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Responsabilidade prevista no CDC e o cálculo para redução do valor da indenização em caso de furto

Valora-se corretamente a realidade dos fatos e assegura-se uma compensação adequada, promovendo-se a justiça e a transparência nas relações jurídicas, comerciais e consumeristas por suas peculiaridades.

25/6/2023

O presente texto não tem a pretensão de analisar a legalidade da cláusula geralmente imposta pelo fornecedor e encontrada em placas informativas em qualquer estacionamento, pago ou gratuito, a saber: “Não nos responsabilizamos por objetos que estejam no interior do veículo”, a despeito da boa-fé ser aplicada, também, pela própria legislação, ao consumidor.

Isso porque, muitas vezes, vê-se que o consumidor se valendo da presunção de ser o elo mais fraco da relação – e aqui não se está questionando o princípio da hipossuficiência, mas a necessidade de se analisar caso a caso – descuida-se de seu dever de cuidado e vigilância.

A reflexão que se pretende fazer é a de que nem toda e qualquer situação danosa que ocorra no interior de um estabelecimento comercial pode gerar a este responsabilidade ou dever de indenizar, especialmente quando não se espera e/ou não há, pelo próprio contrato tácito que se estar a firmar, transferência da posse destes bens para o estabelecimento.

Em casos de furtos de objetos deixados em veículos estacionados em locais disponibilizados pelos fornecedores se invoca normalmente o disposto na Súmula 130 STJ1. No entanto, não parece tal súmula abarcar claramente objetos deixados, especialmente à mostra, no interior de veículos, situações em que o consumidor de forma negligente, se despe de seu dever de cuidado, já contando com possível indenização.

Em simples pesquisas jurisprudenciais vê-se diariamente pedidos de indenização de bens como computadores, joias, grandes quantias, material de expressivo valor de terceiros que o consumidor detém a posse, deixados, visivelmente, dentro de veículos, o que acabam em culminar em sinistro, o chamado sinistro de oportunidade.

Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), do IBGE, demonstram que somente em 2021 foram registrados 64 roubos e furtos de veículo por hora no Brasil2.

Considerando tal contexto, serviria aqui o paradigma do homem médio? Seria razoável exigir do consumidor que ao estacionar seu veículo em qualquer estacionamento, público ou privado, disponibilizado de forma gratuita ou onerosa, condutas de guarda, precaução e zelo com seus próprios bens? Sabidamente em um país em que na violência cresce assustadoramente?

Estas reflexões precisam ser feitas antes de se invocar a aplicabilidade do CDC no que pertine à responsabilidade objetiva, sob pena de desconstrução de um sistema que foi pensado para gerar equilíbrio nas relações jurídicas estabelecidas entre os fornecedores e seus clientes.

Felizmente, já há vários julgados que consideram o descuido do próprio consumidor para afastar a responsabilidade do fornecedor3.

Feitas estas considerações e tomando como aplicável a responsabilidade civil objetiva e o dever de indenizar o consumidor por danos decorrentes de furto de bens, em estacionamentos disponibilizados de forma gratuita ou onerosa, importante atentar-se para a utilização do cálculo de depreciação para redução do valor da indenização a ser arbitrada, o que se deve pedir de imediato, desde a primeira oportunidade de defesa.

Quando ocorre um furto de um bem do consumidor, é comum que surjam questionamentos sobre o valor a ser indenizado.

Nesse contexto, o fornecedor pode argumentar que o bem furtado já estava depreciado, ou seja, não possuía mais o mesmo valor de quando foi adquirido, e, por isso, a indenização deve ser reduzida, além de por óbvio, exigir que o consumidor comprove não só a existência dos bens, mas sua titularidade.

Para o cálculo da indenização a ser concedida ao consumidor, é importante considerar o princípio da reparação integral, que busca restabelecer a situação anterior ao dano sofrido.

Nesse sentido, é válido mencionar que o valor da indenização deve ser correspondente ao valor do bem furtado no momento do dano, ou seja, o valor de reposição do bem não em estado de novo, mas no estado em que se encontrava no momento do sinistro, sob pena de se validar o enriquecimento ilícito.

A depreciação, portanto, é uma perda de valor que ocorre naturalmente em um bem em virtude do desgaste, do tempo de uso, da obsolescência ou de outros fatores relevantes.

Para determinar a depreciação de um bem, é comum utilizar métodos contábeis e técnicos que levam em consideração diversos critérios, como idade, estado de conservação, valor residual, entre outros.

