A capitania hereditária das ilhas de Itaparica e Matarandiba sobreviveu por 266 anos (1556 a 1822). Aparentemente, foi a última e reverteu os poderes de governo e justiça diretamente para os entes públicos criados no regime imperial. A propriedade das terras permaneceu na titularidade particular, por sucessão inter vivos e mortis causa; ainda existe e produz efeitos jurídicos. Procuração datada de 2/01/1574, localizada no Archivum Romanum Societatis Iesu (ARSI), revela algumas informações sobre o começo da história da capitania e da propriedade naquelas ilhas.
Dom Antônio de Ataíde, o 1º Conde da Castanheira (1500 – 1563), foi Vedor da Fazenda de Dom João III e responsável por grande parte do planejamento e execução do regime das capitanias hereditárias (1534) e implantação do Governo Geral na Costa do Brasil (1549).
Em retribuição aos serviços que prestou à Coroa Portuguesa recebeu de Tomé de Souza, quando Governador da Costa do Brasil, três quinhões de terra distribuídos em duas cartas de sesmarias, assim resumidas1:
i) primeira carta de sesmaria de 28/04/1552. As terras situadas no litoral norte entre o porto da Injúria (praia de Subauma ou Sauípe?) até o limite do termo da cidade do Salvador (praia de Jauá)2. Essa concessão era de 12 a 14 léguas3 ao longo do mar. A sesmaria alcançava praias famosas como Arembepe, Guarajuba, Itacimirim, Praia do Forte e Sauípe, no litoral norte do atual Estado da Bahia;
ii) segunda carta de sesmaria de 29/04/1552. As ilhas de Itaparica e Matarandiba, situadas na Baía de Todos os Santos; e as terras do Rio Vermelho, que compreendiam uma légua pela testada do mar, por duas léguas de fundo. A sesmaria do Rio Vermelho alcançava os atuais bairros do Rio Vermelho, Amaralina, Pituba, Jardim de Alá, Armação, Iguatemi, Stiep, Pernambués, Cabula, integrantes do atual território do município do Salvador.
O Regimento de Tomé de Souza para a concessão de doação de terra em regime de sesmaria estabelecia como condição que o favorecido residisse na “povoação da dita Bahia ou das terras que lhes assim forem dadas”4. Dom Antônio de Ataíde não atendia a esse requisito.
Essa irregularidade foi suprida pelo Rei Dom João III através de ato jurídico de confirmação régia das doações. O Monarca foi além na sua gratidão e mercê: acresceu à doação a concessão da capitania das ilhas de Itaparica e Matarandiba, outorgando, inclusive, foral; declarou as terras bens patrimoniais; e afetou as doações da capitania e das terras ao morgado instituído por Dona Violante de Távora, mãe de Dom Antônio de Ataíde.
O Rei Dom João III expediu três atos descritos a seguir:
i) carta régia de doação da capitania e terras datada de 10/11/1556. Concedeu a capitania hereditária das ilhas de “Taparica e Tamaradiva” com todos os poderes típicos de governo e uma particularidade: as terras eram bens próprios e patrimoniais não sujeitos à doação compulsória de parte delas em regime de sesmaria. A previsão tem a seguinte redação: “o dito Capitão, e Governador, e seus Sucessores poderão arrendar, e aforar em fatiota, ou em pessoas, ou como quiserem, e lhes bem vier as terras das ditas ilhas pelos foros, e tributos, que quiserem, e as ditas terras não sendo aforadas, ou as rendas delas quando o forem virão sempre a quem suceder nesta Capitania pelo modo contido nesta doação.”5
ii) carta régia de foral da capitania datada de 10/11/1556. Estabeleceu foral para reger e garantir as relações entre Rei, Capitão e moradores da capitania hereditária das ilhas de “Taparica e Tamaradiva”6;
iii) carta régia de confirmação das terras situadas no continente e integração ao morgado e terras das ilhas datada de 10/11/1556. Confirmou a doação da “ribeira que se chama Rio Vermelho e as mais terras contidas nos ditos instrumentos de Tomé de Souza”. O ato vinculou essas terras no plano sucessório à capitania das ilhas de “Taparica e Tamaradiva” e proibiu a separação do domínio;
Esses fatos explicam o regime de enfiteuse amplamente adotado no desmembramento das terras insulares e continentais pertencentes ao morgado da família Ataíde.
Exemplo desse padrão é o aforamento das terras de Praia do Forte. Garcia D'Avila tornou-se foreiro (domínio útil) de seis léguas de terras que começavam na foz do Rio Jacuípe, o que deu origem aos currais de gado dessa família comandados a partir da Torre de Garcia D`Ávila.
As terras da ilha de Itaparica foram parceladas em regime de enfiteuse. Pode-se afirmar que houve certo plano racional e organizado, que em linhas gerais ainda se mantém no plano físico. Em muitos títulos, constam referências ao regime de domínio útil.
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