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Zona de Comércio Livre - Continental Africana é oportunidade para empresas brasileiras

O Protocolo prevê ainda que os países-membros não devem aplicar restrições às transferências internacionais e aos pagamentos de transações correntes, em relação aos seus compromissos específicos assumidos no âmbito do Acordo.

26/6/2023

A Zona de Comércio Livre Continental Africana1 (African Continental Free Trade Area ou AfCFTA) poderá impulsionar as operações locais das diversas empresas brasileiras que possuem presença na África, sobretudo aquelas que possuem plantas industriais no continente, ao facilitar as vendas intracontinentais. A AfCFTA é um dos principais projetos da União Africana (UA), que é uma organização internacional consistindo de 55 países africanos, que promove a integração entre os países do continente africano nos mais diferentes aspetos2. A UA foi criada em 2002, para suceder a Organização da Unidade Africana (OUA) e a Comunidade Econômica Africana (AEC), criada em 1991 com o Tratado de Abuja; e, possui o objetivo de promover soluções para os desafios enfrentados pelos países africanos, inclusive os econômicos, tendo seus objetivos e metas elencados na chamada “Agenda 2063”, lançada em 20133.

Neste âmbito, a AfCFTA tem como objetivo impulsionar o comércio intracontinental e a consequente maior integração do mercado regional africano, abrangendo o comércio de mercadorias, o comércio de serviços, o investimento, os direitos de propriedade intelectual e a política de concorrência. Ela busca dar efetividade prática aos propósitos comerciais da UA, no sentido de maior liberdade econômica e de maior circulação de produtos e serviços entre os países africanos. Para tanto, a AfCFTA promove uma série de mecanismos práticos para fomentar as trocas entre os seus países-membros, tais como a simplificação e de procedimentos aduaneiros e redução paulatina das tarifas aduaneiras. 

A AfCFTA terá desafios na sua implementação, ao tentar uniformizar e simplificar as regras comerciais de um número grande e heterogêneo de países-membros, cujas realidades econômicas são bastante distintas. Porém, se vencidos seus desafios, a AfCFTA poderá se transformar em uma ferramenta normativa e institucional capaz não só de possibilitar a integração econômica no continente africano, como também de inserir globalmente a África como um ator relevante, na sistemática do comércio global. 

Surgimento da AfCFTA 

Os Acordos Internacionais de Comércio (AIC) são Tratados Internacionais assinados pelos países-membros, com o objetivo de criar facilidades comerciais entre seus Estados signatários. Os AIC possuem diversas finalidades, entre elas a facilitação, simplificação ou até mesmo a isenção de tarifas aduaneiras entre os seus países-membros. Com isso, eles buscam incentivar as trocas comerciais entre os países-membros, sejam elas de produtos e/ou de serviços. Os AIC podem ser classificados conforme a gradação da interação econômica que eles preconizam. Eles começam pelos denominados (i) acordos de comércio preferencial (também chamadas de “zonas” ou “áreas” de “livre comércio”4), onde há facilitação aduaneira intrabloco; passando por (ii) acordos de união aduaneira, onde, além da facilitação aduaneira intrabloco, há a imposição de uma tarifa externa comum; e, vão até (iii) acordos de união econômica, os quais vão além de aspectos aduaneiros, prevendo também uma integração maior de diversos aspectos econômicos (tributários, imigratórios, trabalhistas, investimentos, etc.) ou até mesmo políticos.

No caso da AfCFTA, as primeiras conversas acerca da criação de uma área de livre comércio entre os países do continente africano ocorreu em 2012, durante a 18ª Reunião de Chefes de Estado e Governo da União Africana. Embora o plano inicial fosse criar a área de livre comércio até 2017, apenas um ano depois foi possível concretizar esta ideia inicial. Os países-membros da UA se reuniram em Kigali, capital de Ruanda, em 21 de Março de 2018, para a 10ª Sessão Extraordinária da Assembleia da União Africana, sobre a AfCFTA. Na ocasião, foram assinados três acordos internacionais de suma importância para a integração pretendida, nomeadamente: (i) o Protocolo sobre a Livre Circulação de Pessoas; (ii) a Declaração de Kigali; e (iii) o acordo que criou AfCFTA (Acordo) (BAGGIO, 2020).

