O tema da adoção avoenga tem suscitado debates no âmbito jurídico, uma vez que o artigo 42, §1º da lei 8.069/90, proibia expressamente essa prática. Tal proibição se justificava pelo possível tumulto nas relações familiares, decorrente da alteração dos graus de parentesco que ocorreriam caso os avós adotassem seus próprios netos.
Contudo, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem adotado uma abordagem mais flexível, fundamentada em princípios constitucionais e no interesse do menor, para permitir excepcionalmente essa forma de adoção.
A proibição da adoção avoenga e suas razões: O artigo 42, §1° do Estatuto da Criança e Adolescente, estabelece a proibição da adoção pelos avós, com o objetivo de evitar a confusão e o tumulto nas relações familiares.
Caso essa prática fosse permitida, ocorreria uma verdadeira alteração dos graus de parentesco. Por exemplo, se os avós adotassem seus netos, a criança passaria a ser filho dos avós, irmão de um de seus pais e de seus tios, além de tio de seus irmãos e primos. Essa complexidade nos laços de parentesco poderia gerar confusão e desordem nas relações familiares.
A relativização da proibição com base em princípios fundamentais: Apesar da proibição expressa no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), o Poder Judiciário, notadamente o STJ, tem adotado uma postura de relativização dessa regra. Essa flexibilização é fundamentada em princípios constitucionais e no melhor interesse da criança e do adolescente. Dentre os princípios considerados, outro também se destacam como:
Dignidade da pessoa humana: A Constituição Federal consagra o princípio da dignidade da pessoa humana como um valor supremo, o qual deve ser respeitado em todas as decisões relacionadas aos direitos das crianças.
Igualdade entre filhos: O princípio da igualdade entre filhos, previsto no art. 5º, I, e art. 226, §7º da Constituição Federal, busca garantir tratamento igualitário a todas as crianças, independentemente de sua origem biológica ou adotiva.
Melhor interesse da criança e do adolescente: Esse princípio, presente na Declaração Universal dos Direitos da Criança e no ECA, direciona as decisões judiciais no sentido de priorizar o bem-estar e a proteção dos menores.
Decisões do STJ e um caso emblemático: O STJ tem adotado uma interpretação flexível e contextualizada das normas, visando adequar o ordenamento jurídico à realidade social e atender ao melhor interesse do menor. Agora, para iniciar a explicação de casos, uma decisão emblemática iniciou essa exceção.
Nesse sentido é o julgamento do Recurso Especial 1.448.969/SC, no qual o Tribunal permitiu a adoção pelos avós.
Nesse caso específico, os avós já exerciam a paternidade socioafetiva da criança desde seu nascimento. A mãe biológica foi adotada por eles aos oito anos de idade, após ter sofrido abuso sexual e engravidar como resultado dessa violência. Com nove anos, a mãe biológica deu à luz, e os avós assumiram a paternidade socioafetiva do bebê, que era seu neto.
Ao analisar esse caso, o STJ reconheceu que a vedação prevista no art. 42, §1º, do ECA não deveria ser aplicada de forma rígida, por ignorar a realidade fática e o melhor interesse da criança.
A prevalência dos princípios da proteção integral e da garantia do melhor interesse do menor, conforme estabelecido no art. 6º do ECA, foi levada em consideração. Assim, o tribunal entendeu que a adoção avoenga deveria ser mantida.
É importante destacar que tanto o adotado quanto a mãe biológica, agora irmã do adotado, expressaram concordância com a adoção. Esse fato é fundamental para evitar confusão mental e emocional no adotado, uma vez que o vínculo familiar e afetivo entre eles já estava consolidado.
Conclusão
Conclui-se, portanto, que o debate em torno da adoção avoenga tem evoluído no âmbito jurídico, considerando tanto a proibição expressa quanto a flexibilização dessa regra pelo Superior Tribunal de Justiça.
Embora a alteração dos graus de parentesco possa gerar tumulto nas relações familiares, os princípios fundamentais, como a dignidade da pessoa humana, a igualdade entre filhos, o melhor interesse da criança e do adolescente, e o princípio da afetividade têm sido considerados na análise dos casos.
Ao privilegiar as relações socioafetivas por razões humanitárias e sociais, o STJ busca regularizar situações de fato consolidadas, atendendo ao princípio constitucional do melhor interesse do menor. O precedente emblemático do Recurso Especial 1.448.969/SC, no qual os avós adotaram o neto, demonstra que a adoção avoenga pode ser realizada sem causar danos psicológicos ao adotado, desde que haja o consentimento dos envolvidos e seja preservado o vínculo afetivo pré-existente.
Portanto, mesmo diante da proibição inicial estabelecida pelo ECA, o Poder Judiciário tem encontrado espaço para flexibilizar essa regra, buscando um equilíbrio entre a proteção da criança e a realidade social.
A adoção avoenga é excepcional, e sendo devidamente fundamentada, analisada caso a caso, pode representar uma solução adequada para situações específicas, garantindo o bem-estar e o interesse dos menores envolvidos.
A jurisprudência do STJ tem-se mostrado uma postura mais aberta e flexível em relação à adoção avoenga, conciliando os aspectos legais e o contexto social, com o objetivo de assegurar o melhor desenvolvimento e proteção das crianças e adolescentes.