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Inaplicabilidade da inversão do ônus da prova contra publicidade da concorrente – caso Burger King e Madero

Pensar de outra forma seria deturpar o sentido primordial da positivação da inversão do ônus da prova, que é a defesa dos direitos do consumidor, este sim hipossuficiente e vulnerável perante a empresa fornecedora de determinado produto ou serviço.

19/6/2023

Em decisão unânime, a 3ª Turma do STJ, ao julgar o Recurso Especial 1.866.232/SP, concluiu que não é possível aplicar o instituto da inversão automática do ônus da prova (art. 38 do CDC) em ação ajuizada pela rede Burger King, visando a cessação da veiculação de publicidade supostamente enganosa pela empresa concorrente, Madero. A última usava em seu material de divulgação a expressão: “melhor hambúrguer do mundo”.

A demanda original foi proposta com o objetivo de coibir suposta conduta de concorrência desleal e de desvio de clientela por parte do Madero, bem como de ver indenizados os prejuízos dela decorrentes. O TJ/SP negou o pedido da demanda e o STJ confirmou o mérito.

A discussão recursal, no entanto, ampliava a discussão e recaía sobre a possibilidade se aplicar a regra do art. 38 do Código de Defesa do Consumidor, que prevê a inversão do ônus da prova operada de forma direta e automática, em ação visando a cessação da veiculação de publicidade. O Burger King argumentava que a concorrente teria que comprovar em pesquisa a afirmação feita na publicidade (que o melhor hambúrguer do mundo era da lanchonete concorrente).

Ações desse tipo, cujo lastro não é propriamente estabilizar uma relação de consumo, não admitem a inversão automática do ônus da prova, já que foi proposta por sociedade empresária concorrente, e não pelo consumidor.

Ao fundamentar sua decisão, o saudoso Ministro Paulo De Tarso Sanseverino, então Relator do caso, pontuou que a inversão automática do ônus da prova está fundada no pressuposto de vulnerabilidade do consumidor, especialmente no que diz respeito à publicidade, possuindo o objetivo claro de garantir a igualdade material entre consumidor e fornecedor, reforçando a sua proteção.

No caso concreto não há que se falar em vulnerabilidade presumida, justamente por se tratar de ação sobre concorrência entre duas empresas, pelo que uma possível dificuldade na produção probatória prova pode ser resolvida por meio da distribuição dinâmica da prova, prevista no Código de Processo Civil.

Pensar de outra forma seria deturpar o sentido primordial da positivação da inversão do ônus da prova, que é a defesa dos direitos do consumidor, este sim hipossuficiente e vulnerável perante a empresa fornecedora de determinado produto ou serviço.

Janaína de Castro Galvão
Sócia da área Cível e Resolução de Conflitos da Innocenti Advogados e especialista em direito processual e empresarial.

Mariana Mastrogiovanni de Freitas
Advogado da área Cível e Resolução de Conflitos da Innocenti Advogados.

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