O primeiro dos acordos internacionais visa a minimizar a dificuldade dos africanos em viajar dentro do próprio continente. Embora tenha alcançado baixa adesão (inicialmente, apenas 27 dos 55 países da UA), foi uma etapa importante para a eventual criação de um Passaporte da União Africana. Já os demais acordos internacionais destinam-se à criação de uma área de livre comércio entre países membros, por meio de mecanismos que serão abordados adiante. Durante o evento, em Kigali, em março de 2018, a adesão do Acordo foi consideravelmente maior, com 44 dos 55 países membros da UA assinando. Nos anos seguintes, outras nações assinaram o Acordo, incluindo a Nigéria e a África do Sul (as duas maiores potências do continente) (Ibidem ). Até abril de 2023, 54 países assinaram o acordo e 46 o ratificaram.5

O Acordo está em vigor desde 30 de maio de 2019, o que ocorreu exatamente 30 dias após a ratificação pelo 22º país (Gâmbia), nos termos do artigo 23 do Acordo. Apesar disso, o comércio preferencial previsto pelo Acordo só poderia, de fato, começar quando todos os instrumentos legais necessários estivessem em vigor. Com efeito, os chefes de Estado e de Governo decidiram, durante a 13ª Sessão Extraordinária da Assembleia da União Africana (5 de dezembro de 2020), habilitar o comércio intracontinental, por meio do Acordo, para 1º de janeiro de 2021, mesmo que as negociações de tarifas e regras de origem (RdO) não estivessem finalizadas. Portanto, os seus efeitos já estão em vigor, ainda que o comércio no âmbito da AfCFTA ainda não esteja ainda totalmente regulamentado (CARVALHO, 2023).

Nos termos do Preâmbulo do Acordo, as Comunidades Econômicas Regionais (CERs) reconhecidas pela UA servem de base para criação da AfCFTA, devendo serem utilizadas para facilitar a integração. As CERs reconhecidas pela AfCFTA são as seguintes: União do Magreb Árabe (UMA); Mercado Comum da África Ocidental e do Sul (Comesa); Comunidade dos Estados do Sahel e Saara (CEN-SAD); Comunidade da África Oriental (EAC); Comunidade Econômica dos Estados da África Central (ECCAS); Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental (ECOWAS); Autoridade Intergovernamental para o Desenvolvimento (IGAD); e Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral (SADC). 

Objetivos da AfCFTA 

Com a reunião de todos os Estados parte da UA, a AfCFTA irá cobrir um mercado com mais de 1,2 bilhão de pessoas e com PIB superior a USD 3,4 trilhões. Além disso, em número de países participantes, a AfCFTA será a maior área preferencial de comércio do mundo, desde a formação da Organização Mundial do Comércio (OMC). Diante de toda esta sua potencial relevância, a Comissão Econômica das Nações Unidas para a África (UNECA) estima que o comércio intracontinental pode aumentar em 52,3%, por meio da eliminação das tarifas aduaneiras; e, duplicar em caso de redução das barreiras não tarifárias (Ibidem ).

Para que a AfCFTA alcance esta sua finalidade última, são estabelecidos diversos objetivos gerais no artigo 3° do Acordo, entre os quais destacam-se os seguintes: criação de um mercado único de mercadorias e serviços, mediante sucessivas rodadas de negociações; contribuir para a circulação de capitais e de pessoas singulares, facilitando os investimentos; estabelecer as bases para a criação de uma união aduaneira continental numa fase posterior; aumentar a competitividade das economias dos países-membros no mercado continental e mundial; promover o industrial através da diversificação e o desenvolvimento das cadeias de valor regionais, o desenvolvimento da agricultura e a segurança alimentar; e resolver os desafios relacionados com a adesão múltipla e a sobreposição dos membros, bem como acelerar os processos de integração regional e continental.

