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A estrutura regulatória do sistema brasileiro de prevenção à lavagem de capitais

Muito embora as normas decorrentes da atividade regulatória desempenhada pelos órgãos competentes sejam essenciais para a harmonia e para a uniformização do sistema de combate à lavagem de capitais no Brasil, é importante que a atividade fiscalizatória desses mesmos órgãos reguladores contribua para o aumento da expectativa de controle dos respectivos setores obrigados, cooperando, assim, para o efetivo desenvolvimento de um cultura de compliance e para uma maior efetividade de todo o sistema de combate à lavagem de capitais no país.

17/5/2023

Introdução

A estrutura do sistema brasileiro de combate à reciclagem de capitais é formada por quatro atores principais1: agentes responsáveis pela persecução criminal; unidade de inteligência financeira; pessoas físicas e jurídicas obrigadas a comunicar operações e situações suspeitas de lavagem de dinheiro, também conhecidas como pessoas obrigadas; e órgãos reguladores e supervisores responsáveis pela elaboração de normas e diretrizes de observância cogente para as pessoas obrigadas que, em caso de descumprimento, se sujeitam a aplicação das respectivas sanções administrativas.

Nessa governança, arquitetada para tornar o combate à lavagem de capitais mais efetivo, as informações fornecidas pelas pessoas obrigadas à unidade de inteligência financeira são cruciais para munir os órgãos responsáveis pela persecução criminal de elementos suficientes para dar início a investigações relativas ao cometimento de crime de lavagem de dinheiro, bem como para subsidiar investigações em curso.

A lei 9.613/98 – lei de Lavagem de Capitais – estabelece, em seu art. 9º, um rol de pessoas físicas e jurídicas obrigadas a observar mecanismos de controle relacionadas à identificação de seus clientes, à manutenção de registro de transações realizadas, bem como a adotar políticas, procedimentos e controles internos para identificar e comunicar operações e situações suspeitas à unidade de inteligência financeira2.

Analisando-se o referido diploma legal3, verifica-se que os principais mercados nos quais operam as pessoas sujeitas a mecanismos de controle são os seguintes: mercado financeiro; mercado de câmbio; mercado de seguros; mercado de capitais; mercado de extração de ouro e outros metais preciosos; mercado de sistemas de pagamentos; mercado imobiliário; mercado de comércio de joias, objetos de arte, antiguidades e bens de luxo; mercado de negociação de direitos de transferência de atletas; além de outros.

Em face dessa multiplicidade de setores, no sistema brasileiro de combate à lavagem de capitais, diversos órgãos e entidades são responsáveis por regular e por fiscalizar as pessoas sujeitas a mecanismos de controle impostos pela Lei 9.613/98, a depender do mercado em que atuam.

Por força do art. 10, I, da lei de Lavagem de Capitais, as pessoas obrigadas a cooperar no combate à lavagem de capitais, devem identificar os seus clientes e manter cadastro atualizado, nos termos de instruções emanadas pelas autoridades competentes4. Na mesma linha, o art. 10, III, estabelece que a adoção de políticas, procedimentos e controles internos que devem estruturar o programa de compliance das pessoas obrigadas deverá ser observada na forma disciplinada pelos órgãos competentes5.

No tocante às comunicações de operações financeiras e de situações suspeitas à unidade de inteligência, a lei de Lavagem de Capitais também estabelece que as autoridades competentes pela regulação terão a incumbência de definir as situações que possam constituir indícios de crime de lavagem de dinheiro. Segundo o art. 11, §1º, do referido diploma legal, as autoridades competentes elaborarão relação de operações que, por suas características, no que se refere às partes envolvidas, valores, formas de realização, instrumentos utilizados, ou pela falta de fundamento econômico ou legal, possam configurar situações de lavagem de capitais6.

Além de elaborar diretrizes relacionadas à identificação dos clientes e às situações de operações suspeitas, as autoridades competentes ainda possuem atribuição para aplicar sanções às pessoas obrigadas, bem como aos administradores das respectivas pessoas jurídicas, que deixarem de cumprir as obrigações impostas pela lei às pessoas obrigadas, nos termos do art. 12 da lei de Lavagem7.

Nesse contexto de especialização regulatória existente no sistema brasileiro de combate à lavagem de capitais, o objetivo do presente artigo é apresentar, de forma resumida, alguns normativos relacionados à prevenção à reciclagem de capitais no arcabouço jurídico brasileiro, que devem ser observadas pelas pessoas físicas e jurídicas que exerçam, em caráter permanente ou eventual, atividades relacionadas aos respectivos mercados regulados.

