Migalhas de Peso

Operação penalidade máxima: Olhar sob o viés do Direito e Processo Penal

Série de artigos inaugurada com o presente analisará as nuances do Direito e Processo Penal envolvidas na deflagração da Operação Penalidade Máxima.

19/5/2023

Recentemente o mundo do futebol foi chacoalhado em razão de novo “escândalo”: a deflagração da segunda fase da Operação Penalidade Máxima. O procedimento instaurado pelo GAECO-MPGO apura a suposta atuação de organização criminosa que, em tese, manipulava resultados e eventos em partidas de futebol, de forma a garantir êxito em apostas esportivas e, consequentemente, obter lucro.

Resumindo de forma breve, as investigações tiveram início ainda em 2022, contando com o apoio do então presidente do Vila Nova/GO (que também é policial militar), que teria levado ao conhecimento das autoridades a situação de um jogador do clube (Romário). O atleta, por sua vez, teria aceitado uma oferta de R$150.000,00 para cometer um pênalti em partida contra o Sport/PE, em partida válida pela última rodada da Série B do Campeonato Brasileiro de 20221.

Na segunda fase da operação, deflagrada mais recentemente (denúncia datada de 9/5/23 e divulgada pelo MPGO2), a imputação específica relata a suposta “manipulação de 8 (oito) jogos da Série A do ano de 2022, 1 (um) jogo da Série B do ano de 2022 e 4 (quatro) jogos de campeonatos estaduais de 2023”, com a ressalva de que outros núcleos e demais fatos seguem em investigação.

Os jogos das Séries A e B do Campeonato Brasileiro sob investigação são os seguintes: 1) Palmeiras vs Juventude (realizado em 10/9/22); 2) Juventude vs Fortaleza (realizado em 17/9/22); 3) Goiás vs Juventude (realizado em 5/11/22); 4) Ceará vs Cuiabá (realizado em 16/10/22); 5) Red Bull Bragantino vs América/MG (realizado em 5/11/22); 6) Santos vs Avaí (realizado em 5/11/22); 7) Botafogo vs Santos (realizado em 10/11/22); 8) Palmeiras vs Cuiabá (realizado em 6/11/22); e 9) Sport vs Operário (realizado em 28/10/22).

Já dos campeonatos estaduais, são citados jogos dos campeonatos Paulista e Gaúcho. Do Paulista: 1) Guarani vs Portuguesa (realizado em 8/2/23) e 2) Red Bull Bragantino vs Portuguesa (realizado em 21/1/23). Do Gaúcho: 1) Esportivo vs Novo Hamburgo (realizado m 11/2/13); 2) Caxias vs São Luiz (realizado em 12/2/23).

E da leitura da denúncia temos que o MPGO dividiu os alvos da operação em alguns grupos: (i) Núcleo Apostadores; (ii) Núcleo Apoio Operacional; (iii) Núcleo Financiadores; e (iv) Atletas Profissionais.

 Aos integrantes dos grupos “i” a “iii” se imputou a prática do crime tipificado pelo art. 41-D da lei 10.671/03 (Estatuto do Torcedor), que descreve a conduta de “dar ou prometer vantagem patrimonial ou não patrimonial com o fim de alterar ou falsear o resultado de uma competição desportiva ou evento a ela associado”. Aos atletas profissionais, a imputação é da prática do delito do art. 41-C do mesmo diploma legal, que tipifica a conduta de “solicitar ou aceitar, para si ou para outrem, vantagem ou promessa de vantagem patrimonial ou não patrimonial para qualquer ato ou omissão destinado a alterar ou falsear o resultado de competição esportiva ou evento a ela associado”. Houve, ainda, imputação a alguns dos envolvidos da prática do delito insculpido no art. 2º da lei 12.850/13, que prevê a conduta de “promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa”.

Em meio a esse contexto, pretendemos debater – em uma série de artigos, inaugurada pelo presente – algumas questões de Direito Penal e Processual penal que orbitam a aludida operação, a citar: elementos dos tipos penais dos arts. 41-C e 41-D do Estatuto do Torcedor; as circunstâncias de início das investigações, com a atuação direta de um dirigente de clube (e policial militar); a cadeia de custódia da evidência digital que foi amplamente divulgada para a mídia; a presunção de inocência em relação aos jogadores citados nas mensagens; a divulgação de informações acerca da suposta participação de atletas que ainda são investigados (e não foram alvo de denúncia do MPGO); aspectos da justiça penal negociada, com especial enfoque sobre a possibilidade de celebração de ANPP.

Esse debate se mostra relevante por alguns aspectos.

Primeiramente, pela distinção nos princípios e garantias conferidos à esfera penal em relação à esfera desportiva. Como se sabe, o Direito Penal deve figurar como ultima ratio quando considerado todo o arcabouço de sanções ou punições existentes na esfera jurídica, já que este tutela as condutas mais gravosas praticadas em face dos bens jurídicos mais valiosos e caros à sociedade.

A partir do momento em que identificada a prática de um ato considerado delituoso, cumpre ao Estado-Acusador o exercício do ius puniendi, sintetizado na aplicação da pena prevista em lei para o ato cometido. A aplicação dessa pena, por sua vez, só se dá após o competente processo criminal, no qual são conferidos direitos e garantias ao acusado, a fim de cumprir todos os trâmites relativos ao devido processo legal, na forma prevista pela Constituição da República e legislação processual pertinente.