Além dos objetivos gerais mencionados acima, o Acordo estabelece no seu artigo 4° objetivos específicos, que se traduzem em verdadeiras ações alcançáveis a curto prazo. Segundo elas, para concretizar os objetivos gerais do Acordo, os países-membros devem: eliminar progressivamente as barreiras tarifárias e não tarifárias ao comércio de mercadorias; liberalizar progressivamente o comércio de serviços; cooperar no âmbito do investimento, direitos de propriedade intelectual e política de concorrência; cooperar em todos os domínios ligados ao comércio; cooperar nos domínios aduaneiros e na implementação de medidas de facilitação do comércio; estabelecer um mecanismo para a resolução de litígios relacionados com os seus direitos e obrigações; e, estabelecer e manter um quadro institucional para a implementação e administração da AfCFTA. 

Estrutura e Fases da AfCFTA 

A AfCFTA é criada por um acordo estrutural, que prevê protocolos sobre (i) comércio de produtos; (ii) comércio de serviços; (iii) solução de disputas; (iii) política de concorrência, (iv) investimento, (v) propriedade intelectual; e (vi) comércio eletrônico. As negociações desses protocolos, bem como de seus respectivos anexos, foi dividida em três fases.

A Fase 1 abrangeu os três primeiros protocolos e foi lançada em junho de 2015. Em março de 2018, o fórum de negociações identificou que havia diversas pendências para a conclusão da Fase 1, como a celebração de um mecanismo de solução de controvérsias e diversos anexos ao Protocolo sobre Comércio de Produtos. Por essa razão, decidiu-se implementar um programa de trabalho de transição e implementação para finalizar ofertas de produtos e serviços e preparar RdO específicas por produto. Com isso, a Fase 1 entrou em vigor em 30 de maio de 2019, embora as negociações ainda estejam em andamento.

A Fase 2, que começou no final de 2018, abrange (i) política de concorrência; (ii) investimento; e, (iii) propriedade intelectual. Sua conclusão ainda não ocorreu, pois, as negociações foram interrompidas pela pandemia do COVID-19 (TAKEFMAN, 2023), o que atrasou o cronograma original.

Já a Fase 3 foi acrescentada exclusivamente para cobrir o comércio eletrônico, mas suas negociações começarão apenas com a conclusão da Fase 2. 

Instituições da AfCFTA 

A Administração e Organização da AfCFTA, nos termos do artigo 9º do Acordo, será exercida por 4 instituições, cada qual com sua função. A primeira delas é a Conferência da AfCFTA, que é formada pelos Chefes de Estado e de Governo dos países-membros. Ela tem a qualidade de órgão supremo de tomada de decisões, a qual controla e orienta a estratégia de funcionamento da AfCFTA. A Conferência possui autoridade exclusiva para adotar as interpretações do Acordo, mediante recomendação do Conselho de Ministros.

A segunda instituição, o Conselho de Ministros, é composta por Ministros responsáveis pelo comércio ou quaisquer outros Ministros, autoridades ou funcionários devidamente designados pelos países-membros. Entre as competências do Conselho de Ministros, pode-se citar a possibilidade de (i) elaborar regulamentos, emitir diretivas e formular recomendações em conformidade com as disposições do Acordo; e, (ii) promover a harmonização de políticas, estratégias e medidas apropriadas para a aplicação efetiva do Acordo. O Conselho de Ministros deve se reunir duas vezes ao ano em sessão ordinária e, sempre que necessário, em sessões extraordinárias. Além disso, as decisões do Conselho de Ministros são vinculantes aos países-membros, que devem tomar as medidas necessárias para sua implementação, salvo quando houver implicações estruturais ou financeiras, caso em que será necessária prévia aprovação da Conferência.

 Há também o Comitê de Altos Funcionários do Comércio, composto por Secretários Permanentes ou Principais, ou mesmo outros funcionários designados por cada país-membro. Suas principais funções são: (i) implementar as decisões do Comitê de Ministros que lhe tenham sido conferidas; (ii) elaborar planos e programas de ação para a implementação do Acordo; e, (iii) monitorar e garantir o bom funcionamento e desenvolvimento da AfCFTA. Em regra, o Comitê de Altos Funcionários do Comércio se reúne, pelo menos, duas vezes ao ano. Após as reuniões, submete-se ao Conselho de Ministros um relatório que pode incluir recomendações.