AGÊNCIAS BRASILEIRAS RESPONSÁVEIS PELA REGULAÇÃO E PELA SUPERVISÃO NO ÂMBITO DA PREVENÇÃO E DO COMBATE À LAVAGEM DE CAPITAIS

Coaf – Conselho de Controle de Atividades Financeiras

As competências do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), como unidade de inteligência financeira (UIF), bem como sua posição dentro da estrutura da administração pública brasileira, fazem com que a unidade de inteligência financeira brasileira seja classificada como uma UIF administrativa8 que, além de desempenhar competências próprias de unidades de inteligência financeira (receber, examinar e disseminar relatórios de inteligência financeira com outros órgãos e entidades), também exerce o papel de regulador e supervisor de entidades obrigadas a colaborar com o combate à lavagem de capitais para as quais não exista órgão fiscalizador próprio9.

Nesse sentido, dado o contexto de especialização da regulação e da supervisão de sujeitos obrigados, vigente no atual sistema brasileiro de combate à lavagem de capitais, o Coaf desempenha um papel subsidiário na regulação e na supervisão, sendo responsável por elaborar um conjunto de normativos que estabelecem os procedimentos a serem observados por pessoas físicas ou jurídicas que: comercializem joias, pedras e metais preciosos10; comercializem bens de luxo ou de alto valor ou intermedeiem a sua comercialização11; atuem na promoção, intermediação, comercialização, agenciamento ou negociação de direitos de transferência de atletas ou artistas12; e empresas de fomento comercial ou mercantil (factoring)13.

Bacen – Banco Central do Brasil

No âmbito do sistema financeiro nacional, a Circular 3.978/2014, do Bacen, estabelece diretrizes para a adoção de políticas, procedimentos e controles internos a serem observados por instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil, visando a prevenção da utilização do sistema financeiro para a prática dos crimes de lavagem de capitais e de financiamento ao terrorismo.

A referida norma estabelece a obrigatoriedade de implementação de uma governança para assegurar o cumprimento da política de prevenção à lavagem de capitais, impondo às instituições jurisdicionadas o dever de indicar, formalmente, junto ao Banco Central do Brasil o diretor responsável pelo cumprimento das obrigações previstas na Circular .

Além de indicar a necessidade da definição de procedimentos destinados a conhecer os clientes , a manter registro de operações , a realizar as comunicações de operação e de situações suspeitas ao Coaf , a norma também prevê a adoção de procedimentos destinados a conhecer funcionários, parceiros e prestadores de serviços terceirizados , bem como estipula a necessidade de se implementar uma avaliação de efetividade  da política de prevenção à lavagem de capitais.

CVM – Comissão de Valores Mobiliários

No âmbito do mercado de valores mobiliários, a Resolução CVM 50/21  disciplina o estabelecimento da política de prevenção à lavagem de dinheiro, a identificação e o cadastro de clientes, o monitoramento, a análise e a comunicação das operações e situações suspeitas e o registro de operações realizadas.

Em comparação à Circular 3.978/20 do Bacen, a Resolução CVM 50/21 inova ao trazer dispositivos visando a efetivação de medidas de indisponibilidade de bens, direitos e valores em decorrência de resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas  e de demandas de cooperação jurídica internacional advindas de outras jurisdições, em conformidade com a legislação nacional vigente.

Susep – Superintendência de Seguros Privados

As sociedades seguradores e de capitalização, os resseguradores locais e admitidos, as entidades abertas de previdência complementar, as sociedades cooperativas autorizadas, as sociedades corretoras de resseguro, as sociedades corretores e os corretores de seguros, de capitalização e de previdência complementar aberta estão sujeitas à regulação da Susep no tocante à política, aos procedimentos e aos controles internos destinados à prevenção à lavagem de capitais, conforme prevê a Circular Susep 612/2123.

A referida norma obriga os supervisionados a desenvolverem e implementarem política, procedimentos e controles internos, efetivos e consistentes com a natureza, complexidade e riscos das operações realizadas, que contemplem a identificação dos clientes, registro de operações e de serviços, o monitoramento, seleção e análise de operações e situações suspeitas, bem como a comunicação de operações ao Coaf24.

