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A ilha de Itaparica, propriedade e a procuração de 1574

Essa longa história do senhorio direto tem na outra face os direitos dos titulares de domínio útil, posse ou propriedade plena de milhares de imóveis desmembrados desse título original.

26/5/2023

A capitania hereditária das ilhas de Itaparica e Matarandiba sobreviveu por 266 anos (1556 a 1822). Aparentemente, foi a última e reverteu os poderes de governo e justiça diretamente para os entes públicos criados no regime imperial. A propriedade das terras permaneceu na titularidade particular, por sucessão inter vivos e mortis causa; ainda existe e produz efeitos jurídicos. Procuração datada de 2/01/1574, localizada no Archivum Romanum Societatis Iesu (ARSI), revela algumas informações sobre o começo da história da capitania e da propriedade naquelas ilhas.  

Dom Antônio de Ataíde, o 1º Conde da Castanheira (1500 – 1563), foi Vedor da Fazenda de Dom João III e responsável por grande parte do planejamento e execução do regime das capitanias hereditárias (1534) e implantação do Governo Geral na Costa do Brasil (1549). 

Em retribuição aos serviços que prestou à Coroa Portuguesa recebeu de Tomé de Souza, quando Governador da Costa do Brasil, três quinhões de terra distribuídos em duas cartas de sesmarias, assim resumidas1:  

i) primeira carta de sesmaria de 28/04/1552. As terras situadas no litoral norte entre o porto da Injúria (praia de Subauma ou Sauípe?) até o limite do termo da cidade do Salvador (praia de Jauá)2. Essa concessão era de 12 a 14 léguas3 ao longo do mar. A sesmaria alcançava praias famosas como Arembepe, Guarajuba, Itacimirim, Praia do Forte e Sauípe, no litoral norte do atual Estado da Bahia;

ii) segunda carta de sesmaria de 29/04/1552. As ilhas de Itaparica e Matarandiba, situadas na Baía de Todos os Santos; e as terras do Rio Vermelho, que compreendiam uma légua pela testada do mar, por duas léguas de fundo. A sesmaria do Rio Vermelho alcançava os atuais bairros do Rio Vermelho, Amaralina, Pituba, Jardim de Alá, Armação, Iguatemi, Stiep, Pernambués, Cabula, integrantes do atual território do município do Salvador. 

O Regimento de Tomé de Souza para a concessão de doação de terra em regime de sesmaria estabelecia como condição que o favorecido residisse na “povoação da dita Bahia ou das terras que lhes assim forem dadas”4. Dom Antônio de Ataíde não atendia a esse requisito. 

Essa irregularidade foi suprida pelo Rei Dom João III através de ato jurídico de confirmação régia das doações. O Monarca foi além na sua gratidão e mercê: acresceu à doação a concessão da capitania das ilhas de Itaparica e Matarandiba, outorgando, inclusive, foral; declarou as terras bens patrimoniais; e afetou as doações da capitania e das terras ao morgado instituído por Dona Violante de Távora, mãe de Dom Antônio de Ataíde.   

O Rei Dom João III expediu três atos descritos a seguir:

i) carta régia de doação da capitania e terras datada de 10/11/1556. Concedeu a capitania hereditária das ilhas de “Taparica e Tamaradiva” com todos os poderes típicos de governo e uma particularidade: as terras eram bens próprios e patrimoniais não sujeitos à doação compulsória de parte delas em regime de sesmaria. A previsão tem a seguinte redação: “o dito Capitão, e Governador, e seus Sucessores poderão arrendar, e aforar em fatiota, ou em pessoas, ou como quiserem, e lhes bem vier as terras das ditas ilhas pelos foros, e tributos, que quiserem, e as ditas terras não sendo aforadas, ou as rendas delas quando o forem virão sempre a quem suceder nesta Capitania pelo modo contido nesta doação.”5

ii) carta régia de foral da capitania datada de 10/11/1556. Estabeleceu foral para reger e garantir as relações entre Rei, Capitão e moradores da capitania hereditária das ilhas de Taparica e Tamaradiva6;

iii) carta régia de confirmação das terras situadas no continente e integração ao morgado e terras das ilhas datada de 10/11/1556. Confirmou a doação da “ribeira que se chama Rio Vermelho e as mais terras contidas nos ditos instrumentos de Tomé de Souza”. O ato vinculou essas terras no plano sucessório à capitania das ilhas de “Taparica e Tamaradiva” e proibiu a separação do domínio;

Esses fatos explicam o regime de enfiteuse amplamente adotado no desmembramento das terras insulares e continentais pertencentes ao morgado da família Ataíde.  

Exemplo desse padrão é o aforamento das terras de Praia do Forte. Garcia D'Avila tornou-se foreiro (domínio útil) de seis léguas de terras que começavam na foz do Rio Jacuípe, o que deu origem aos currais de gado dessa família comandados a partir da Torre de Garcia D`Ávila. 

As terras da ilha de Itaparica foram parceladas em regime de enfiteuse. Pode-se afirmar que houve certo plano racional e organizado, que em linhas gerais ainda se mantém no plano físico. Em muitos títulos, constam referências ao regime de domínio útil.

Luiz Walter Coelho Filho
Sócio-fundador do escritório Menezes, Magalhães, Coelho e Zarif Sociedade de Advogados. Graduado em Direito pela UFBA, ano de 1985. Exerce a advocacia nas áreas de Direito Administrativo e Imobiliário

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