADES. PRESCRIÇÃO TRIENAL. REAJUSTE POR MUDANÇA DE FAIXA ETÁRIA. DESPROPORCIONALIDADE. REAJUSTE POR SINISTRALIDADE. ABUSIVIDADE CONFIGURADA. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. SIMPLES. DANOS MATERIAIS. IMPROCEDÊNCIA. PRAZO DE PORTABILIDADE. DANOS MORAIS. NÃO COMPROVAÇÃO. (...) O reajuste das parcelas mensais dos planos de saúde de natureza coletiva pauta-se em dois fatores: mudança de faixa etária e/ou índice de sinistralidade inerente à categoria na qual o beneficiário se encontra inserido. 5. Os percentuais e valores de reajuste revelam-se abusivos quando não acompanhados de esclarecimentos aos contratantes a respeito dos parâmetros considerados na definição dos índices a serem aplicados, mediante descrição objetiva dos referenciais adotados, o que acaba por sujeitar o consumidor a situação de manifesta desvantagem, nos termos do artigo 51, incisos IV e X, do CDC. 6. Em razão da complexidade dos elementos quantitativos correspondentes aos índices aplicados, seria ônus das rés promoverem a inequívoca comprovação dos percentuais de reajuste aplicados, nos termos do artigo 373, inciso II, do CPC, do qual não se desincumbiram. 7. Reconhecida a abusividade no reajuste das mensalidades do plano de saúde coletivo, mostra-se razoável e adequada, na ausência de norma específica, a adoção dos índices previstos pela agência reguladora para os planos individuais. 8. Apesar dos reajustes abusivos e desproporcionais, a repetição do indébito deve se dar de forma simples, por ausência de má-fé das operadoras apelantes, nos termos do art. 42, parágrafo único, parte final, do Código de Defesa do Consumidor. 9. (...) (TJ-DF 00372738220168070001 1713259, Relator: JOSAPHA FRANCISCO DOS SANTOS, Data de Julgamento: 07/06/2023, 5ª Turma Cível, Data de Publicação: 21/06/2023)

Portanto, conclui-se que “serão abusivos quando não acompanhados de esclarecimentos aos contratantes a respeito dos parâmetros considerados na definição dos índices a serem aplicados, mediante descrição objetiva dos referenciais adotados, o que acaba por sujeitar o consumidor a situação de manifesta desvantagem, nos termos do artigo 51, incisos IV e X, do CDC.”

Conclusão

Por certo, o consumidor é a parte mais prejudicada com a aplicação desses reajustes em percentuais tão vultuosos.

De igual modo, também é o consumidor que arca com a desinformação, a falta de clareza e a falta de objetividade dos planos de saúde quanto a aplicação desses reajustes.

Encarrega-se a operadora de plano de saúde de se desincumbir do ônus probatório quanto à existência de fundamentos de fato para o percentual aplicado, por meio de provas técnicas nesse sentido, seja em razão da aplicação do Código de Defesa do Consumidor ao caso concreto, com fincas no art. 6°, VIII, seja em razão da distribuição dinâmica prevista no § 1° do art. 373 do Código de Processo Civil, quando a matéria já estiver judicializada.

Com efeito, a operadora deve verter prova técnica que demonstre que os reajustes das mensalidades estão sendo pautados por critérios atuariais destinados a assegurar a viabilidade do plano ponderados com os custos dos serviços, devendo a operadora demonstrar a efetiva variação dos custos médicos e hospitalares (exames, consultas, procedimentos, honorários médicos, diárias hospitalares, materiais e medicamentos) por fórmula aprovada pela autoridade competente como forma de justificar os reajustes nos percentuais previstos, observada a mutualidade que lhes é intrínseca, tudo de acordo com o instrumento contratual (com critérios técnicos previstos em cláusula redigida de forma clara em destaque) que modula o vínculo obrigacional, como forma de preservar a comutatividade e o equilíbrio das obrigações contratuais.

Baseado em todo o exposto, é importante contestar os índices aplicados, solicitando ao plano de saúde ou à administradora de benefícios a demonstração clara de como chegaram naquele percentual, para que, uma vez não demonstrando, o reajuste passe de legal e permitido para inválido e abusivo.

Aline Vasconcelos é advogada há 15 anos, com foco em planos de saúde e atuação especializada em Direito da Saúde.

Aline Vasconcelos
Advogada especialista em Saúde Suplementar, com atuação há 15 anos em assessorias de empresas e de bancas de advocacia na elaboração de teses jurídicas com foco em planos de saúde e regulatório.

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