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O contrato de franquia e a inexistência de relação empregatícia

Recentes decisões proferidas pelo STF sobre o tema configuram importantíssima confirmação de licitude e validade do contrato de franquia e da possibilidade de o empresário organizar sua atividade da forma que melhor se adeque a seus interesses e necessidades.

1/6/2023

A franquia empresarial consiste em parceria comercial visando à comercialização de produtos e serviços. Nesse modelo de parceria comercial, há convergência de interesses das partes contratantes1: do lado da empresa franqueadora, é de seu interesse expandir sua rede de atuação sem, contudo, ter que arcar com todos os gastos de implementação de novas unidades próprias, como compra ou locação do espaço físico, adequação das instalações ao padrão da marca, contratação de empregados, entre outros.

Já para a empresa franqueada, um dos principais pontos de atratividade do modelo de franquia está na possibilidade de iniciar atividade empresarial com marca já conhecida no mercado e modelo de negócios e técnicas criadas e com comprovação de aceitação pela clientela. Além disso, no sistema de franquia, o franqueado passa a contar com suporte externo constante prestado pela franqueadora, o que facilita de forma relevante o dia a dia dos negócios.

Segundo o art. 1º da lei federal 13.966/2019 (Lei de Franquias):

Art. 1º  Esta Lei disciplina o sistema de franquia empresarial, pelo qual um franqueador autoriza por meio de contrato um franqueado a usar marcas e outros objetos de propriedade intelectual, sempre associados ao direito de produção ou distribuição exclusiva ou não exclusiva de produtos ou serviços e também ao direito de uso de métodos e sistemas de implantação e administração de negócio ou sistema operacional desenvolvido ou detido pelo franqueador, mediante remuneração direta ou indireta, sem caracterizar relação de consumo ou vínculo empregatício em relação ao franqueado ou a seus empregados, ainda que durante o período de treinamento.

Decorrência lógica dessa sistemática de parceria empresarial está o fato de que a relação comercial de franquia não caracteriza vínculo empregatício entre a franqueadora e o franqueado, que atuam como empresas independentes, o que inclusive consta expressamente tanto na Lei de Franquias, conforme art. 1º transcrito acima, como na lei que a antecedeu2:

“Uma característica desse método de comercialização é o fato de não estarem os franqueados ligados ao franqueador por um vínculo empregatício Daí falar-se como elemento característico da franquia a independência do franqueado, isto é, sua autonomia econômica e jurídica, integrando ele à rede de distribuição dos produtos mas não participando da empresa distribuidora.”3

“A principal característica do contrato de franquia é a independência do franqueado, com autonomia jurídica e financeira, ‘não há qualquer subordinação ou vínculo empregatício’. Franqueadora e franqueado são pessoas jurídicas distintas, com nome e cadastros distintos, mas, com direito do uso da marca, insígnia, nome empresarial, o que gera a identidade da rede de franquia.”4

Não raro e há muito, divergências envolvendo contratos de franquia são submetidas à solução pelo Poder Judiciário brasileiro.

O Supremo Tribunal Federal, órgão máximo da hierarquia judicial, ainda não havia se debruçado sobre controvérsias envolvendo o contrato de franquia como forma válida de contratação de serviços. Havia, no entanto, proferido uma série de decisões reconhecendo a constitucionalidade das relações de trabalho diversas das de emprego regidas pela Consolidação das Leis Trabalhistas – CLT, como, por exemplo, na ADPF 324, ADC 48, ADC 66, ADIn 3.961, ADIn 5.625 e RE 958.252.

Foi firmado, inclusive, o Tema de Repercussão Geral 725, segundo o qual é “lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante”.

Esse quadro foi alterado recentemente, com a manifestação específica do STF sobre a validade dos contratos de franquia como forma lícita de organização empresarial, por meio de duas decisões monocráticas proferidas pelos Ministros Alexandre de Moraes e André Mendonça em março de 2023.

Em decisão de 14/3/23, o Ministro Alexandre de Moraes julgou procedente reclamação ajuizada por franqueadora do ramo de serviços odontológicos na qual foi alegado que acórdão do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região teria desrespeitado as decisões proferidas pelo STF na ADPR 324, na ADC 48, na ADIn 5.625, bem como o Tema 725 de Repercussão Geral.

O TRT da 1ª Região havia afastado a eficácia de contrato de franquia firmado entre as partes envolvidas com base na afirmação de existência de relação de emprego no caso concreto. Contudo, analisando a fundamentação utilizada pelo Tribunal trabalhista, o Ministro Alexandre de Moraes reconheceu que o acórdão não observou o entendimento do STF quanto à “constitucionalidade das relações de trabalho diversas da de emprego regida pela CLT, conforme decidido na ADPF 324, na ADC 48, na ADIn 3.961, na ADI 5.625, bem como o Tema 725 da Repercussão Geral”:

“Transferindo-se as conclusões da CORTE para o contrato de franquia empresarial, tem-se a mesma lógica para se autorizar a constituição de vínculos distintos da relação de emprego, legitimando-se a escolha pela organização de suas atividades por implantação de franquia, dando concretude ao art. 2º da Lei 8.955/1994: ‘Franquia empresarial é o sistema pelo qual um franqueador cede ao franqueado o direito de uso de marca ou patente, associado ao direito de distribuição exclusiva ou semi-exclusiva de produtos ou serviços e, eventualmente, também ao direito de uso de tecnologia de implantação e administração de negócio ou sistema operacional desenvolvidos ou detidos pelo franqueador, mediante remuneração direta ou indireta, sem que, no entanto, fique caracterizado vínculo empregatício’.” (grifos no original)

Por sua vez, na decisão proferida em 30/3/23, o Ministro André Mendonça reiterou o posicionamento adotado pela Corte, no sentido de “validade constitucional de terceirizações ou qualquer outra forma de divisão do trabalho — inclusive franquias —, firmadas para a consecução de objetivos comuns, sem prejuízo de o Poder Público reconhecer, fundamentadamente, eventual ocorrência de fraude à legislação trabalhista” (grifos no original).

O Ministro ainda esclareceu que deve ser feita a análise pormenorizada da presença ou não de fraude trabalhista, na esteira do entendimento prevalecente nos Tribunais trabalhistas de que presentes os elementos típicos de uma relação de emprego (como pessoalidade, continuidade, exclusividade, subordinação e remuneração fixa), haveria relação empregatícia:

“A decisão reclamada reconheceu a prestação de serviços, mas não examinou se tal prestação foi feita escorada em regular contratação de empresa franqueada, como aparenta indicar o contrato firmado entre as partes. Tal análise deve ser feita levando em consideração o mercado de venda de seguros e a função social do contrato de franquia na dinâmica organizacional tanto do franqueado como do franqueador. Ademais, verifico que tão somente alguns dos requisitos caracterizadores da relação de emprego foram avaliados, e ainda, em prejuízo do disposto na Lei de Franquias, lei 13.966, de 2019, sucessora da lei 8.955, de 1994. Como assentado nos paradigmas, o contrato de trabalho não é a única forma de prestação de serviços nas organizações.” (ênfase inserida)

Importante ressaltar que a Lei de Franquias confere à franqueadora a prerrogativa de atuação e fiscalização para manutenção dos padrões e níveis de qualidade de sua marca, tendo em vista que, aos olhos do consumidor, todas as unidades representam interesse comum de uma marca e devem prestar a mesma qualidade de serviço. Assim, é permitido que a franqueadora, por exemplo, defina quantidades mínimas de produtos que devem ser adquiridas pelos franqueados[5] e realize a supervisão da rede6, sem que isso constitua subordinação do franqueado à franqueadora como um dos elementos da relação empregatícia.

As recentes decisões proferidas pelo STF sobre o tema, ao entenderem pela validade de formas alternativas de contratação de serviços, configuram importantíssima confirmação de licitude e validade do contrato de franquia e da possibilidade de o empresário organizar sua atividade da forma que melhor se adeque a seus interesses e necessidades.

____________

1 “[...] característica marcante do contrato de franchising é a criação de relações de colaboração econômica entre empresas independentes, em que o franqueador dispõe da técnica, e os franqueados dos meios materiais para operar o negócio, de forma que se pode mesmo falar de uma semi integração de suas atividades.” CRETELLA NETO, José. Do contrato internacional de franchising. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 32.

2 Lei nº 8.955/1994, Art. 2º Franquia empresarial é o sistema pelo qual um franqueador cede ao franqueado o direito de uso de marca ou patente, associado ao direito de distribuição exclusiva ou semi-exclusiva de produtos ou serviços e, eventualmente, também ao direito de uso de tecnologia de implantação e administração de negócio ou sistema operacional desenvolvidos ou detidos pelo franqueador, mediante remuneração direta ou indireta, sem que, no entanto, fique caracterizado vínculo empregatício.

3 MARTINS, Fran. Curso de direito comercial: contratos e obrigações comerciais. 17. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 393.

4 FRANSCINO, Christiane Macarron. Contrato de franquia. In: Temas relevantes de direito empresarial. (coord.) Tatiana Bonatti Peres. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2014, pp. 463-464

5 XII - informações claras e detalhadas quanto à obrigação do franqueado de adquirir quaisquer bens, serviços ou insumos necessários à implantação, operação ou administração de sua franquia apenas de fornecedores indicados e aprovados pelo franqueador, incluindo relação completa desses fornecedores;

XIX - informações sobre a existência de cotas mínimas de compra pelo franqueado junto ao franqueador, ou a terceiros por este designados, e sobre a possibilidade e as condições para a recusa dos produtos ou serviços exigidos pelo franqueador;

6 XIII - indicação do que é oferecido ao franqueado pelo franqueador e em quais condições, no que se refere a:

b) supervisão de rede;

Cibelle Linero
Sócia da área Trabalhista do BMA Advogados.

Tatiana Dratovsky Sister
Sócia da área de contratos comerciais e franquias do BMA Advogados.

Larissa Medeiros Rocha
Advogada da área Trabalhista do BMA Advogados.

Letícia Gomes de Oliveira
Advogada da área de Contratos Comerciais e Franquias do BMA Advogados.

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