Finalmente, há o Secretariado, com composição, orçamento e localização definidos pela Conferência. Essa instituição possui autonomia funcional quanto ao sistema da AfCFTA, sendo dotada de personalidade jurídica independente. Suas funções e responsabilidades, conforme determinado pelo Conselho de Ministros do Comércio, englobam atividades administrativas e apoio à implementação da AfCFTA.

Além desses, vale mencionar como sendo uma instituição relevante para o funcionamento do Acordo: o Órgão de Resolução de Litígios (ORL). Ele é constituído por representantes dos países-membros da AfCFTA, que elegem um presidente e estabelecem um regulamento interno próprio. Tal instituição foi estabelecida pelo Protocolo Relativo às Normas e Procedimentos para a Resolução de Litígios, para solucionar litígios entre os países-membros sobre seus direitos e obrigações nos termos do Acordo. As reuniões do ORL ocorrem sempre que necessário para o cumprimento de suas funções, sendo suas decisões definitivas e vinculativas às partes em litígio. No entanto, caso as partes prefiram submeter o conflito inicialmente à arbitragem, isso é permitido, nos termos do artigo 27 do supramencionado Protocolo. O ORL possui competência para criar Painéis para Resolução de Litígios e um Órgão de Recurso; adotar os relatórios do Painel e do Órgão de Recurso; fazer o acompanhamento da implementação das decisões e recomendações dos Painéis e do Órgão de Recurso; e autorizar a suspensão de concessões e outras obrigações nos termos do Acordo. 

Comércio de Produtos na AfCFTA 

Em  relação ao comércio de produtos, o objetivo do Acordo é promover o comércio interafricano, valendo-se, entre outras medidas, da eliminação progressiva de tarifas aduaneiras e barreiras não alfandegárias, bem como de restrições quantitativas. Não há disposição que vede um país-membro de manter regimes especiais ou conceder preferências comerciais a terceiros, desde que tais acordos ou referências não impeçam ou contrariem os objetivos estabelecidos no Acordo. Especificamente quanto aos regimes especiais, todas as vantagens, concessões e privilégios de terceiros devem ser estendidos a todos os países-membros, com base no princípio da reciprocidade. Esse princípio é coerente com o princípio da nação mais favorecida consolidado pela OMC.

Ademais, os países-membros devem conceder aos produtos importados de outros países-membros tratamento não menos favorável ao concedido a produtos similares de origem nacional, após estes terem sido desalfandegados. Esse princípio também é coerente com o princípio do tratamento nacional consolidado pela OMC.

Para o cumprimento dos objetivos e princípios do Acordo mencionados acima, foram concluídos diversos anexos, como de normas sanitárias, gestão aduaneira, facilitação do comércio e acordos de trânsito. Contudo, as negociações em relação às Listas de Concessões Tarifárias ainda estão em curso, com o objetivo de liberalizar 90% das linhas tarifárias em 5 anos (em 10 anos para os países menos desenvolvidos). O restante será dividido entre produtos sensíveis (7%), a serem liberalizados em 10 anos (em 13 anos para os países menos desenvolvidos) e produtos excluídos da liberalização (3%).

Para se beneficiar das preferências tarifárias, as mercadorias devem cumprir as RdO, ou seja, regras que determinam o processamento (i.e., a adição de valor no seu processo produtivo) necessário para se qualificar como nacional de determinado país-membro. Em fevereiro de 2022, durante a 35ª Sessão Ordinária da União Africana, a Assembleia da UA determinou a atualização do status das negociações, com novos prazos para a sua conclusão e o início do comércio “comercialmente significativo”. Até o presente, 29 regras tarifárias foram tecnicamente verificadas, mas o comércio sob a vigência das tais listas de concessões tarifárias provisórias segue pendente.6

As medidas elencadas pelo Acordo estão também sujeitas a determinadas exceções. Nos termos do Acordo, nenhuma disposição pode ser interpretada como impedimento do país-membro em implementar medidas, por exemplo: (i) necessárias para a proteção da moral pública ou a manutenção da ordem pública; (ii) necessárias para a proteção da vida ou saúde humana, animal ou vegetal; e, (iii) no domínio da importação ou exportação de ouro ou prata. Há, ainda, exceções específicas em matéria de segurança e balança de pagamentos, a fim de proteger os interesses nacionais dos países-membros. 

