Na última quinta-feira, 5/6, a Apple revelou o lançamento de seu mais recente sistema operacional, o iOS 17, que deve estar disponível a todos os usuários em setembro deste ano.
A gigante tecnológica da Califórnia promete que essa atualização proporcionará experiências inovadoras para os usuários de iPhones, simplificando ainda mais o processo de compartilhamento de imagens e documentos. Os usuários, por exemplo, poderão trocar contatos e demais informações por meio da tecnologia NFC de seus celulares, ou seja, bastante a aproximação dos aparelhos.
De acordo com a nota oficial, essa atualização irá transformar o iPhone em um dispositivo “ainda mais pessoal e intuitivo”, o que, sem dúvidas, será considerada uma novidade empolgante para todos os entusiastas e usuários fiéis da marca Apple.
Apesar das notícias promissoras e das inovadoras funcionalidades, a Apple anunciou que o update para o novo sistema operacional será restrito aos iPhones lançados após 2017, citando a suposta falta de capacidade de processamento dos modelos mais antigos. Isso significa que apenas os iPhones X e modelos subsequentes poderão se beneficiar da atualização, deixando de fora os ainda populares iPhones 7, 7 Plus, 8 e 8 Plus, bastante utilizados pelo público brasileiro. Algumas funcionalidades, inclusive, poderão ser acessadas apenas por usuários de iPhones 12 em diante.
Essa restrição de atualização, contudo, levanta uma questão jurídica quase que imediata: Seria a prática de lançar uma atualização exclusiva para modelos mais recentes uma forma de obsolescência programada? Ou será que há justificativas técnicas legítimas, como a capacidade de processamento dos aparelhos, que realmente inviabilizam a extensão do software para modelos mais antigos?
A obsolescência programada é uma estratégia comum entre fabricantes, especialmente no setor tecnológico, que projetam seus produtos para se tornarem obsoletos ou falharem depois de um certo período. A estratégia tem o efeito de compelir consumidores a adquirir modelos mais recentes, mesmo que os seus devices atuais ainda estejam em pleno funcionamento. O objetivo subjacente é alimentar uma demanda constante e estimular o consumo contínuo.
Atualmente, o fenômeno é frequentemente dividido em duas categorias principais: (1) a obsolescência tecnológica ou funcional, que acontece quando um novo produto ou tecnologia supera e torna obsoleto um modelo anterior, caso do iOS 17, e (2) a obsolescência planejada por incompatibilidade, uma tática em que as empresas deliberadamente projetam seus produtos para serem incompatíveis com outros disponíveis no mercado, forçando os consumidores a se confinarem a um ecossistema específico de produtos. Esta última é uma prática reconhecidamente adotada pela Apple, que vem sendo debatida na Europa por anos, especialmente no caso das entradas específicas dos seus carregadores.
Apesar da obsolescência programada ser um fenômeno amplamente discutido por juristas, é fato que tal prática não está explícita no rol de Práticas Abusivas do Código de Defesa do Consumidor (CDC - Art. 39), o que confere maior subjetividade na avaliação da ocorrência, ou não, da abusividade em casos que envolvem tecnologia. O CDC, por exemplo, é expresso no sentido de que fabricantes e importadores de produtos são obrigados a garantir a oferta de componentes e peças de reposição enquanto o produto estiver sendo fabricado ou importado, devendo esta disponibilidade ser continuada por um período razoável, mesmo após a cessação da comercialização do produto.
Contudo, uma vez que o CDC foi promulgado em 1990, o código não contempla a descontinuação das atualizações de software e de outros aspectos imateriais que, eventualmente, podem ou não ser categorizados como peças ou componentes tradicionais. Assim, a definição de obsolescência, nos casos que envolvem elementos imateriais, acaba ficando subordinada à interpretação da entidade encarregada de examinar a questão, seja ela o Poder Judiciário ou um órgão administrativo de defesa do consumidor.
Considerando este cenário, a questão crucial que a Apple deve esclarecer, no caso da exclusividade do iOS 17, é se os processadores dos iPhones 7 e 8 - desenvolvidos antes de 2017 - são, de fato, incapazes de proporcionar uma experiência fluida e funcional ao usuário. Certamente, essa justificativa técnica para a "não atualização" será questionada pelos órgãos de defesa do consumidor em todo o Brasil, especialmente considerando a relação já tensa entre a Apple e alguns Procons estaduais.
A questão se torna ainda mais complexa quando consideramos o contexto específico do mercado brasileiro. Isso porque, até 2020, a Apple ainda vendia o iPhone 8 no Brasil, o que significa que muitos consumidores podem ter comprado este modelo há menos de 3 anos e verão que seus dispositivos ficarão atrasados frente aos demais. Esses consumidores podem ter a sensação de que as funcionalidades de seus dispositivos estão sendo reduzidas de maneira precoce e injusta, o que poderia ser interpretado como uma prática abusiva, contrariando o que preconiza o Código de Defesa do Consumidor.
Ainda, é fundamental destacar que no âmbito de dispositivos tecnológicos as atualizações de software são vitais não apenas para introduzir novas funcionalidades e melhorar a experiência do usuário, mas também para garantir a segurança da informação contida nos dispositivos. Cada atualização de sistema operacional inclui, em muitos casos, patches de segurança projetados para proteger o dispositivo de ameaças cibernéticas emergentes. Quando um dispositivo é impedido de receber essas atualizações vitais, ele se torna mais vulnerável a ataques e violações de segurança. Portanto, ao limitar a disponibilidade das atualizações a modelos mais recentes, pode-se argumentar que a empresa não está apenas afetando a usabilidade do dispositivo, mas também comprometendo a segurança dos dados do usuário, um aspecto que certamente deve ser levado em consideração na análise da obsolescência programada.
Por esses motivos, a questão da disponibilidade do iOS 17 para modelos específicos de iPhone tem potencial para se tornar um tema de intenso debate no Brasil, envolvendo tanto órgãos de defesa do consumidor quanto o Poder Judiciário. Esta não é a primeira vez que a empresa fundada por Steve Jobs enfrenta controvérsias relacionadas às práticas de obsolescência programada ou consideradas abusivas, o que tende a causar maior inflexibilidade dos órgãos competentes.
Vale lembrar que, em muitos aspectos, o resultado deste debate pode estabelecer precedentes importantes para a forma como a legislação brasileira lida com práticas semelhantes no futuro, em um universo em que o bem imaterial, cada vez mais, tem relevância no funcionamento da sociedade. Portanto, tanto para consumidores quanto para fabricantes de tecnologia, o desenrolar deste caso será de grande interesse.