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A (i)legalidade da divulgação da lista de inadimplentes em condomínios de acordo com a LGPD

Afinal, é possível que os condomínios divulguem a lista de inadimplentes aos demais condôminos? A divulgação fere o que dispõe a lei Geral de Proteção de Dados?

19/5/2023

1. É PERMITIDA A DIVULGAÇÃO DA LISTA DE INADIMPLENTES EM CONDOMÍNIOS?

1.1.  A divulgação da lista de inadimplentes em condomínios é tema polêmico que deve ser avaliado com cautela, tendo em vista a proteção da privacidade dos condôminos inadimplentes.

1.2. Basicamente, atualmente, existem duas correntes de pensamento sobre a possibilidade desta divulgação, quais sejam:

  1. aqueles que entendem que é possível a divulgação da lista de inadimplentes, tendo em vista a necessidade de prestação de contas. Desta maneira, se fundamentam na ideia de que sejam “sócios” e assim seria possível que conhecessem os problemas do outro condômino.
  2. os que entendem que não devem ser divulgadas em locais públicos a lista desses devedores e que, qualquer tipo de divulgação (seja em balancetes, assembleias, etc.) despeitaria o artigo 6ºda LGPD, que dispõe dois princípios da proteção de dados, quais sejam: “... VIII - prevenção: adoção de medidas para prevenir a ocorrência de danos em virtude do tratamento de dados pessoais; IX - não discriminação: impossibilidade de realização do tratamento para fins discriminatórios ilícitos ou abusivos ...”

2. QUAL DESTAS CORRENTES É A MAIS ADOTADA NA ATUALIDADE? 

2.1. Em primeiro lugar, deve-se ressaltar que a lei Geral de Proteção de Dados (lei 13.709/18), publicada recentemente no ano de 2018, não possui um regramento específico que trate sobre a (i)legalidade da divulgação da lista de inadimplentes em condomínios.

2.2. Sendo assim, para respondermos a indagação, recorremos ao posicionamento atual da jurisprudência, ou seja, o que entendem os juízes/desembargadores sobre o tema.

2.3. Basicamente, a jurisprudência majoritária do E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo vem reiteradamente decidindo que a divulgação das unidades que contam com débitos condominiais/associativos em aberto (comumente em balancetes ou assembleias) não pode ser traduzida como ato ilícito, mas sim exercício regular de direito da associação ou condomínio, até mesmo para dar publicidade e justificar o ajuizamento de demandas, rateio de despesas e valores cobrados dos associados.

2.4. Sobre o tema, transcreve-se julgados recentes sobre o tema:

“Responsabilidade civil. Condomínio. Ação de indenização por danos morais. Edital de convocação de assembleia do qual constou dentre os assuntos a serem debatidos o débito da unidade condominial dos autores e a informação de que esse débito é objeto de ação judicial, sem menção dos nomes dos condôminos inadimplentes. Fixação em área comum. Ausência de exposição vexatória. Existência do débito incontroversa. Exercício regular de um direito. Ausência de ato ilícito causador de dano moral. Indenização indevida. Correto desfecho de improcedência. Recurso não provido. Arbitramento de honorários sucumbenciais recursais.” (TJSP; Apelação Cível 1031940-25.2021.8.26.0100; Relator (a): Cesar Lacerda; Órgão Julgador: 28ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível - 26ª Vara Cível; Data do Julgamento: 24/9/21; Data de Registro: 24/9/21).

“RECURSO APELAÇÃO CÍVEL CONDOMÍNIO - AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS MORAIS CUMULADA COM OBRIGAÇÃO DE FRAZER. O fato da unidade da autora constar em relação de inadimplentes afixada no condomínio não configura dano moral, pois se trata de mero aborrecimento. Exercício regular de direito do condomínio. Indenização indevida. Ausência de demonstração de situação vexatória vivenciada pela autora. Utilização de vaga de garagem durante o período de inadimplência das despesas condominiais ou após a quitação do débito. Irrelevância. Autora não demonstrou que é proprietária de vaga de garagem no condomínio requerido. Ausência de prova dos fatos alegados pela requerente. Exegese do artigo 373, inciso I, do Código de Defesa do Consumidor. Improcedência. Sentença mantida. Recurso de apelação da requerente não provido, majorada a verba honorária com base no artigo 85, parágrafo 11, do Código de Processo Civil.” (TJSP; Apelação Cível 1003344-71.2017.8.26.0229; Relator (a): Marcondes D'Angelo; Órgão Julgador: 25ª Câmara de Direito Privado; Foro de Hortolândia - 1ª Vara Criminal da Comarca de Hortolândia; Data do Julgamento: 26/03/2021; Data de Registro: 26/03/2021).