Não necessariamente os mesmos direitos e garantias conferidos na esfera penal são reconhecidos para o âmbito da justiça desportiva, que conta com parâmetros e standard probatório distinto daqueles garantidos no processo penal, justamente pela lógica de que as punições no âmbito criminal são – ou deveriam ser – as mais gravosas possíveis no universo jurídico.

Assim, provas que são consideradas válidas em outras searas, podem ser invalidadas no âmbito criminal, em caso de desrespeito aos ditames legais quando de sua obtenção ou produção. No mesmo sentido, condutas que efetivamente lesam o que é tutelado por outra esfera do Direito podem ser consideradas insignificantes ou não se amoldarem à exigência legal imposta pelo tipo penal.

Em um segundo momento, então, há que se considerar o impacto que as consequências de atos ou decisões ocorridas na esfera penal têm ou podem ter em outras esferas do Direito. Como se vê, muito já se especula na mídia acerca do conteúdo de supostas trocas de mensagens obtidas nos aparelhos apreendidos durante as investigações.

É notório que tais elementos de informação, não produzidos sob o crivo do contraditório e cuja veracidade ainda não foi atestada, já produzem consequências em outras esferas do direito, a exemplo da trabalhista, com a rescisão e/ou suspensão de contratos de atletas3, e desportiva, com a suspensão preventiva de atletas4.

Destaque-se, ainda, que a medida de obtenção de prova que permitiu a apreensão dos aparelhos celulares, que supostamente contêm os elementos de informação supracitados, somente pode ser deferida quando presentes indícios que apontem para a existência de infração penal. Noutro giro, resta evidente que o processo penal, especificamente a Operação Penalidade Máxima, está produzindo consequências em outras esferas do Direito, as quais, não necessariamente, teriam acesso aos elementos informativos em ampla divulgação na mídia.

Em razão disso, mostra-se pertinente a análise proposta, visando esmiuçar os nuances da Operação Penalidade Máxima, a fim de demonstrar, com base nos princípios e garantias conferidos, como eventual condução temerária do processo penal pode levar a danos irreversíveis aos indivíduos a ele submetidos.

E a relevância do tema é ainda maior quando há ampla divulgação de atos de investigação pela mídia, como tem ocorrido na Operação Penalidade Máxima, onde a simples menção ao nome desse ou daquele atleta nas conversas de WhatsApp disponibilizadas aos principais veículos de comunicação, tem importado em gravíssimas consequências (como a rescisão imediata de contratos com seus clubes) antes mesmo do pontapé inicial da ação penal.

Espera-se, com o presente e os demais artigos que o seguirão, aclarar algumas questões relevantíssimas, promovendo discussões que podem evitar a antecipação de punição fora dos tribunais, a exemplo do que ocorreu em outras grandes operações deflagradas num passado não muito distante, onde a divulgação de indícios angariados ao longo das investigações produziu efeitos nefastos à investigados que, muitas vezes, sequer chegaram a ocupar o banco dos réus.

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1 Informação veiculada pelo portal G1, na coluna esportiva, em 9/5/23. Disponível em: https://ge.globo.com/go/futebol/noticia/2023/05/09/justica-acata-denuncia-e-torna-reus-os-16-investigados-na-operacao-penalidade-maxima-ii.ghtml. Acesso em: 16 mai. 2023.

2 Denúncia disponibilizada no Site do Ministério Público do Estado de Goiás em 9/5/23. Disponível em: https://mpgo.mp.br/portal/noticia/mp-gaeco-denuncia-16-pessoas-por-fraudes-em-resultados-de-13-partidas-de-futebol-8-delas-sao-do-campeonato-brasileiro-da-serie-a. Acesso em: 16 mai. 2023.

3 Nota publicada pelo Club Athletico Paranaense, em 12/5/23, referente à rescisão de Pedrinho e Bryan Garcia, citados em conversas obtidas na investigação. Disponível em: https://www.athletico.com.br/noticia/comunicado-oficial-2/. Acesso em 17 mai. 2023.

4 Informação publicada pelo Portal GE, em 16/5/23. Disponível em: https://ge.globo.com/futebol/noticia/2023/05/16/manipulacao-stjd-suspende-oito-jogadores-envolvidos-em-caso-de-apostas-por-30-dias.ghtml. Acesso em 17 mai. 2023.

Lorenzo Ottobelli
Pós-Graduando em Direito Penal Econômico na FGV. Bacharel em Direito pela UFPR. Coordenador do Núcleo de Pesquisa em Direito Penal Econômico da UFPR. Membro do Grupo de Estudos Avançados em Investigação Defensiva do IBCCRIM/PR. Advogado na Trauczynski Muffone Advogados.

Igor Rayzel
Bacharel em Direito formado pela Unicuritiba. Especialista em Direito Penal e Processual Penal pela Universidade Positivo. Engenheiro Ambiental formado pela PUC/PR. Pós-graduando em Controladoria, Compliance e Auditoria na PUC/RS. Advogado Associado no Escritório Beno Brandão Advogados Associados.

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