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Comunidade de Interpretação - Uniformização da jurisprudência é diferente de concentração de poderes

Este texto foi escrito a partir de convite para debate com os ilustres advogados Julian Lisboa e Amarildo Maciel Martins. Os contatos em ambiente escolar dos filhos levam a um primeiro registro sobre a melhor pedagogia. Trata-se da afirmativa do médico Francisco Mora de que “sin emocio´n no hay aprendizaje."

30/5/2023

Anunciando o debate propriamente dito, seguem algumas linhas sobre o tema “Uniformização da Jurisprudência”.

Todos ou quase todos nós assistimos filmes norte-americanos, inclusive os comerciais, em nosso cotidiano. É frequente ver um advogado vencer a demanda porque pesquisou e encontrou um caso semelhante bem anterior que poucos conheciam.

Em Seminário no nosso Supremo Tribunal Federal, a Ministra do STJ Assusete Dumont Reis Magalhães, assinalou que o julgamento “precedente”, nos Estados Unidos, adquire força, após, não nascendo com força vinculante, momento 2h 44 min de https://www.youtube.com/watch?v=KWIPrP-bYes

Outra relevante prática, nos EUA, são as “ações de classe”. Antonio Gidi tem examinado as "class action", com estudos sobre seu aproveitamento em Países, tais como o México, Brasil e outros. Oportuno o registro sobre sua aula, em 2020, disponível em https://www.youtube.com/watch?v=vWfV0tieDkk

Estas primeiras linhas já procuram apontar a enorme dificuldade de o Judiciário atender o crescente número de demandas judiciais. Antes de buscarmos alguma peculiaridade da questão lá, nos EUA, ou na Alemanha, Itália, Argentina, México, Espanha, Portugal e outros, pensemos nos números da Índia, agora o País mais populoso do Mundo, desde abril de 2023. 

A grandiosidade dos números exige nossa dedicação e criatividade. Há de ser garantido o acesso à justiça. Não é oportuno negar o atendimento da população. O TST, em novembro de 2017, recebeu a advogada Sharda Balaj, da Índia. Ela narrou o funcionamento de seu escritório, com 27 milhões de processos, https://www.tst.jus.br/web/guest/noticias/-/asset_publisher/89Dk/content/tst-sedia-debate-internacional-sobre-uso-da-inteligencia-artificial-para-agilizar-a-justica/pop_up?_101_INSTANCE_89Dk_viewMode=print&_101_INSTANCE_89Dk_languageId=pt_BR

Igualmente, da Índia, outro profissional esteve entre nós, mais recentemente. Tratou das soluções através da conciliação, mediação e afins. Sukhsimranjit Singh, apresentou preocupações muito maiores com a legitimação das decisões do que diretamente com os números. Foi palestra com formato e conteúdo incomum, em dezembro de 2022, https://www.youtube.com/watch?v=8v1jC1N6tqc

Aqui, no Brasil, os números, igualmente, não são pequenos. O STF realizou o III Encontro Nacional sobre Precedentes Qualificados, em setembro de 2021. Ali, viu-se que existem setenta (70) milhões de processos judiciais tramitando no País, https://www.youtube.com/watch?v=KWIPrP-bYes

No STJ, são consideráveis os números sobre questões previdenciárias. Em matéria tributária, existem, ali, seis (6) milhões de processos de execuções fiscais, com a União, Estados e Municípios, na condição de autores ou réus.

Em matéria tributária, tem-se conhecimento de que os valores em debate judicial são tão expressivos a ponto de poderem ser comparados a um terço do PIB. Apenas no Estado do Rio de Janeiro, são cinco (5) milhões de processos, relativos a tributos estaduais e municipais. Estes dados e questionamentos são da Professora no Rio de Janeiro, Daniela Nascimento, https://www.youtube.com/watch?v=sBxZM8k5nu4&t=4719s

A seleção processos paradigmas ou “pilotos”, com temas semelhantes a serem uniformizados não é tarefa simples. A Professora, Procuradora do Estado do Rio de Janeiro e Assessora no Supremo Tribunal Federal, Patrícia Perone Campos Mello bem apontou a existência de detalhes diferenciados em cada caso, de um mesmo tema mais geral.

No exemplo da responsabilidade dos entes públicos, relatou, até mesmo, a diversidade de subtemas, debatidos e apreciados, em cada processo, momento 52 minutos https://www.youtube.com/watch?v=AODJFojuqus

As soluções coletivas poderiam e/ou podem trazer resultados consideráveis e mais proveitosos do que a difícil uniformização. Apontam-se dois livros sobre as soluções coletivas:

a) Patricia Miranda Pizzol, "Tutela Coletiva - processo coletivo e técnicas de padronização das decisões", São Paulo: Editora Revista dos Tribunais: 

b) Andrea Pimentel de Miranda, "Quem tem Medo do Processo Coletivo? - as disputas e escolhas políticas no CPC/2015 para o tratamento da litigiosidade repetitiva no Brasil ", São Paulo: Almedina. 