De maneira similar ao que estabelece a Circular 3.978/20, do Bacen, a Circular Susep 612/21 também prevê a criação de uma estrutura de governança visando a assegurar o cumprimento das normas de prevenção à lavagem de capitais estabelecidas no âmbito da entidade regulada, devendo ser indicado um diretor responsável pelo cumprimento das regulamentações de prevenção à lavagem de capitais25.

A Circular Susep 612/21 prevê ainda que as entidades supervisionadas avaliem a efetividade da política, dos procedimentos e dos controles internos, documentando as análises em relatório específico, que deve descrever a metodologia adotada na avaliação de efetividade, os testes aplicados, a qualificação dos avaliadores e as deficiências identificadas26.

Previc – Superintendência Nacional de Previdência Complementar

As entidades fechadas de previdência complementar devem observar as regras impostas pela Instrução Normativa Previc 34/2027, que dispõe sobre a política, os procedimentos e os controles internos a serem adotados pelas entidades que operam no referido mercado.

A estruturação de uma estrutura de governança que vise assegurar o cumprimento da política antilavagem e dos procedimentos e controles internos de prevenção à lavagem de capitais, bem como a indicação formal de um diretor responsável pelo cumprimento das obrigações, são outras obrigações impostas pela Previc às unidades supervisionadas do mercado de previdência complementar fechada28.

Na mesma direção dos normativos editados pelo Bacen, pela CVM e pela Susep, a Instrução Normativa Previc nº 34/2020 define diretrizes para o fomento da cultura organizacional de prevenção à lavagem de capitais, estabelecendo que a política antilavagem deve ser amplamente divulgada, no mínimo anualmente, aos funcionários, parceiros, prestadores de serviços terceirizados, entre outros stakeholders, mediante linguagem clara e acessível, em nível de detalhamento compatível com as funções desempenhadas e com a sensibilidade das informações29.

A obrigatoriedade de avaliação periódica da efetividade da política, dos procedimentos e controles internos de combate à lavagem de capitais é outra característica presente na regulação da Previc30, que pode fomentar o desenvolvimento de uma efetiva política de compliance nas instituições supervisionadas.

Iphan – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional

No âmbito da comercialização de objetos de antiguidades ou obras de arte, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional editou a Portaria nº 396/2019, que dispõe sobre os procedimentos a serem observados por pessoas físicas ou jurídicas atuantes no referido mercado31.

ANM – Agência Nacional de Mineração

Recentemente, a Agência Nacional de Mineração aprovou, por meio da Resolução ANM 129/2332, normativo de combate à lavagem de dinheiro utilizando gemas, ouro e outros metais preciosos, aplicável a pessoas físicas e jurídicas atuantes na atividade de extração mineral. A norma elenca uma série de operações e situações suspeitas, que configuram indícios de lavagem de dinheiro, que devem ser identificadas e comunicadas à unidade de inteligência financeira33. A norma destaca, ainda, que a análise e a decisão final de comunicar ou não a operação ao Coaf deve ser mantida à disposição da autarquia34.

Outros órgãos e entidades responsáveis pela regulação de mercados supervisionados

Diversos outros órgãos e entidades são responsáveis por elaborar normas de regulatórias para mercados específicos voltadas à identificação de seus clientes, à manutenção de registro de transações realizadas, bem como à adoção de políticas, procedimentos e controles internos planejados e implementados com o intuito de identificar e detectar operações e situações suspeitas de lavagem de capitais35.

CONCLUSÃO

Ao passo que a especialização regulatória contribui para uma maior assertividade das diretrizes impostas aos respectivos sujeitos obrigados, em decorrência da redução da assimetria de informação entre regulador e regulado, também suscita desafios que devem ser enfrentados pelos órgãos supervisores com vistas a fomentar o desenvolvimento de uma efetiva política de compliance dos setores obrigados.

Muito embora as normas decorrentes da atividade regulatória desempenhada pelos órgãos competentes sejam essenciais para a harmonia e para a uniformização do sistema de combate à lavagem de capitais no Brasil, é importante que a atividade fiscalizatória dos órgãos reguladores contribua para o aumento da expectativa de controle dos respectivos setores obrigados, cooperando, assim, para o efetivo desenvolvimento de um cultura de compliance e para uma maior efetividade de todo o sistema de combate à lavagem de capitais no país.

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1 Para maiores informações: BRITO, T.C; A importância da vigilância privada para um efetivo combate à lavagem de capitais.

