O ano é 2009. Esse é o marco do início do fim da vida como a conhecíamos. Esse é o ano em que o aplicativo WhatsApp foi introduzido no Brasil.
Antes do advento do WhatsApp, a comunicação por mensagem instantânea passou por outros aplicativos, mas nenhum com o alcance e a expressiva presença planetária atingida por essa ferramenta de conversação.
A autora que vos escreve aqui é do tempo do Telex, uma máquina que transmitia mensagens por meio elétrico para outra máquina, que traduzia os comandos digitados no aparelho remetente e os reproduzia as informações no aparelho recebedor. As mensagens poderiam ser enviadas a qualquer hora; para enviá-las eranecessário que o operador do telex estivesse presente, mas para recebê-las bastava que a outra máquina estivesse ligada.
Do Telex, evoluímos para o fac-símile, um aparelho conectado a uma linha telefônica, cuja operação parecia com a de um scanner: colocava-se o papel com a mensagem escrita, discava-se o número do destinatário, recebia-se um sinal sonoro, e a máquina, então, iniciava a transmissão, fazendo o papel correr no seu interior, e devolvendo-o no lado oposto, depois de codificada a mensagem para envio.
Tivemos, também, a fase dos pagers, aquele aparelhinho que as pessoas prendiam ao cinto. Esse era o aparelho da “emergência”, pois num mundo sem celular e sem smartphones, a maneira de se alcançar alguém que não estivesse perto de um telefone fixo era ligar para uma central telefônica e informar a mensagem que deveria ser transmitida para o número do pager de quem deveria recebê-la. O aparelhinho, então, apitava, mostrando a mensagem ao seu portador.
Até aqui, a tecnologia colaborava para que as pessoas se comunicassem à distância de maneira eficiente, mas não instantânea. Havia um lapso de tempo aceitável entre o recebimento da mensagem e o retorno do destinatário ao remetente. Não existia, então, a sensação de urgência permanente que tomou conta da comunicação em tempo real inaugurada pelo WhatsApp.
No final dos anos 1980, chegamos ao futuro startrekiano – o telefone celular. Inicialmente, um “tijolo” com antena, que permitia – a um custo muito elevado, diga-se – que se telefonasse ou se recebesse ligação, de qualquer lugar, por meio de ondas curtas de rádio. Os primeiros aparelhos tinham apenas uma função: telefonar.
Quase simultaneamente, também na década de 80, a internet chegou no Brasil. A partir da segunda metade da década de 90, com o desenvolvimento da infraestrutura necessária, começam a surgir os provedores de internet. Inicialmente disponível apenas para a parcela mais privilegiada da população, em razão de seu custo, foi a partir da primeira década dos anos 2000 que essa ferramenta começou a ser democratizada, permitindo o acesso a parcelas menos favorecidas da população, ainda que, mesmo atualmente, a exclusão digital seja uma realidade preocupante.
Com a internet, vieram o e-mail, as mensagens de texto, os áudios, tudo evoluindo a uma velocidade nunca antes vista na área de comunicação. ICQ, MSN, SMS e, finalmente, WhatsApp, encurtaram enormemente as distâncias, o tempo entre as comunicações e, principalmente, a saúde mental dos seus usuários.
As redes sociais vieram com força a partir de 2004, com o advento do Orkut e do Facebook, ambas nascidas no mesmo ano. De lá para cá, brotaram também no ambiente virtual o Flickr, o Myspace, o Twitter, o Instagram, o LinkedIn, o Pinterest, o Vimeo, entre outras tantas. Em comum, todos esses foram e continuam a ser espaçosonde cabe apenas a “vida perfeita”. Imagens de mãos segurando taças de espumante em frente a paisagens paradisíacas, ou de grupos festivos e com uma felicidade que se propõe permanente; textos entusiasmados que, em poucas palavras, transmitem uma boa ventura infinita. A existência como sempre foi – com altos e baixos, alegrias e tristezas, sucessos e fracassos – deu lugar a uma fictícia realidade de permanentes triunfos e felicidade sem fim.
Numa outra vertente, em direção diametralmente oposta, as redes sociais também viraram um espaço para denúncias, exposição da vida privada e de intimidades, e narrativas que causam cancelamentos, um fenômeno moderno pelo qual alguém ou um grupo de pessoas torna-se persona non grata à comunidade da qual pertence.
Tanto a superexposição de uma vida irreal de luxos, viagens e felicidade fabricada pelo filtro da câmera do smartphone, quanto o linchamento virtual e os discursos de ódio, vêm causando uma epidemia de transtornos psiquiátricos oriundos de uma combinação de pensamentos, emoções e percepções distorcidos por postagens ficcionais e por humilhações e constrangimentos que se tornam perenes no mundo virtual. Depressão, fruto de baixa autoestima, tristeza e permanente sentimento de frustração, e transtorno de déficit de atenção potencializado pelo uso excessivo de conteúdo digital e dos longos períodos nas plataformas digitais são disfunções que apresentaram um aumento expressivo em uma parcela significativa da população mundial.
As consequências nefastas atreladas ao uso desacertado e abusivo das ferramentas digitais não se limitam à desconstrução psicológica; elas alcançam também a esfera jurídica dos indivíduos. Ações indenizatórias por danos morais e ações criminais pelos crimes de calúnia, injúria e difamação se multiplicaram; as disputas na área do Direito de Família saíram do segredo de justiça para o palco da internet, alçando os seguidores de perfis de famosos à posição de juízes digitais que condenam e passam a atacar o “réu” com base na narrativa isolada de uma das partes. Crianças passaram a ser expostas ao barulho virtual causado pelo compartilhamento das desavenças familiares, em especial nos casos de separação litigiosa, assim como, também, à negligência parental pela falta de controle do acesso de seus filhos menores a conteúdos impróprios, causando efeito nocivos que podem se tornar permanentes. Esse novo evento jurídico foi batizado de abandono digital, nomenclatura que dispensa maiores explicações.
A vida digital veio para ficar e trouxe consigo benefícios inegáveis, entre eles diversos avanços tecnológicos, encurtamento de distâncias, acesso mais democratizado ao conhecimento. De outro lado, no entanto, essa mesma vida se viu interrompida pelo imediatismo que se estabeleceu, pelas relações que se tornaram fluidas e pelas dores da maldade que passou a chegar muito mais rápido e de forma permanente e indelével no mundo virtual.
Encontrar um equilíbrio nesse universo paralelo é tarefa hercúlea e, provavelmente, impossível. Caberá aos pais e educadores capacitar os cidadãos, desde a infância, a fazer uso consciente e responsável – consigo e para com terceiros – do mundo virtual. A educação é a resposta e o caminho.