A primeira obra, antes mencionada, tem rica bibliografia. A segunda tem rica e detalhada pesquisa sobre a elaboração do Código de Processo Civil. Registra que o atual IRDR, incidente de resolução de demandas repetidas, em determinado momento da elaboração legislativa do NCPC, novo Código de Processo Civil, tinha o nome de "incidente de coletivização", página 144. Enfim, a opção do NCPC foi por processos individuais, com uniformizações das decisões. 

Repita-se que permanecemos convictos da relevância do texto da Constituição. No artigo 5º, inciso XXXV, esta afirmada a inafastabilidade da jurisdição. Mais ainda, no inciso LXXVIII, acrescentado pela Emenda Constitucional número 45, consta a “duração razoável do processo e meios para celeridade”.

O professor e advogado Lenio Streck salienta que toda atenção é necessária que não ocorra “o sumiço do caso concreto”, in coletânea “Precedentes no Processo do Trabalho – teoria geral e aspectos controvertidos”, Coordenadores Cesar Zucatti Prtisch, Fernanda Antunes Marques Junqueira, Flávio da Cosa Higa e Ney Maranhão, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2020, pg 285. 

Do mesmo modo, nas uniformizações de jurisprudência, é descabida a resposta antes da pergunta, palestra do mesmo ilustre Professor, na Emerj, Escola da Magistratura do Rio de Janeiro, em abril de 2023, momento 43min50segundos de  https://www.youtube.com/watch?v=pMWIHKLOIUI&t=675s

O desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro Alexandre Freitas Câmara tem externado a preocupação com a legitimidade das uniformizações. Acertado este alerta, em seu livro de 2022, “Levando os Padrões Decisórios a sério”, Editora Atlas. As providências de audiências públicas e ouvida dos amicus curiae são mais do que imprescindíveis. 

Trata-se de construir, em expressão de autoria já quase coletiva, um direito processual participativo. Em nota mais alarmante, Alexandre Freitas Câmara chega a lembrar que inexiste, aqui, a avocatória, em momento 2h25min, de https://www.youtube.com/watch?v=KWIPrP-bYes

A contribuição do Ministro do Superior Tribunal de Justiça Paulo de Tarso Sanseverino é inigualável. Sua ausência física, entre nós, desde 8 de abril de 2023, é perda irreparável. Sua anterior presença em comissões do STJ e lúcidas palestras deixará muitas saudades. Apontava, entre outros, a oportunidade de “interlocução” entre Tribunais, momento 15 minutos de https://www.youtube.com/watch?v=AODJFojuqus

A troca de informações, o debate inclusive em esfera administrativa, a controvérsia nos autos em âmbito jurisdicional propriamente dito, o diálogo nos corredores e proximidades do Fórum, a fala e escuta nos vídeos dos computadores, a conversa sem intenção de tomada de decisão com leigos em Direito, e outros atos são possíveis e necessárias. 

Estamos distantes de tempo com solução definitiva trazida pela inteligência artificial. Pessoalmente, participei com proveito, de experiências incipientes, que melhor seria denominada de mero “uso intensivo de dados estruturados”, sob total controle do operador humano,

a) https://www.trt4.jus.br/portais/trt4/modulos/noticias/274964

b) https://www.youtube.com/watch?v=K-XH_D-Wf-A

A exposição de motivos do nosso NCPC menciona, mais vezes, a Alemanha do que os EUA. Ora, lá as “questões de direito”, provavelmente, sejam mais fáceis de diferenciar do que as “questões de fato”. Apenas, as primeiras são passíveis de uniformização do entendimento, como expresso em nosso NCPC. 

Aqui, em nosso país, se tem buscado a uniformização quando já é visível a grandiosidade do número dos litígios, sobre determinados temas. Mesmo as ações de constitucionalidade, por vezes, não ocorrem num primeiro momento. Sendo assim, efetivamente, estamos rumo a um sistema bem diferente do existente na Alemanha e nos EUA.