Comércio de Serviços na AfCFTA 

O objetivo principal do Protocolo Sobre o Comércio de Serviços é colaborar para a criação de um mercado único e liberalizado para o comércio de serviços. Esse objetivo seria alcançado por meio do impulsionamento dos investimentos nacionais e estrangeiros, reforço da competitividade dos serviços por economias de escala, entre outras medidas. Assim como ocorre no comércio de produtos, os países-membros concedem aos serviços estrangeiros de outro país-membro tratamento não menos favorável que o concedido aos serviços de países terceiros. Não há, também, qualquer vedação à conclusão de novos acordos preferenciais com terceiro relativo aos serviços, desde que estes não frustrem os objetivos do Acordo. Nessa hipótese, o tratamento preferencial aos serviços do país terceiro deve ser alargado para todos os países-membros, com base nos princípios da reciprocidade e não-discriminação.

O Protocolo Sobre o Comércio de Serviços prevê rodadas sucessivas de negociações para se alcançar a liberalização progressiva dos serviços entre os países-membros. São estipuladas obrigações setoriais específicas, tendo em vista as melhores práticas e o acervo das CER. O Protocolo também prevê a criação de listas para os serviços contemplados pelos benefícios da  AfCFTA. Para os serviços não inscritos nessas listas, os países-membros podem negociar a elaboração de Cronogramas de Compromissos Específicos. Eles conterão os termos, limitações e condições de acesso ao mercado dos países-membros envolvidos, bem como as medidas relativas aos compromissos suplementares e o prazo de sua implementação.

Cada país-membro da AfCFTA se comprometeu a fornecer um cronograma de compromissos específicos, sendo adotados 5 setores de serviços prioritários: (i) transportes; (ii) comunicações; (iii) turismo; (iv) financeiros; e, (v) empresariais. Embora a Assembleia da UA tenha estabelecido junho de 2022 como prazo limite para finalização do desenvolvimento de Cronogramas de Compromissos Específicos em tais setores, até o momento não há confirmação da conclusão desse cronograma de negociações. Apenas se sabe que foram apresentadas ofertas de serviço por 46 Estados Parte (CARVALHO, 2023, p. 9). 

As disposições relativas ao comércio de serviços do Acordo, ao contrário do observado no comércio de produtos, não possuem um cronograma específico para a sua liberalização, tampouco uma exigência quantitativa (i.e., percentual a ser atingido). Por outro lado, assim como ocorre com o comércio de produtos, são apresentadas algumas exceções à aplicação das medidas mencionadas, por exemplo: (i) necessárias para a proteção da moral pública ou a manutenção da ordem pública; e, (ii) necessárias para a proteção da vida ou saúde humana, animal ou vegetal. Também de modo similar ao que ocorre no comércio de produtos, há ainda exceções específicas em matéria de segurança e balança de pagamentos, a fim de proteger os países-membros. Para possibilitar a implementação prática do comércio de serviços, o Protocolo prevê ainda que os países-membros não devem aplicar restrições às transferências internacionais e aos pagamentos de transações correntes, em relação aos seus compromissos específicos assumidos no âmbito do Acordo. 

Provisões Transitórias e Próximos Passos na AfCFTA 

A Fase 1 do Acordo já entrou em vigor, conforme mencionado acima, embora as negociações ainda estejam em andamento. A Fase 2 teve seu início em 2018 e ainda não foi concluída. Já a Fase 3 ainda não teve o seu início. A despeito disso, foram estipuladas medidas de transição, como a possibilidade de o comércio de mercadorias começar em configurações bilaterais específicas de acordo com procedimentos a serem implementados dentro dos países-membros.

Outra medida de transição foi a atualização do status das negociações de liberalização das tarifas aduaneiras, estipulando as condições para o início do comércio “comercialmente significativo”, a qual foi implementada em fevereiro de 2022, pela Conferência. Para tal início do comércio “comercialmente significativo”, bastaria que os termos das RdO estivessem concluídos para 87,7% das regras tarifárias. Como previamente mencionado, apenas 29 regras tarifárias foram tecnicamente verificadas, mas o comércio sob a vigência das tais listas de concessões tarifárias provisórias segue pendente.