2 BRASIL. Lei 9.613/1998.

3 Ibid.

4 Ibid.

5 Ibid.

6 Ibid.

7 Ibid.

8 Para maiores informações sobre as possíveis classificações de unidades de inteligência financeira. BRITO, T.C; Unidades de inteligência financeira e o combate à lavagem de capitais.

9 Lei de Lavagem de Capitais. Art. 14, § 1º As instruções referidas no art. 10 destinadas às pessoas mencionadas no art. 9º, para as quais não exista órgão próprio fiscalizador ou regulador, serão expedidas pelo COAF, competindo-lhe, para esses casos, a definição das pessoas abrangidas e a aplicação das sanções enumeradas no art. 12.

10 Coaf. Resolução nº 23, de 20 de dezembro de 2012. Disponível em https://www.gov.br/coaf/pt-br/acesso-a-informacao/Institucional/a-atividade-de-supervisao/regulacao/supervisao/normas-1/resolucao-no-23-de-20-de-dezembro-de-2012.

11 Coaf. Resolução nº 25, de 16 de janeiro de 2013. Disponível em https://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?jornal=1&data=18/01/2013&pagina=13.

12 Coaf. Resolução nº 30, de 4 de maio de 2018. Disponível em https://www.gov.br/coaf/pt-br/acesso-a-informacao/Institucional/a-atividade-de-supervisao/regulacao/supervisao/normas-1/resolucao-no-30-de-4-de-maio-de-2018.

13 Coaf. Resolução nº 41, de 8 de agosto de 2022. Disponível em https://www.gov.br/coaf/pt-br/acesso-a-informacao/Institucional/a-atividade-de-supervisao/regulacao/supervisao/normas-1/resolucao-coaf-no-041-de-08-08.2022.

14 BACEN. Banco Central do Brasil. Circular nº 3.978, de 23 de janeiro de 2020. Disponível em https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/circular-n-3.978-de-23-de-janeiro-de-2020-239631175.

15 Circular nº 3.978/2020. Arts. 8 e 9.

16 Circular nº 3.978/2020. Arts. 13 a 23.

17 Circular nº 3.978/2020. Arts. 28 a 37.

18 Circular nº 3.978/2020. Arts. 48 a 55.

19 Circular nº 3.978/2020. Arts. 56 a 60.

20 Circular nº 3.978/2020. Arts. 62 a 65.

21 CVM. Comissão de Valores Mobiliários. Resolução CVM 50/2021. Disponível em https://conteudo.cvm.gov.br/legislacao/resolucoes/resol050.html.

22 Resolução CVM 50/2021. Arts. 27 e 28.

23 SUSEP. Superintendência de Seguros Privados. Circular Susep 612/2021. Disponível em https://www2.susep.gov.br/safe/bnportal/internet/pt-BR/search/48391.

24 Circular Susep 612/2021. Arts. 16 a 37.

25 Circular Susep 612/2021. Arts. 11 e 12.

26 Circular Susep 612/2021. Arts. 41 e 42.

27 Previc. Superintendência Nacional de Previdência Complementar. Instrução Normativa Previc nº 34/2020. Disponível em https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/instrucao-normativa-previc-n-34-de-28-de-outubro-de-2020-285633819.

28 Instrução Normativa Previc nº 34/2020. Arts. 6º e 7º.

29 Instrução Normativa Previc nº 34/2020. Arts. 3º, I, ‘e’ e 4º.

30 Instrução Normativa Previc nº 34/2020. Arts. 28 e 29.

31 IPHAN. Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Portaria nº 396, de 15 de setembro de 2016. Disponível em http://portal.iphan.gov.br/legislacao. Acesso em 9 de maio de 2023.

32 ANM. Agência Nacional de Mineração. Resolução ANM nº 129, de 23 de fevereiro de 2023. Disponível em https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/resolucao-anm-n-129-de-23-de-fevereiro-de-2023-466161676

33 Resolução ANM nº 129/2023. Art. 8º.

34 Resolução ANM nº 129/2023. Art. 9º.

35 Para maiores informações consultar: COAF. Órgãos reguladores e fiscalizadores. Disponível em https://www.gov.br/coaf/pt-br/assuntos/informacoes-as-pessoas-obrigadas/orgaos-reguladores-e-fiscalizadores.

Thiago da Cunha Brito
Auditor Federal de Controle Externo do Tribunal de Contas da União. LLM Direito Penal Econômico (IDP). Graduação Direito (IDP). Lic. Engenharia Informática (ISEP). Pós-graduado Marketing (UMinho).

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