O cálculo da depreciação é mais comumente aplicado em casos de seguro ou de avaliação patrimonial, e não necessariamente em casos de indenização por furto no âmbito do CDC, mas não há impedimentos para que se utilize tais conceitos e critérios, até porque a maioria dos temas relacionados ao direito empresarial é fragmentado.

Isso quer dizer que o operador do direito pode e deve ser flexível o bastante para atender novos requisitos, atrelados aos costumes empresariais e às relações jurídicas que estabelecem neste ambiente.

Existem diferentes métodos para calcular a depreciação, sendo os mais comuns o método linear e o método da soma dos dígitos, podendo-se ainda ter como base orientativa pesquisas mercadológicas considera-se especificamente o item furtado ou a Instrução Normativa SRF 162/98 que fixou taxas anuais de depreciação para bens adquiridos novos.

A título exemplificativo, veja-se o Método Linear4:

A fórmula para o cálculo da depreciação pelo método linear é: Depreciação anual = (Valor do ativo - Valor residual) / Vida útil.

Exemplo: Um equipamento foi adquirido por R$ 10.000, com vida útil estimada de 5 anos e valor residual de R$ 2.000. Depreciação anual = (10.000 - 2.000) / 5 Depreciação anual = 1.600

Portanto, a depreciação anual desse equipamento seria de R$ 1.600.

Já o Método da Soma dos Dígitos é feito da seguinte forma5:

A fórmula para o cálculo da depreciação pelo método da soma dos dígitos é: Depreciação anual = (Vida útil - Ano atual + 1) / (Soma dos dígitos da vida útil) x (Valor do ativo - Valor residual)

Exemplo: Utilizando os mesmos valores do exemplo anterior, considerando o segundo ano de uso. Soma dos dígitos da vida útil = 5 + 4 + 3 + 2 + 1 = 15 Depreciação anual = (5 - 2 + 1) / 15 x (10.000 - 2.000) Depreciação anual = 1/15 x 8.000 Depreciação anual = 533,33 (aproximadamente)

Portanto, a depreciação anual desse equipamento pelo método da soma dos dígitos no segundo ano seria de aproximadamente R$ 533,33.

Vale ressaltar que esses são apenas dois métodos de depreciação, e existem outros disponíveis, como o método de depreciação acelerada e o método de unidades produzidas.

É importante consultar as normas contábeis e buscar orientação especializada para determinar o método mais adequado a ser utilizado em cada caso específico e/ou atrelar o cálculo mais simples a pesquisas mercadológicas para orientar o magistrado à arbitrar o valor com segurança, sendo ainda possível a realização de uma perícia judicial.

Por fim, vale ressaltar que a jurisprudência pátria, tem caminhado no sentido de aceitar tranquilamente o critério da depreciação para limitar e/ou balizar o valor da indenização a ser arbitrada em favor dos consumidores em casos de furto de bens, confira:

CIVIL. CONSUMIDOR. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS. NULIDADE PROCESSUAL AFASTADA. FURTO DE RELÓGIO EM ACADEMIA. FATO DO SERVIÇO. ARTIGO 14 DO CDC. PREJUÍZOS PATRIMONIAIS DEVIDAMENTE COMPROVADOS NOS AUTOS. VALOR DA CONDENAÇÃO PARCIALMENTE REDUZIDO PELA DEPRECIAÇÃO DECORRENTE DO USO DO BEM. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO PARCIALMENTE. Não há condenação em custas e honorários advocatícios considerando que não há recorrente vencido, artigo 55 da Lei 9099/95. (Acórdão 465152, 20090111977899ACJ, Relator: WILDE MARIA SILVA JUSTINIANO RIBEIRO, 1ª Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal, data de julgamento: 16/11/2010, publicado no DJE: 25/11/2010. Pág.: 422).