2.5. Todavia, com relação a fixação da lista de inadimplentes em quadro de avisos do condomínio, a jurisprudência se encontra um pouco mais divergente.

2.6. Por ocasião do julgamento da Apelação 0287208-29.2009.8.26.0000, por exemplo, o Desembargador João Batista Vilhena, trouxe importantes considerações sobre a questão, destacando-se a seguinte passagem do seu voto:

“Não se desconhece que todo aquele que administra bens, negócios ou interesses alheios, a qualquer título, tem o dever de prestar contas de sua gestão, porém, a título de cumprir este ônus, não pode o referido administrador extrapolar os limites do quanto suficiente e adequado para desincumbir-se de seu mister. Para tanto, seria bastante o envio de missiva aos condôminos com a devida prestação de contas, identificando inclusive eventuais devedores, o que é lícito e inevitável. Todavia, na hipótese dos autos foi afixada no quadro de avisos do conjunto residencial a relação das unidades devedoras do condomínio, dentre elas, a pertencente à apelante (fls. 10). Tal conduta se revela abusiva por ser desnecessária e expor ao conhecimento geral e indiscriminado a inadimplência de certos condôminos, o que não se justifica. Sabe-se que o quadro de avisos de um condomínio serve à veiculação de diversas informações, sendo livre o acesso ao mesmo, especialmente de empregados, prestadores de serviço, e visitantes, expondo aspecto da intimidade de eventuais inadimplentes a indefinida gama de pessoas, comprometendo a moral dos devedores, por meio de divulgação que acaba por gerar constrangimento para aqueles, estando o proceder do apelado, desta forma, em desacordo com o disposto no art. 42, caput, do Código de Defesa do Consumidor. Não muda esta conclusão o fato de não haver na lista afixada no quadro em questão a identificação nominal da recorrente, na medida em que é referido de forma clara o número de seu apartamento, suficiente esta menção para chegar-se àquela outra identificação, logo, tendo sim capacidade de ensejar situação vexatória à apelante.”

2.7. Referida decisão encontra-se assim ementada:

“DANO MORAL - Configuração - Relação de inadimplentes afixada em quadro de avisos de conjunto residencial - Lista que revela o número das unidades devedoras – Abusividade - Violação ao disposto no caput, do art. 42, do CDC - DANO MORAL - Indenização - Valor Fixação em R$ 5.000,00, que se mostra adequado, proporcional e razoável, consideradas as peculiaridades do caso  - Correção monetária e juros moratórios estabelecidos em consonância com o disposto nas S. º 54 e 362, do STJ Recurso provido.” (TJSP; Apelação Cível 0287208-29.2009.8.26.0000; Relator (a): João Batista Vilhena; Órgão Julgador: 10ª Câmara de Direito Privado; Foro de Osasco - 2. VARA CIVEL; Data do Julgamento: 11/02/2014; Data de Registro: 17/06/2015).

3. CONCLUSÃO

3.1. Por todo o exposto, podemos concluir que, atualmente, é mais adequada a divulgação da relação de inadimplentes apenas em balancetes, como o que ocorre de praxe em inúmeros condomínios. A fixação da lista em quadro de avisos, por outro lado, pode dar margem a uma eventual impugnação judicial.

3.2. Além disso, a divulgação da lista de inadimplentes deve ser utilizada apenas para fins de cobrança das dívidas condominiais, sendo vedado o uso dessas informações para outros fins, como discriminação ou constrangimento dos condôminos inadimplentes.

3.3. Em caso de descumprimento das normas de proteção de dados pessoais, os responsáveis pela divulgação da lista de inadimplentes podem ser responsabilizados administrativa, civil e criminalmente, sujeitando-se a multas e sanções legais.

3.4. Por fim, é importante ressaltar que a cobrança das dívidas condominiais deve ser realizada de forma responsável e justa, respeitando os direitos dos condôminos inadimplentes. A divulgação da lista de inadimplentes pode ser uma medida necessária para garantir a saúde financeira do condomínio, mas deve ser realizada com transparência e respeito à privacidade dos condôminos.

Thyago Garcia
Advogado, Sócio-Fundador do escritório "Garcia Advogados", Diretor da OAB/PG, pós-graduado em Direito do Trabalho e em Processo Civil pela Universidade Católica de Santos/UniSantos.

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