Nos próximos anos, as Fases 2 e 3 devem ser concluídas. Com isso, Protocolos sobre: (i) investimentos; (ii) direitos de propriedade intelectual; (iii) política de concorrência; e, (iii) comércio eletrônico deverão ser adotados pela Assembleia da UA e ratificados. Eles entrarão em vigor apenas quando ratificados por pelo menos 22 dos países-membros. Provavelmente, esses Protocolos serão limitados à cooperação baseada, por exemplo, no Código Pan-Africano de Investimento não-vinculativo, nos regimes regionais de concorrência das CER, bem como nos trabalhos da Organização Africana de Propriedade Intelectual (OAPI) e da Organização Regional Africana da Propriedade Intelectual (ARIPO) sobre propriedade intelectual. 

Conclusão 

A AfCFTA vem no sentido de fomentar a maior integração comercial dentro do continente africano. Ela busca dar efetividade prática aos propósitos comerciais da UA, no sentido de maior liberdade econômica e de maior circulação de produtos e serviços entre os países africanos. Com isso, ela ampliará o mercado regional potencial das empresas brasileiras que possuam operações no continente africano, que produzam localmente. 

Bibliografia 

ACORDO QUE CRIA A ZONA DE COMÉRCIO LIVRE CONTINENTAL AFRICANA. 21 de Março de 2018. Disponível em: < https://au-afcfta.org/wp-content/uploads/2022/01/AfCFTA-Agreement-PO.pdf>. Acesso em: 27 de maio de 2023. 

CARVALHO, Marina A. Egydio; SALLES, Marcus M; Nota Técnica IPEA n° 63 – AFCFTA: Histórico das Negociações e Efeitos Geopolíticos. 2023. 

BAGGIO, Conrado Ottoboni. O Acordo Continental Africano de Livre Comércio: Esperanças e Desafios. In: Rev. Cadernos de Campo. Araraquara. n. 29. jul./dez. 2020, p. 137-159. 

MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES. União Africana. Disponível em: . Acesso em: 06 de abril de 2023. 

PANGEA-RISK. Six months into African Free Trade – a Slow and Bumpy

Start. https://www.pangea-risk.com/six-months-into-african-free-trade-a-slow-and-bumpy-start/>. Acesso em: 27 de maio de 2023. 

TAKEFMAN, Bruce. Breaking Down The AfCFTA: What You Need To Know About Africa’s Latest Trade Initiative. Research FDI. Disponível em: >. Acesso em: 28 abr. 2023.

__________

1 No sentido da nota de rodapé acima, entendemos que a terminologia ideal em português deveria ser “Área de Acordo Preferencial da África Continental”, mas a tradução oficial para o português é “Zona de Comércio Livre Continental Africana”, conforme AfCFTA. Home Page. Disponível em: < https://au-afcfta.org/wp-content/uploads/2022/01/AfCFTA-Agreement-PO.pdf>. Acesso em: 27 de maio de 2023.

 

2 União Africana. About the African Union. Addis Ababa. Disponível em: < https://au.int/pt>. Acesso em: 27 de maio de 2023.

3 Ministério das Relações Exteriores. União Africana. Disponível em: . Acesso em: 06 de abril de 2023.

4 Como os AICs normalmente preveem um comércio facilitado, mas ainda assim “regulado”; e, não propriamente um comércio “livre”, entende-se que acordos de “comércio preferencial” seja a terminologia mais adequada do que acordos de “livre comércio”, apesar de muitos destes AICs optarem pela segunda terminologia.

5 AfCFTA. State Parties. Disponível em: < https://au-afcfta.org/state-parties/ >. Acesso em: 27 de maio de 2023.

Ibidem. p. 8.

Paulo Henrique Teixeira Rage
Sócio do escritório Tauil & Chequer Advogados associado a Mayer Brown.

Roberto Luiz Silva
Professor Doutor da Universidade Federal de Minas Gerais - UFGM.

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