Provavelmente, nestes dois países, não são sejam conhecidas todas as palavras, conceitos e situações adiante:

a) Distinção e superação; sim, nos EUA;

b) Afetação; um pouco diverso das ações de classe, dos EUA;

c) Desafetação, podendo ocorrer antes da uniformização, para sanar algum equívoco mais evidente;

d) Superação antecipada, mencionada ao final do livro mencionado do Desembargador Alexandre Freitas Câmara;

e) Súmula com maior detalhamento da exceção do que da regra geral, tal como a do STF, relativa ao direito do esquecimento;

f) Sobrestamento e dessobrestamento;

g) Superação parcial, um pouco diverso da distinção;

h) Superação retroativa, com dúvida do signatário, momento 15 minutos de https://www.youtube.com/watch?v=yn0sfynr2GQ&t=1375s 

i) Etc.

Na Itália, certamente ainda no sistema da civil law, ocorre a procura de providências, antes não imaginadas. Efetivamente, estamos diante de questões longe da melhor definição. Também, lá, se percebe a insuficiência da legislação e a necessidade de maior relevância à jurisprudência, todavia, com cuidados. 

O primeiro juiz não pode dar-se à tarefa de adivinhar os futuros debates e pré-julgar os casos posteriores. Tampouco, pode regulamentar ou, na verdade, legislar. Já em 2012, Michele Taruffo sublinhou as distintas funções do “primeiro” e do “segundo” juiz ou tribunal, https://www.youtube.com/watch?v=WzWCJQwlA9s

Na Itália, com estes cuidados, se previu a possibilidade de o Ministério Público apresentar recurso, não para modificar uma decisão, mas, sim, apenas, para afastar certo fundamento. Trata-se do artigo 363 de sua lei processual, noticiado pelo Professor Ferruccio Auletta da Universidade de Napoli - Federico II:

Art. 363. (Principio di diritto nell'interesse della legge)

Quando le parti non hanno proposto ricorso nei termini di legge o vi hanno rinunciato, ovvero quando il provvedimento non è ricorribile in cassazione e non è altrimenti impugnabile, il Procuratore generale presso la Corte di cassazione può chiedere che la Corte enunci nell'interesse della legge il principio di diritto al quale il giudice di merito avrebbe dovuto attenersi...

a) https://www.altalex.com/documents/news/2014/11/17/delle-impugnazioni acessado, há mais tempo, repetido sem sucesso em 7/5/2023

b) https://www.youtube.com/watch?v=F5CmpC-vj7M acessado, com sucesso, novamente em 7/5/2023

Na Argentina, estudantes, às vésperas da conclusão do curso de Direito, apresentaram questionamentos instigantes. Imagine-se o constrangimento de quem estudou cinco anos, sob um sistema e, após, diplomado, irá trabalhar com outro sistema. Pesquisaram as inovações ocorridas na Argentina, Brasil, Chile, Colômbia e Perú, Perguntaram, diante destas inovações, em 2020, o seguinte:

a) qual o número mínimo para ser “precedente”; 

b) se todos os julgamentos são “precedentes”;

c) tempo máximo de “duração” de um precedente, acima de tudo, momento minuto 8 de https://www.youtube.com/watch?v=DB7xB_Yr5-g

No México, viu-se a urgência de maior conhecimento das decisões anteriores. Diego Lopez Medina, professor da Colômbia, falando sobre o México, em apaixonada aula, demonstrou o significativo papel que a jurisprudência tem a desempenhar. Diz que estamos diante da procura de maior conhecimento sobre as decisões e não de simples e indesejada  concentração de poderes, https://www.youtube.com/watch?v=aJv-93rDFUk&t=2564s

No México, não mais existem as “teses” e necessidade de “reiteração”, desde janeiro de 2021, momento 1h32min de https://www.youtube.com/watch?v=BK03WASyHCY

Ali, em novos e promissores debates, percebeu-se a urgência de uma “comunidade de interpretação” em “criação coletiva”, especialmente momentos minuto 24 e minuto 40, de https://www.youtube.com/live/7uvoElJTEiY?feature=share

Em Portugal, desde 1993, não se aceitam mais os “assentos”, https://1library.org/article/os-assentos-no-direito-portugu%C3%AAs-origem-da-s%C3%BAmula.zxl6onvz

Na Espanha, o professor Jordi Nieva-Fenoll, falando sobre o futuro, antecipou que os algoritmos deverão ser públicos e que a oralidade processual terá, finalmente, como finalidade, estabelecer um “diálogo franco”, especialmente, momentos 6min38 e 10min12 de https://www.youtube.com/watch?v=c9l2CU0XDW4

Em todo lugar, a previsibilidade e segurança que a sociedade reclama e deseja é a certeza de que o Direito contribua para relações mais humanas e solidárias, https://www.migalhas.com.br/depeso/352676/certeza-de-maior-civilidade

Ricardo Carvalho Fraga
Desembargador do Trabalho - TRT/RS

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