A Justiça brasileira pode, a curto prazo, ser melhorada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), mesmo sem reformas legislativas no sistema. Este tribunal, conhecido como o Tribunal da Cidadania, tem tido uma luta comparável à da figura mitológica de Sísifo para se superar, parecendo, como o mito, condenado a empurrar a pedra até o cume da montanha para vê-la rolar abaixo, num esforço infindável, sempre retomando o sacrifício.
Mas nem tudo está perdido. Um julgamento concentra grande parte da solução para desafogar a quantidade de processos no Judiciário. Trata-se do Recurso Especial nº 1.805.317-AM, que está na Corte Especial do STJ e que tem como relator o Ministro Antonio Carlos Ferreira. Isto porque haverá a oportunidade de se uniformizar o entendimento do STJ sobre um ponto de grandíssima relevância para o acesso às instâncias superiores: o chamado prequestionamento.
O prequestionamento é o aviso que o recorrente faz à instância inferior sobre a violação que ela estaria cometendo, demonstrando com clareza que, se não sanada, abrir-se-ia a porta de acesso ao tribunal superior.
Uma parte pequena dos ministros do STJ acredita que esse prequestionamento não precisa ser claramente demonstrado em casos que o classificam como ficto ou implícito. A maior parte da Corte, entretanto, se posiciona firmemente no sentido de ser um dever de quem irá recorrer dar a exata indicação do artigo normativo violado. Esse dever, além de prestigiar a boa técnica jurídica, impede que seja suprimida uma instância de julgamento, permitindo que o juízo recorrido se manifeste sobre a questão ou mesmo, em caso de ausência de manifestação, deixe evidenciada a falta ocorrida, expediente que torna a justiça mais eficaz, desafogando o STJ e o Supremo Tribunal Federal (STF), porquanto configura-se um filtro processual natural e que já existe, antes mesmo de se cogitar em reformas no Judiciário. O próprio Ministro-Relator, Antonio Carlos, em decisão recente, reconhece como correta esta corrente majoritária do Tribunal (AgInt no Ag em REsp no 1.491.910/RS, de 13/3/2023).
Veja-se o que está descrito no artigo 1.022 do Código de Processo Civil, que, em essência, mostra o dever de os julgadores, mormente os das instâncias inferiores, antes de o caso ir para o STJ ou para o STF, esclarecerem obscuridade, eliminar contradição, suprir omissão ou corrigir erro material. Quando esse dever não é cumprido pelos magistrados de segunda instância, abre-se outro dever, só que para a parte recorrente, a quem caberá anunciar explicitamente à instância superior (STJ, por exemplo) que houve violação ao referido artigo 1.022.
Vale lembrar que o STJ encerrou o ano passado com um incrível recorde de 577.707 julgamentos, o que, para um período com apenas 194 dias úteis, representa a inimaginável marca de quase 3.000 julgamentos por dia! O quadro, aliás, é mais grave, quando se vê que mais de 80 % desses casos correspondeu a julgamentos feitos por um só julgador, porque se referiram às chamadas decisões monocráticas, tomadas normalmente quando há problemas na origem dos recursos que lá chegam (Vide seu sítio eletrônico: https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/2022/19122022-Tribunal-encerra-2022-com-recorde-de-julgamentos-e-reduz-estoque-processual-pelo-quinto-ano-seguido.aspx, consultado em 29/5/23, às 22h20).
E, quando vemos os motivos que mais levariam os brasileiros a recorrerem ao Poder Judiciário, além dos criminais, a necessidade de precisão na técnica recursal verdadeiramente salta aos olhos: celular com defeito representou 78%, prestações diversas de serviço, 79%, relações de vizinhança, 81%, judicialização da saúde, 85%, direito de família, 86%, relações diversas com o Poder Público, 86%, relações de trabalho, 86% e, pasme-se, carro com defeito, 89% (Vide relatório ICJBrasil 2021 da FGV).
A Corte Especial do STJ é composta pelos 15 membros mais antigos no Tribunal, que hoje correspondem aos seguintes julgadores: Ministra Maria Thereza, Ministro Og Fernandes, Ministro Francisco Falcão, Ministra Nancy Andrighi, Ministra Laurita Vaz, Ministro João Noronha, Ministro Humberto Martins, Ministro Herman Benjamin, Ministro Luis Salomão, Ministro Mauro Campbell, Ministro Benedito Gonçalves, Ministro Raul Araújo, Ministra Isabel Gallotti, Ministro Antonio Carlos Ferreira e Ministro Villas Bôas Cueva.
Esses respeitáveis julgadores certamente darão um passo firme para descongestionar parte do Judiciário e prestigiar os precedentes do próprio STJ: essa é a confiança que o Tribunal da Cidadania nos inspira auspiciar!