Migalhas de Peso

Litispendência entre o mandado de segurança individual e coletivo

Como consectário lógico, o fato de que a existência de mandado de segurança individual e coletivo idênticos não é suficiente para a reunião de julgamento conjunto perante o juízo prevento ante o fenômeno da conexão.

19/6/2023

O mandado de segurança se reveste de questões atinentes aos mais variados institutos processuais, o que denota a riqueza do assunto.

O remédio constitucional é destinado a tutelar pretensões amparadas por direito líquido e certo, onde haja um ato coator ilegal, perpetrado com abuso de poder, passível de correção e anulação.

Importante mencionar, o fato de que somente será possível lançar mão do mandado em hipóteses as quais incabíveis o habeas corpus e habeas data.

Outrossim, em situações altamente controvertidas na doutrina, já tive a oportunidade de escrever sobre1, não será permitido o uso do mandado de segurança quando se tratar de ato do qual caiba recurso administrativo com efeito suspensivo, independentemente de caução, de decisão judicial da qual caiba recurso com efeito suspensivo e de decisão judicial transitada em julgado.

A primeira hipótese é de fácil compreensão, fazendo distinção entre as instâncias administrativa e judicial, não sendo possível o manejo do mandado quando haja recurso administrativo sujeito a efeito suspensivo.

A segunda é de difícil entendimento, ao passo que todo recurso no sistema recursal brasileiro é passível de concessão de efeito suspensivo, questão destrinchada no texto acima aludido, além de fruto de saudáveis divergências com o professor Guilherme Pupe da Nóbrega, entendendo os contrários, desse modo, que mandado de segurança não poderá ser utilizado contra decisão judicial, quando dela caiba, simplesmente recurso.

A exceção ficaria a cargo de eventual decisão teratológica, mas entendo que no caso de recurso sem efeito suspensivo automático, deve-se requerer o efeito no corpo do recurso, e, caso indeferido, lançar mão do mandado constitucional.

E a última hipótese, apta a nos mostrar que o mandado de segurança não poderá fazer as vezes de ação rescisória, respeitando-se a coisa julgada material.

Pois bem, passada a introdução, esse pequeno ensaio tem por desiderato a exposição e discussão de um instituto processual de grande importância no meio jurídico, qual seja a litispendência.

Isso, na missão de descortinar as consequências da incidência do instituto no caso do mandado de segurança coletivo e individual. Para tanto colaciona-se dois julgados interessantes:

MANDADO DE SEGURANÇA - PRÉVIA IMPETRAÇÃO DE AÇÃO MANDAMENTAL COLETIVA - LITISPENDÊNCIA - INOCORRÊNCIA. A impetração de mandado de segurança coletivo pelo Sindicato representante da categoria não retira o direito de ação dos respectivos representados, que podem ingressar em juízo autônoma e individualmente, apenas não aproveitando a estes os efeitos da coisa julgada produzidos na ação coletiva, por inteligência do §1º do art. 22 da lei 12.016/09. (TJMG, APC/RN 1.0105.10.025491-8/002, 6ª CC, rela. Desa. Sandra Fonseca, j. 22.11.2011)

EXECUÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. EXISTÊNCIA DE COISA JULGADA EM MANDADOS DE SEGURANÇA COLETIVO E INDIVIDUAIS. OPÇÃO DOS EXEQUENTES. Tendo os impetrantes alcançado o mesmo direito em sede de mandados de segurança coletivo e individuais, mostra-se razoável a decisão que lhes confere o direito de optarem pelo prosseguimento da execução nestes autos, com a consequente desistência das execuções individuais, em razão do princípio da integral liberdade de adesão ou não ao processo coletivo. (STJ, EDcl na ExeMS 7.385/DF, 3ª Seção, rel. Min. Paulo Gallotti, DJe 17/03/2009)

Sabe-se que a litispendência é fenômeno processual, sendo conceituada legalmente de modo que haverá a incidência da prejudicial quando se repete ação que está em curso.

Além disso, também quando se reproduz ação anteriormente ajuizada, e uma ação é idêntica à outra quando possui as mesmas partes, a mesma causa de pedir e o mesmo pedido.2

Pois bem, adentrando em tais conceitos, como o interessante entendimento de que haverá litispendência entre mandados de segurança coletivos, poder-se-ia indagar acerca da alteração do polo ativo dentre os legitimados legais, sustentando que não se perfaria o requisito das mesmas partes para caracterizar a litispendência.

Ocorre que, esses legitimados ativos agem na defesa de um direito alheio, como substitutos processuais, pertencendo, desse modo, a coletividade ou a um determinado grupo de pessoas.

Por essa razão, o sujeito material ativo permaneceria o mesmo, em que pese variados legitimados formais para tanto.3

Litispendência é a exata repetição de demanda existente, eventual inversão dos polos, principalmente no que diz respeito às ações individuais atraem a incidência do fenômeno, acarretando a extinção da segunda ação sem a resolução do mérito, conhecido também como litispendência às avessas.

Adentrando ao cerne da discussão, e, corroborando os julgados acima colacionados, tem-se, positivado, que o mandado de segurança coletivo não induz litispendência, ao revés dos exemplos anteriores, em relação aos individuais, mas os efeitos da coisa julgada não beneficiarão o impetrante a título individual se este não requerer a desistência de seu mandado de segurança no prazo de 30 (trinta) dias a contar da ciência comprovada da impetração da segurança coletiva.

Importante mencionar, como consectário lógico, o fato de que a existência de mandado de segurança individual e coletivo idênticos não é suficiente para a reunião de julgamento conjunto perante o juízo prevento ante o fenômeno da conexão, em homenagem ao princípio da independência das ações individuais e coletivas.

Essa é uma opção legislativa, posto que expressa em texto de lei, privilegiando a proteção conferida aos substituídos processuais no mandado de segurança coletivo, franqueando a opção de desistência da ação individual, para que possam submeter-se a coisa julgada favorável coletiva.

Por fim, importante atentar para o prazo de trinta dias apontado no parágrafo 1°, da lei de regência, que deve ter a interpretação de que apenas começa a correr quando o impetrante individual toma ciência, inequívoca, de que existe um mandado de segurança coletivo a tutelar o mesmo bem da vida.

--------------------------

1 https://www.migalhas.com.br/depeso/382257/vedacao-ao-cabimento-do-mandado-de-seguranca-contra-decisao-judicial

2 Art. 337 e parágrafos, do CPC

3 LUIZ GUILHERME MARINONI e SÉRGIO CRUZ ARENHART, Curso de Processo Civil, Volume 2, 7ª ed., RT, p. 767/768.

Luís Eduardo de Resende Moraes Oliveira
Advogado e especialista em direito processual civil. Membro da Associação Brasiliense de Direito Processual Civil. Membro da Comissão de Processo Civil da OAB/DF.

Veja mais no portal
cadastre-se, comente, saiba mais

Artigos Mais Lidos

Tema 1348 do STF: Imunidade do ITBI nas holdings e seus impactos

4/11/2024

É constitucional a proposta de “só preto pode falar”?

5/11/2024

Direito ao distrato em casos de atraso na obra: O que diz a lei

4/11/2024

Vini, non vidi, perdere

5/11/2024

Seria o vínculo trabalhista a única forma de proteção social?

4/11/2024