Sobre a prova da depreciação incumbir ao fornecedor:

CDC - RESPONSABILIDADE CIVIL - ROUBO COM EMPREGO DE ARMA DE FOGO - ESTACIONAMENTO DE SHOPPING - FORÇA MAIOR - INOCORRÊNCIA - DEVER DE GUARDA E VIGILÂNCIA DESCUMPRIDOS - RECURSO IMPROVIDO. 1 - Insurge-se o recorrente contra a r. sentença que julgou parcialmente procedente o pedido formulado na inicial para condená-lo ao pagamento de R$ 699,00 a título de danos materiais decorrentes de roubo de celular em estacionamento de shopping. 2 - No presente caso, o roubo ocorreu no estacionamento interno do recorrente, que é cercado e dispõe de guarita de controle de entrada e saída de veículos e de câmeras de segurança, as quais gravaram as imagens da agressão sofrida pela autora. 3 - O condomínio do shopping, ao disponibilizar local próprio à sua clientela e circuito interno de TV, como atrativo para chamar um maior número de clientes, assume o dever de zelar pela segurança de seus consumidores. Por conseguinte, não há como prevalecer a tese do recorrente de que o evento danoso se deve à ocorrência de força maior. Incorrendo em falha quanto às obrigações que assumiu, não há como afastar a responsabilidade civil do estabelecimento comercial, subsistindo o dever de indenizar.4 - No tocante ao valor do celular a ser indenizado não há qualquer reparo a ser feito, já que a autora juntou aos autos, à fl. 22, nota fiscal de compra. Insta consignar que a prova da depreciação do bem e de seu valor à época do roubo incumbia ao recorrente, que não a produziu. 5 - Ante o exposto, nego provimento ao recurso para manter na íntegra a r. sentença recorrida por seus próprios e jurídicos fundamentos. 6 - Condeno o recorrente ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, que arbitro em R$ 200,00. 7 - Recurso conhecido e improvido, legitimando a lavratura do acórdão nos moldes autorizados pelo art. 46 da Lei n. 9.099/95. Unânime. (Acórdão 247056, 20050410119180ACJ, Relator: ESDRAS NEVES, 1ª Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal, data de julgamento: 16/5/2006, publicado no DJU SEÇÃO 3: 20/6/2006. Pág.: 138)

Em conclusão, é inegável a importância de se considerar a depreciação do bem para a definição do valor da indenização. Ao ponderar a depreciação como um fator relevante na avaliação de danos, é possível estabelecer uma compensação justa e adequada às partes envolvidas em casos de sinistros ou litígios, evitando-se uma superestimação injustificada do montante a ser compensado.

Além disso, a consideração da depreciação como critério para a definição do valor da indenização também promove a coerência e a consistência nos processos de avaliação. Ao levar em conta a depreciação, leva-se em consideração a realidade dos bens e sua devida atualização, garantindo uma avaliação precisa e atualizada do seu valor no momento do sinistro ou do evento que gerou a necessidade de indenização, definindo-se um marco ou fato gerador para a compensação que refletirá a perda sofrida naquele momento.

Ao se considerar os efeitos da depreciação, valora-se corretamente a realidade dos fatos e assegura-se uma compensação adequada, promovendo-se a justiça e a transparência nas relações jurídicas, comerciais e consumeristas por suas peculiaridades.

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1 STJ. Súmula 130. A empresa responde, perante o cliente, pela reparação de dano ou furto de veículo ocorridos em seu estacionamento.

2 Acesso em 22/6/23. https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/populacao/17270-pnad-continua.html?edicao=35626&t=resultados

3 APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. FURTO DE BOLSA NO INTERIOR DE SUPERMERCADO. DESÍDIA DA AUTORA QUANTO AOS SEUS PERTENCES PESSOAIS, SOB SUA GUARDA E VIGILÂNCIA. NEXO DE CAUSALIDADE INEXISTENTE. CULPA EXCLUSIVA DA CONSUMIDORA. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. Caso em que o furto ocorreu por descuido da própria autora, que deixou a bolsa dentro do carrinho de compras, não se podendo exigir da ré, nas circunstâncias concretas, o dever de guarda dos pertences da demandante, o que ultrapassaria o dever anexo de segurança decorrente da relação de consumo entabulada entre as partes. (TJPR – 9ª C.Cível – AC – 917105-9 – Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba –  Rel.: Francisco Luiz Macedo Junior – Unânime –  – J. 27/9/12).

4 Acesso em 22/6/23. https://www.dicionariofinanceiro.com/depreciacao-linear/

5 Acesso em 22/6/23. https://www.dicionariofinanceiro.com/depreciacao-como-calcular-metodos-calculo/

Rhuana Rodrigues César
Especialista em Direito Digital e Compliance, Direito Tributário e Gestão de Tributos, Sócia responsável pela área Consumerista do escritório Chenut, Oliveira, Santiago – Sociedade de Advogados.

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